Acórdão nº 1205/10.1TTLSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório: AA e BB, representadas pelos seus avós paternos CC e DD, intentaram contra EE, Ld.ª, FF, S. A., GG e HH, S. A. a presente acção especial emergente de acidente de trabalho do qual decorreu a morte de II, seu pai, delas reclamando o pagamento de uma pensão anual e vitalícia de € 9.835,06 a partir de 21/03/2010, até perfazerem 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário, ou curso equiparado ou o ensino superior, e as quantias de € 5.030,64 a título de subsídio de morte, € 3.353,76 a título de despesas de funeral, € 100.000,00, a título de indemnização pelo dano morte no global e conjuntamente a ambas e 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, a cada uma dela.

(…) Regularmente citadas, todas as rés contestaram.

(…) As autoras responderam (…) A Mm.ª Juíza proferiu despacho saneador, no qual, inter ali, decidiu que as rés GG E HH eram partes ilegítimas e, por via disso, absolveu-as da instância, julgou a acção improcedente relativamente à ré FF no que tange aos pedidos formulados nas alíneas d) e do e) e, de seguida, procedeu à condensação da matéria de facto, considerando uns assentes e outros a provar e com estes organizou a base instrutória.

As autoras reclamaram contra a forma como a Mm.ª Juíza condensou a matéria de facto, mas com isso não lograram qualquer sucesso.

Seguidamente, foi realizada a audiência de julgamento, tendo a produção de prova decorrido em quatro sessões, na primeira das quais além de terem sido produzidas provas a Mm.ª Juíza determinou a ampliação da matéria de facto relevante,[1] na segunda e terceiras concluiu essa tarefa[2] e, na quarta, proferiu despacho no qual proferiu decisão sobre a matéria de facto controvertida, contra o qual reclamou, sem sucesso, a ré empregadora.

[3] Após, foram os autos conclusos à Mm.ª Juíza entretanto ali colocada,[4] que então proferiu sentença na qual julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as rés do pedido.

[5] Inconformadas com a sentença, reagiram as autoras de duas formas: reclamaram e recorreram, sendo que no concernente àquela o fizeram em separado do recurso.

[6] No que tange à reclamação, as autoras alegaram o seguinte: Com a extinção do tribunal de trabalho em Almada e com a sua integração na 2ª secção de trabalho e com a transferência para outro Tribunal, da anterior Magistrada, que tinha a direcção deste processo e presidiu às sessões de Julgamento, os autos vieram a ser conclusos à M. Juiz. Todavia, impunha-se em face do disposto no art.º 605°/4 do CPC, por remissão do art.º 1.º/2 alínea a) do CPT, que fosse a anterior Magistrada que elaborasse a sentença e não, V. Ex.ª, por quem, apesar do imenso respeito e competência que lhe atribuímos, bem sabe que não podia menosprezar a referida disposição legal, pelo que ao tê-lo feito, praticou uma acto proibido por lei.

Os princípios da imediação e da plenitude, consagrados no nosso sistema processual, impõem respectivamente, que toda a produção de prova se realize de uma forma directa e que só possam intervir na decisão da matéria de facto, os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na Audiência Final. Tendo a Audiência sido realizada em duas sessões e que ocorreram sob a presidência da mesma Juiz, entretanto transferida para outra Secção de outro Tribunal, compete-lhe ainda assim, apesar de ter proferido decisão sobre a matéria de facto, proferir a respectiva sentença (Cfr. Ac. RC de 30.05.00:BMJ, 497M47).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, as da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O principio da oralidade com os seus corolários de imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade da convicção; com efeito, só a partir da oralidade e da imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

A oralidade da audiência, em que os intervenientes estão fisicamente perante o Tribunal, permite ao Juiz aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza, que se revelam por gestos, comoções, emoções.

A imediação que vem definida como relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado "principio subjectivo", que se vincula o juiz à utilização, à valoração e à credibilidade da prova, no exame critico das provas, que se Ihe impõe na elaboração da sentença, não às consideradas aquando da resposta aos quesitos.

Pois que, a análise critica das provas, para a fundamentação da resposta aos quesitos, é diferente do exame critico das provas, que o Juiz deve ter em consideração na elaboração da sentença e quer um juízo, quer outro, deverá ser feito pelo mesmo magistrado, no seu processo iter lógico e racional que imprimirá na decisão final.

Em bom rigor, não só M. Juiz não presidiu às sessões de Julgamento, como também não pode se socorrer, da gravação da prova, porque ela não se registou, não assistiu à discussão dos aspectos jurídicos da causa, às alegações produzidas pelas partes, ao contraditório, pelo que, não está em condições para proferir uma sentença, mormente atenta a complexidade da matéria dos autos.

Se é certo que no Código de Processo Civil de 1961, o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os actos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto - e portanto, para a fase da audiência - e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto, não infringia aquele princípio - nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual, o mesmo não acontece, perante a entrada no novo NCPC; Pois que, o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento; Além do que, aquando do início da discussão e julgamento, já estava em vigor o disposto no art.º 605.º/3 e 4 do CPC.

Pelo que, em face dos autos terem sido remetidos para a Secção do Barreiro, quando Ihe foram conclusos, deveria V. Exa. se ter abstido de proferir a sentença, atento o supra exposto, sob pena de violar a lei e princípios ordenadores do n/sistema.

Pelo que deverá V. Ex.ª anular a douta sentença, por forma a repor a legalidade dos actos, devendo a anterior Magistrada, ser chamada, a fim dos autos Ihe serem confiados, por forma a proferir nova sentença, nos termos das suas atribuições e competências, pois que, o facto de estar noutro Tribunal (inclusive tão próximo deste), não a impossibilita de o fazer.

Não sendo sanada tal nulidade, não se prescinde de se a invocar perante o Tribunal superior, em sede das próprias alegações que se juntam.

Já quanto às alegações do recurso, as autoras culminaram-nas com as seguintes conclusões: 1)A M. Juiz a quo, não cumpriu o disposto no art.º 605.º/4 do CPC, por remissão do art.º 1.º/2 alin. a) do CPT, porquanto, predispôs-se a elaborar a sentença, quando não presidiu às sessões de Julgamento, a prova não se mostra gravada, não assistiu à discussão dos aspectos jurídicos da causa, já que não assistiu ao contraditório plasmado nas alegações das partes, pelo que praticou assim um acto proibido por lei e portanto nulo, registando-se uma violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes.

2)Ora, no caso em apreço verifica-se também uma flagrante Violação do principio do contraditório - art.º 3.º/3 do CPC ex vi art.º 1.º/2, a) do CPT já que, o respeito pelo princípio do contraditório impõe, que o juiz o faça cumprir ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Consagra-se o princípio da proibição das decisões-surpresa.

3)Afigura-se irrecusável a conclusão de que é praticado um acto que a lei não admite: prolação de sentença de mérito, decidindo o direito, sem que o autor da mesma sentença tenha assistido e escutado as alegações de direito que as partes na altura e sede própria, produziram.

4)Não se diga que as partes já tiveram, de qualquer forma, oportunidade de se pronunciar sobre as questões de direito nos seus articulados.

Com efeito, nos articulados as partes apenas tiveram oportunidade de apresentar as suas próprias razões de direito sobre factos por si alegados; mas não tiveram ainda a oportunidade de se pronunciar sobre os factos alegados pela parte contrária, nem de rebater as razões de direito apresentadas pela parte contrária; muito menos tiveram a oportunidade de, eventualmente, se pronunciar sobre a factualidade que, após produção da prova, possam considerar adquirida, e que pode não coincidir com a inicialmente (e, nessa medida, hipoteticamente) alegada.

5)A importância das alegações das partes em matéria de Direito não pode ser menosprezada. Não presenciar a discussão jurídica da causa pode influenciar, sem dúvida, a decisão final do pleito, uma vez que impede a ponderação adequada, por parte do juiz, do direito que as partes pretendem fazer valer.

6)Se assim não fosse, o legislador não preveria que houvesse lugar a alegações finais, nem indicaria expressamente deverem elas, quando orais, ser apresentadas perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença (ou seja, mesmo no caso de tribunal colectivo, as alegações...

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