Acórdão nº 576/14.5GEALR-F.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução07 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Nos autos de inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), com o número supra identificado, após ter sido submetido a primeiro interrogatório judicial subsequente à sua detenção, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TICC), da Comarca Lisboa, foi determinada a sujeição do arguido LM...

, após a verificação das condições necessárias da sua aplicação, à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância electrónica (OPHVE) e proibição de contactar com qualquer dos co-arguidos, bem assim como qualquer dos trabalhadores e dirigentes das sociedades de Tr..., Ag..., Am... e, bem assim, com quaisquer responsáveis e dirigentes e colaboradores do Instituto do IEFP e do IMS- Instituto Médico Scalabitano e do SEF e da Embaixada Portuguesa em Nova Deli, nos termos constantes do seguinte despacho: (transcrição parcial respeitante a este recurso e com interesse para esta decisão) «Validam-se as detenções dos arguidos porquanto efectuadas no cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito, nos termos dos arts. 257º do CPP.

Foi observado o prazo a que alude o artº 141º do CPP.

Ao abrigo do disposto no artigo 141º, nº 4, alínea d), do CPP para efeitos de realização do 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, comuniquei e interroguei os arguidos sobre os factos referidos.

* No tocante à validade da detenção fora de flagrante delito, considera-se relevante dar por reproduzida, transcrevendo-a, alguma da jurisprudência que foi possível recolher a tal respeito.

Tendo presente a redacção dada ao artigo 257º do Código Processo Penal, pela Lei 26/10 de 30/08, há que ponderar sobre a verificação em cada caso das circunstâncias, agora erigidas pelo legislador para que possa, ainda, o Juiz ou o Ministério Público e, em casos especiais, a autoridade de polícia criminal deter um cidadão fora de flagrante delito.

=****= Respigámos, pois, alguns doutos arestos: (…) Verifica-se assim que, no caso concreto que foram cumpridos os preceitos legais atinentes, razão porque se reitera.

** Do despacho de apresentação elaborado pelo MP e sopesando as declarações prestadas pelos arguidos, neste interrogatório cotejadas aqueloutras com os meios de prova apresentados inicialmente para interrogatório, considero fortemente indiciados os seguintes factos: Pelo menos desde meados do ano de 2012 que os arguidos FB... e JB...se dedicam à oferta, entrega, aliciamento, aceitação, transporte, alojamento e/ou acolhimento de cidadãos estrangeiros, nomeadamente o ofendido SR... e os demais ofendidos identificados nos autos, com vista à exploração da sua mão-de-obra, de molde a obterem elevados proveitos financeiros.

Essa exploração tem sido realizada mediante a utilização de força, ameaças e coacção, aproveitando a especial vulnerabilidade dos trabalhadores ofendidos que se encontram num país totalmente estranho, onde não dominam a língua local.

A estes trabalhadores foi exigido um trabalho contínuo, muito para além do humana e legalmente permitido, mediante um pagamento irrisório, alheio ao número efectivo de horas trabalhadas.

Com o fito de maximizarem os respectivos lucros, os arguidos instalaram os ofendidos em alojamentos sem o mínimo de dignidade, exíguos, sem condições sanitárias e sem lhes ser fornecida alimentação adequada.

Efectivamente, os arguidos FB... e JB...associaram-se a dois indivíduos de nacionalidade israelita, AB... e de IR..., e constituíram nos inícios de 2013 uma sociedade – “Tr...” -, cujo objecto era a angariação de trabalhadores para serem colocados em empresas agrícolas que necessitassem de mão-de-obra; os trabalhadores ficariam afectos à “TR...”, que lucraria com o avultado diferencial entre o valor pago pelas empresas clientes e o valor dos salários dos trabalhadores.

Os arguidos AB..., VS..., LM..., JS... e NT... também passaram a colaborar nesta actividade, constituindo vínculo laboral com a “TR...”.

Os trabalhadores eram angariados no Nepal, Bangladesh e Tailândia, onde AB... tinha contactos com empresas recrutadoras, sendo o montante pago pelos trabalhadores para conseguirem um emprego em Portugal dividido entre todos os intervenientes.

Em Portugal, os arguidos estabeleceram ligações com as empresas que necessitavam de trabalhadores, encetando os procedimentos necessários para possibilitar a contratação de trabalhadores estrangeiros.

Para o efeito, munidos com uma procuração outorgada pela empresa necessitada de trabalhadores, os arguidos deslocaram-se a diferentes Centros do Instituto do Emprego e Formação Profissional para obterem trabalhadores. Esta entidade publicou, então, um anúncio de emprego, válido por trinta dias, com vista à atribuição de trabalho prioritário a cidadãos nacionais ou a cidadãos com autorização de residência no espaço comunitário. Todavia, durante as entrevistas com os trabalhadores nacionais ou equivalentes, com vista ao preenchimento das vagas de emprego, o representante da “TR...” (num primeiro momento esta, subsequentemente a “AG...”), na qualidade de cliente, apresentava condições que dificilmente seriam aceites por um cidadão nacional. Na ausência de candidatos nacionais ou com autorização de residência na União Europeia para a vaga de emprego, o Instituto de Emprego emitia uma declaração atestando a impossibilidade de recrutar em Portugal, essencial para que os arguidos pudessem encetar os procedimentos necessários para trazer trabalhadores estrangeiros, não residentes no espaço comunitário.

Então, os contactos dos arguidos no Nepal, Bangladesh ou Tailândia iniciavam o recrutamento de trabalhadores para Portugal, cobrando a cada candidato cerca de € 10.000,00 (dez mil euros).

Na posse dos nomes dos candidatos estrangeiros e da declaração do Centro de Emprego, um dos arguidos, dirigia-se ao Departamento de Emprego para obter uma autorização para empregar os trabalhadores estrangeiros identificados, sendo esses nomes comunicados à respectiva embaixada.

Posteriormente, os contactos dos arguidos no Nepal, Bangladesh ou Tailândia orientavam os trabalhadores candidatos para se dirigirem à embaixada portuguesa, em Nova Deli ou em Bangkok, para serem entrevistados. A embaixada articulava-se, então, com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e este emitia os vistos para que os trabalhadores candidatos pudessem viajar para Portugal.

Embora numa primeira fase da sua actividade os arguidos FB... e JB...e os referenciados indivíduos israelitas actuassem sob a alçada da sociedade “Tr...”, com sede na (...), posteriormente separaram-se, constituindo sociedades autónomas, embora no mesmo ramo de actividade: a prestação de serviços agrícolas com recurso a mão-de-obra estrangeira.

Assim, os arguidos FB... e JB..., com o intuito de obterem mais proventos, constituíram a sociedade “AG... – Serviços Agrícolas, Lda”, em 28 de Outubro de 2013, com sede em Almeirim (cfr. teor de matrícula a fls. 153/156), para a qual transferiram bens e trabalhadores da “TR...” (entre eles, os arguidos AB..., VS..., LM..., JS... e NT...), à revelia de AB... e de IR..., sócios-gerentes desta última, utilizando abusivamente a procuração outorgada ao arguido FB..., para administrar a “TR...” (cfr. produto 28886 do Alvo 70393060).

Por seu turno, com o esvaziamento da actividade da “TR...”, RB... aliou-se a um novo sócio português, formando com outros cidadãos estrangeiros a sociedade “JQ...”.

IR... constituiu a sociedade “S...” com outro sócio estrangeiro.

No âmbito das respectivas funções na “AG...” incumbia ao arguido FB... a parte comercial da actividade, efectuando a ligação com as explorações agrícolas empregadoras/clientes.

Ao arguido JB...cabia efectuar a ligação formal e burocrática com os trabalhadores agrícolas, formalizando os respectivos contratos de trabalho e efectuando o pagamento dos salários.

(cfr. produtos 4269, 12964 e 43363 do Alvo 70393060; e produtos 4169, 6047, 6048, 6049, 7599, 8181, 10335, 10336, 10337, 11129, 13247, 13248, 13249, 13250, 13251, 13290, 28222 do Alvo 72543060 - “…já percebi o que é que se passa com os salários… Então é assim: Há uma coluna… não tem dia, é a seguir ao dia trinta… Uso essa coluna para dar umas horas, para por umas horas. Umas vezes ponho, outras tiro e tal e coiso, para aquilo acertar, para fazer o… a Segurança Social… E há gajos agora que têm as mesmas horas, é pá, e que têm ali diferenças de dez ou quinze euros… Uns meses arredondo tudo para cima, outros meses assim, outros meses assado…” – “…estes tem que compreender assim, não compreendem vão com o caralho, não posso fazer de outra maneira, eles não querem pagar IRS, não querem pagar IRS e querem receber tudo, não podem, eu não posso pagar do meu bolso, não pago mais… Tu tens que dizer oh meu amigo você recebe aqui no recibo, e no mês que tem dois ou três dias a menos, compensa…”).

Todavia, sempre que havia que resolver questões com os trabalhadores, cabia ao arguido FB... essa resolução.

(cfr. produtos 495, 624, 839, 899, 2043, 2136, 3431, 3461, 3465, 3566, 3645, 4975, 5677, 7259, 8990, 12964, 13278, 24278, 28667, 30072, 30088, 30277, 30282, 31161, 31169, 32456, 33662, 33675, 37852, 38479, 38686, 38717, 38861, 40772, 41257, 41978, 43333, 43363, 45398, 45400, 54555, 54560, 54745, todos do Alvo 70393060; produto 8118 do Alvo 72543060; e produto 117 do Alvo 76063040) (“…Ó pá, precisamos de arranjar mais uma casa, caralho… para a gente pôr gajos… Isso é pores… dez contentores… fazes os esgotos. A partir dai está feito… e se cada um pagar dez euros… Vinte euros, ganhas dinheiro…” – “…as casas… lá aquilo não tem condições nenhumas, caralho… os gajos vão-se todos embora, naquelas condições… acho que é frio de morte… morrem de frio… então aquele telhado… aquilo é céu aberto. Eles estão a dormir ao relento…” – “…esses gajos vão...

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