Acórdão nº 130/15.4YUSTR.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2016
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 01 de Março de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: 1. Notificado da sentença de fls. 784 a 797, proferida em processo de contra-ordenação pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (J3), veio o arguido R.
interpor o presente recurso, ao abrigo do disposto no art. 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), com os seguintes fundamentos (transcrição): 1. O ora Req.te interpôs recurso de impugnação das decisões do Departamento de Averiguação e Acção Sancionatória do Banco de Portugal que, aquando da diligência designada de “prestação de declarações como arguido”, recusou informá-lo dos factos concretos que lhe eram imputados e de que era suspeito, e dos respectivos meios de prova indiciária constantes dos autos, recusou facultar-lhe a consulta dos autos de contra-ordenação em causa e lhe negou a possibilidade de prestar declarações e os esclarecimentos a que expressamente se dispôs, na medida em que, não obstante as recusas anteriormente referidas, tal lhe fosse possível.
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Como se vê da alegação do recurso de impugnação de tais decisões proferidas por aquela autoridade administrativa, o que fundamentalmente está em causa é a negação dos direitos do ora Req.te “…ser informado dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo, “…antes de prestar declarações…” perante os respectivos instrutores, e de sobre eles prestar as declarações e os esclarecimentos que entenda necessários à sua defesa, direitos esses consignados nos artºs 61º nºs 1 alªs c) e g) 140º nº 4 alª d) do Cód. de Processo Penal, este último aplicável por força do disposto no artº 144º nº 2 do mesmo diploma legal (artº 41º nº 1 do RGCO).
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Importa ter presente que, como os autos documentam, o ora Req.te foi constituído arguido no início da diligência dita de “prestação de declarações” para a qual fora convocado, já com a indicação dessa qualidade, e se realizou no dia 1 de Abril de 2015.
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Dispõem os artºs 60º e 61º alªs c) e g) do Cód. de Processo Penal que “desde o momento em que uma pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais…”, gozando, “em especial, em qualquer fase do processo…” dos direitos, entre outros, de “ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações…” e de “intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias”.
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A “prestação de declarações”, para a qual, aliás, o ora Req.te fora convocado e a informação dos factos concretos que lhe eram imputados, com a indicação das respectivas circunstâncias de tempo, lugar e modo, constituem direitos inalienáveis de defesa inerentes à qualidade de arguido, cuja negação pela autoridade administrativa nos termos já referidos constitui nulidade sanável (artºs 119º e 121º nºs 1 alªs a), b) e c), 2 e 3 do Cód. de Processo Penal, aplicável “ex vi” artº 41º nº 1 do R.G.C.O.).
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Na douta sentença cujo recurso o ora Req.te pretende seja aceite, reconhece-se expressamente que a “notificação da imputação efectuada ao arguido no dia 01/04/2015… padeceu de nulidade por não fornecer os elementos necessários para o exercício do direito de defesa, mormente do direito de audição”.
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No entanto, naquela mesma douta sentença sustenta-se que “…do processado subsequente na fase administrativa dos autos de contra-ordenação nº 58/14 /CO resulta evidente que tais nulidades foram sanadas,…” 8. Note-se que na douta sentença em causa se fala em “nulidades” (no plural), justamente por que como tal se considera também a negação do direito do arguido prestar declarações, como no acto insistentemente reclamou.
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A tese da sanação de tais nulidades sustentada na douta sentença cujo recurso se pretende seja aceite é suportada na ideia de que a ulterior dedução de acusação no âmbito do referido processo de contra-ordenação e a defesa escrita contra a mesma apresentada pelo ora Req.te constituem causa de sanação, nos termos do artº 121º nº 1 alª c) do Cód. de Processo Penal.
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Por outras palavras, na douta sentença recorrida pretende-se que as nulidades representadas pela violação do dever de informar o arguido dos factos concretos que lhe são imputados, imediatamente antes de prestar declarações, e pela própria negação do direito de prestar declarações, devem ter-se como sanadas por virtude das ulteriores acusação e defesa escrita.
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Salvo o devido respeito, é nossa convicção que, na douta sentença cujo recurso se pretende seja aceite, não se alcança o sentido exacto do direito de defesa do ora Req.te que resulta postergado com a recusa de informação sobre os factos concretos que lhe eram imputados e da prestação de declarações e esclarecimentos que reclamou naquela diligência, dita de “prestação de declarações”, realizada no dia 1 de Abril de 2015.
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É que, uma vez constituído arguido, e desde logo, ao ora Req.te assiste o direito de iniciar a sua defesa, a qual, mesmo no processo de contra-ordenação, não se cinge à faculdade que lhe é reconhecida pelo artº 50º do R.G.C.O.
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Com efeito, se a constituição como arguido ocorre antes da dedução da acusação, designadamente em diligência para a qual foi expressamente notificado para “prestar declarações” já nessa qualidade, àquele assiste o direito de ser informado dos factos que lhe são imputados, com a indicação das circunstâncias de tempo, lugar e modo, e de prestar sobre os mesmos todas as declarações e esclarecimentos que repute necessários para evitar que contra ele seja deduzida acusação.
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Se é certo que o “direito de audição e defesa do arguido” consagrado no artº 50º do R.G.C.O. tem em vista evitar a condenação nas sanções correspondentes às contra-ordenações imputadas na acusação, não o é menos que, tratando-se de diligência de “prestação de declarações como arguido” realizada antes da dedução de acusação, o direito de defesa que inegàvelmente já então lhe assiste só pode ter em vista evitar que contra ele venha a ser deduzida acusação, sob pena de destituição de qualquer sentido útil.
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A nulidade correspondente à violação desse direito de defesa, que se configura no presente caso, jamais poderá ter-se sanado com a dedução da acusação e com a defesa ulterior tida como possível, justamente porque se trata de actos que, se aquele direito não tivesse sido negado ao ora Req.te, sempre podiam ter sido evitados.
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Aliás, a douta sentença cujo recurso se pretende seja aceite, ao julgar as referidas nulidades sanadas por via da acusação e da defesa, incorreu em manifesta contradição consigo mesma na parte em que considera que não se verificava inutilidade superveniente do recurso em consequência dessas mesmas acusação e defesa.
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Ao ora Req.te não é indiferente ser acusado ou deixar de o ser e o Direito expressamente admite a diferença, 18. Assim se explica que, a par do direito de audição e defesa reconhecido no artº 50º do R.G.C.O. na fase subsequente à dedução da acusação e anterior à decisão, a lei reconheça, também expressamente, ao arguido, antes de nessa qualidade prestar declarações, o direito de ser informado sobre os factos que lhe são imputados, com a indicação das respectivas circunstâncias de tempo, lugar e modo e o direito de prestar declarações, esclarecimentos e requerer o mais que se lhe afigurar necessário para se defender do risco de uma acusação, isto é, para evitar essa mesma acusação (artºs 61º nº 1 alªs c) e g), 141º nº 4 alª d) e 144º nº 2 do Cód. de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artº 41º nº 1 do R.G.C.O.
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Nos termos do nº 2 do artº 41º R.G.C.O. o Departamento de Averiguação e Acção Sancionatória do Banco de Portugal não goza de privilégio algum face às entidades competentes para o processo criminal, pelo que mais lhe não incumbe do que observar os deveres que a lei impõe a estas e respeitar os direitos que nela são reconhecidos aos arguidos.
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No caso vertente, o que o ora Req.te pretende é que, na sequência do reconhecimento das nulidades cometidas, as mesmas só sejam tidas como sanadas mediante a concessão de oportunidade – nova diligência para prestar declarações como arguido – para evitar a dedução da acusação.
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Como é óbvio, a criação dessa nova oportunidade passa pela declaração das nulidades cometidas, pela anulação da acusação que contra o ora Req.te foi deduzida e pela imposição à autoridade administrativa, e respectivos funcionários/instrutores, da designação de nova data para verdadeira prestação de declarações – de preferência, que não volte a coincidir com o Dia das Mentiras, - tudo com vista a evitar que contra ele seja deduzida acusação.
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Se esse direito não lhe fôr reconhecido, ou se a correspondente nulidade se tiver como sanada pela ulterior dedução de acusação e pela defesa exercida, aliás, por mera cautela (cfr. artº 57º da defesa), então dir-se-ia que nos processos de contra-ordenação o disposto nos comandos supracitados do Cód. de Processo Penal, aplicáveis “ex vi” artºs 41º nº 1 do R.G.C.O., constitui letra morta, e que os direitos de defesa que os mesmos visam tutelar, - v.g. de evitar a dedução de acusação, - equivalem a nada.
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Nesta perspectiva, entendemos que se trata de questão crucial que se prende com o exercício de um direito fundamental de defesa em processo contra-ordenacional e com a respectiva tutela jurisdicional efectiva, sendo a aceitação do recurso da douta sentença em causa manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso ser aceite por isso que tal se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito.
*** 2. No exercício do respectivo contraditório, pronunciaram-se quanto à admissibilidade do recurso o MP e o Banco de Portugal (BP).
2.1. O Ministério Público, alegando o seguinte: 1. A decisão que o arguido pretende impugnar não admite recurso – art. 55º, nº 3...
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