Acórdão nº 1995/15.5YLPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 04.6.2015 Rui apresentou no Balcão Nacional do Arrendamento requerimento de despejo contra Restaurante, Lda (anteriormente denominada (…) Restaurante e Snack Bar, Lda), pedindo, além do despejo, o pagamento da quantia total de € 6 852,00, correspondente a rendas vencidas nos meses de novembro de 2014 a junho de 2015 e juros de mora vencidos.

O requerente alegou ter resolvido extrajudicialmente, por falta de pagamento de rendas, o contrato de arrendamento que em 1995 celebrara com a requerida, tendo por objeto um imóvel, que identificou, sito em Lisboa.

A requerida apresentou oposição, em que alegou ter pago as rendas em dívida, o que o requerente aceitou, tendo dado a respetiva quitação.

A requerida concluiu pela extinção do procedimento especial de despejo.

Distribuídos os autos à Secção Cível da Instância Local da Comarca de Lisboa, o A. comunicou que mantinha interesse no procedimento, “uma vez que (…) a sociedade R. recebeu notificação judicial avulsa comunicando a resolução contratual em 19.3.2015, tendo posto fim à mora em 8.6.2015.” Pela R. foi invocada a litigância de má-fé por parte do A., a que o A. respondeu, negando-a.

Realizou-se audiência final e em 05.11.2015 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e consequentemente absolveu a R. do pedido. Mais julgou inexistente a litigância de má-fé por parte do A..

O A. apelou, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1. O Apelante procedeu à resolução do contrato de arrendamento dos autos por comunicação à Apelada, consumada em 19.3.2015, através de Notificação Judicial Avulsa.

  1. Face à ausência de entrega voluntária do imóvel e de pagamento das rendas em dívida, o Apelante propôs procedimento especial de despejo em 4.6.2015.

  2. A Recorrida pagou as rendas em dívida e as correspondentes indemnizações pela mora em 8.6.2015, 81 dias depois de ter sido notificada da resolução contratual operada pelo Apelante.

  3. A Apelada foi citada para o processo em 29.6.2015, no qual apresentou a sua oposição em 6.7.2015.

  4. O pagamento efectuado pela Apelada em 8.6.2015 não o foi no prazo previsto no art.° 1084°/3 do CC., na redacção vigente desde a publicação da Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que é a seguinte: "A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta e pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n° 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês." 6. Resulta do artigo 3° do requerimento apresentado em juízo pela Apelada em 24.8.2015 (Ref.ª CITIUS 20367773) que aquela, ao proceder aos pagamentos ao Apelante que realizou em 8.6.2015, se alicerçava numa versão do art.° 1084º/3 do C.C. que já não se encontrava em vigor, nomeadamente a resultante da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, que previa o prazo de 3 meses para o inquilino fazer cessar a mora e inutilizar o procedimento judicial até aí desenvolvido.

  5. A Apelada sustentou, nas peças processuais que apresentou em juízo e, sobretudo, no pedido de condenação do Recorrente como litigante de má fé, a ilegitimidade da posição processual deste último em querer prosseguir os termos destes autos, exclusivamente no facto de crer que os pagamentos efectuados em 8.6.2015 determinariam que a resolução operada pelo Apelante em 19.3.2015 ficaria sem efeito — por se ter reportado a uma versão revogada do art.° 1084°/3 do C.C.

  6. Nunca a posição assumida pelo Apelante na carta de 17.6.2015, remetida à Apelada, poderia ser interpretada por esta última como uma renúncia ao pedido judicial de despejo, quer porque a lei aplicável (o art.° 1084°/3 do C.C.) ditava solução diametralmente contrária, quer porque, desde 4.6.2015, estava pendente o presente procedimento especial de despejo, circunstância que é condizente com a vontade de fazer cessar o arrendamento dos autos, e não do inverso.

  7. A aceitação pelo Apelante, por um lado, das rendas e indemnizações pagas pela Apelada em 8.6.2015, e a exigência, por outro lado, do pagamento de outras rendas, vencidas na pendência da acção, corresponderam à sua vontade de ver cumpridas as regras ínsitas, respectivamente, nos artigos 15º/8 do NRAU e 1041°/4, ambos do C.C.

  8. A modalidade de abuso de direito que o Tribunal a quo teve em mente ao julgar o comportamento do Recorrente terá sido o venire contra factum proprium, uma vez que a sentença recorrida procede à contraposição de duas condutas subsequentes no tempo, em que a segunda contraditaria, em termos legalmente inadmissíveis, o conteúdo da primeira, tal como é percepcionado pela Apelada.

  9. Nos termos da jurisprudência consagrada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2013 (Proc. n.° 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, da 6ª Secção), "São Pressupostos desta modalidade de abuso do direito — venire contra factum proprium — os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum "investimento de confiança", traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o "investimento" que nela assentou." 12.Acresce que, para que se verifique uma situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, o venire deve seguir cronologicamente o factum proprium, por constituir o exercício do direito de forma supostamente abusiva, relativamente ao facto anterior, e não o inverso, sob pena de subversão lógica de todo o instituto.

  10. A ausência, no caso dos auto, de factum proprium, decorrente da Conclusão 8a, impossibilitaria a verificação subsequente do venire.

  11. A conduta do Apelante ao manifestar a vontade de que os autos prosseguissem — o venire, na construção da sentença impugnada — não constituiu inversão de comportamento relativamente à decisão de receber as rendas em dívida e respectivas indemnizações, tendo correspondido ao desenrolar, num mesmo sentido e até à sua conclusão, da vontade que aquela manifestara ao interpor o procedimento especial de despejo: obter a restituição do imóvel sua propriedade.

  12. A construção jurídica que resulta da sentença recorrida apenas poderia aplicar-se aos factos em apreço se a interposição do procedimento especial de despejo tivesse sido posterior à aceitação das rendas e das indemnizações pela mora por parte do apelante – o que não se verificou.

  13. Não existe qualquer nexo causal entre o suposto factum proprium do Recorrente (a aceitação das rendas e indemnizações pela mora), e um "investimento de confiança", traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium por parte da Recorrida, dado que o "investimento" que a mesma colocou sobre a aludida conduta do Apelante resultou, como se viu, de uma errada percepção da lei vigente, e não do comportamento deste.

  14. A boa fé da Apelada deixou de se verificar a...

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