Acórdão nº 19657/15.1T8LSB-F.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: 1. Na liquidação dos bens da massa insolvente da C-Ldª, iniciada antes de 15/03/2016, depois de duas tentativas, sem êxito, de venda das verbas 1 a 6 (imóveis), apreendidas nos autos, através de propostas em carta fechada, o Administrador de Insolvência deu, a 14/12/2016, notícia de que tinha promovido a publicação de anúncios de venda daquelas verbas por negociação particular, devendo as propostas ser enviadas até ao dia 09/11/2016 [teve-se em conta o anúncio, já que a informação prestada referia-se também, mal, a venda por proposta em carta fechada] e que nessa data tinha sido apresentada uma proposta no valor global de 602.000€, que não aceitou porque o valor proposto foi considerado baixo.

2. A 13/02/2017, o AI informou os autos, depois de interpelado para o efeito, que o proponente dos 602.000€ tinha aumentado a proposta para o valor global de 710.000€; e depois de referir outras propostas para verbas avulsas, diz que é sua intenção promover a venda da totalidade dos imóveis por 710.000€, encontrando-se a ouvir o credor hipotecário e ainda o detentor do alegado direito de retenção.

3. A 31/03/2017, o AI informou que “o proponente [junta e-mail’s de AD – que não era o proponente dos 602 e dos 710.000€] que apresentou a proposta para aquisição das verbas 1 a 6, melhor[ou] o valor da mesma, propondo agora a aquisição pelo valor de 711.000€ […]” 4. A 05/05/2017, o AI vem informar que o credor hipotecário, que é a D, veio opor-se à aceitação da proposta apresentada para aquisição das verbas 1 a 6 pelo valor de 711.000€ e que neste momento a D está a ponderar a apresentação de proposta aquisitiva tendo mandado efectuar nova avaliação dos imóveis.

5. A 08/05/2017, AD, advogado, I-SL, e J, dando-se como proponentes nestes autos [daqui para a frente: requerentes], vieram expor e requerer ao tribunal o seguinte, em síntese: No âmbito da venda por negociação particular das verbas 1 a 6, e na sequência de vários pedidos de esclarecimentos, prorrogações de prazo e outras propostas apresentadas por terceiros e pelos próprios, os requerentes formularam proposta global de aquisição pelo montante de 711.000€; não tendo sido apresentada melhor proposta, pelo AI foi notificado à D a proposta global, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 164/4 do CIRE; em 19/04/2017, o AI interpelou a D, dando conta de que o prazo em questão se mostrava excedido, para além do “razoável”, e advertindo aquele de que se teria de pronunciar “impreterivelmente” até 21/04/2017, após o que se teria “por assente que o mesmo não pretende exercer a preferência legal, seja ela total ou parcial”. Até à presente data, pela D não foi exercido o direito previsto no art. 164/4 do CIRE. Os requerentes foram informados pelo AI de que a D se encontraria, ainda, a reavaliar os imóveis por forma a ponderar a apresentação de proposta aquisitiva. Ora, mais ou menos formal, o processo de insolvência não deixa de estar vinculado ao princípio da legalidade, e às inerentes exigências de certeza e segurança jurídicas, em face dos quais se terá de concluir estar precludido o direito do credor hipotecário de propor a aquisição dos bens. Entendimento diverso, para além de contrário à lei, caucionaria manifesto abuso de direito, premiando a inércia processual daquele credor: a presente venda dura já há mais de meio ano, sem que a D, apesar dos seus numerosos meios, tenha feito o esforço que lhe cabia de assegurar a obtenção de informação necessária à sua tomada de posição em tempo. Isto não esquecendo que a D foi notificada do valor base a anunciar quer na venda por propostas em carta fechada quer na venda por negociação particular, sem se ter oposto. Ao invés, os ora requerentes despenderam dezenas de horas de trabalho em visitas aos imóveis, reuniões com instituições bancárias, com a Câmara Municipal, consultas dos processos de licenciamento, análise de mercado e estudo das reclamações de créditos, certidões de registo predial e contratos de arrendamento, por forma a poderem satisfazer as suas obrigações processuais nos prazos que lhes foram concedidos pelo AI. Em face do que antecede, tendo a proposta apresentada preenchido os requisitos legais, inexistindo outras propostas de valor superior e não tendo o credor exercido, em tempo, o direito de propor a aquisição do imóvel, mostra-se consolidada a expectativa jurídica dos requerentes de ver celebrado o negócio nos termos propostos, requerendo-se, em conformidade, a notificação do AI para diligenciar, sem mais demoras, no sentido da marcação da correspondente escritura, precedida da desocupação dos imóveis e notificação de eventuais preferentes.

6. A 11/05/2017, os requerentes vieram apresentar novo requerimento ao tribunal em que dizem: Na sequência do requerimento anterior, de 08/05/2017, passaram a poder aceder ao CITIUS, tendo constatado a existência de requerimento do AI datado de 05/05/2017. Ora, o art. 164, ns. 3 e 4 do CIRE, não confere ao credor um prazo ad eternum para ponderações, mas sim um prazo de uma semana (!) para depositar 20% do preço, caso pretenda adquirir. É esta a interpretação literal da lei e que, aliás, está de acordo com a natureza urgente do processo de insolvência: neste sentido, o ac. do TRE de 04/02/2016, proc. 3889/14.2TBSTB-C.E1, no qual se considerou precludido o direito do credor hipotecário a apresentar proposta aquisitiva – ainda que superior à do terceiro interessado – findo tal prazo. Por outro lado, nos termos do art. 17 do CIRE, aplicam-se subsidiariamente ao processo de insolvência as regras do CPC, cujo art. 141 determina que apenas são admitidas as prorrogações de prazo previstas na lei, sem prejuízo de, por acordo entre as partes, ser o prazo prorrogado uma vez, por igual período. Pelo que também por aqui resulta manifestamente excedido o prazo para cumprimento do disposto no art. 164/4 do CIRE, direito que, aliás, ainda nem foi exercido. Pelo que se insiste na notificação do AI para diligenciar, sem mais demoras, no sentido da concretização da venda, nos termos propostos pelos ora requerentes.

7.

Este requerimento foi objecto do seguinte despacho com data da conclusão de 22/05/2017: As diligências relativas à concretização da venda são da competência do AI não cabendo a este tribunal determinar em que termos. Ainda assim dê conhecimento ao AI do requerimento que antecede.

8. A 25/05/2017, os requerentes vieram fazer novo requerimento, com o seguinte teor: 1. Nos seus requerimentos de 08/05/2017 e 11/05/2017, os requerentes, deram conta da preclusão do direito do credor hipotecário, previsto no art. 164/4 do CIRE, direito esse que, de resto, ainda nem foi exercido, três meses volvidos sobre o término do prazo legal para o efeito.

2. Em tais requerimentos foi suscitada a intervenção do Juiz, ao abrigo do disposto no art. 58 do CIRE (admite-se, contudo, que não foi feita alusão expressa a tal normativo por se ter entendido desnecessária), com vista a ser determinada a venda nos termos da proposta apresentada pelos requerentes, por sinal a mais alta das propostas apresentadas acima do valor mínimo legal, sem mais demoras injustificadas e evitando-se a eventual prática de acto ilícito, por violação do disposto no art. 164/4 do CIRE lesivo das expectativas jurídicas legítimas dos requerentes.

3. Com o despacho de 22/05/2017, o tribunal parece sufragar o entendimento segundo o qual, com a desjudicialização do processo de insolvência, o legislador pretendeu conferir plenos poderes ao AI remetendo o juiz para uma posição de mero observador passivo.

4. Tal entendimento, porém, contraria, desde logo, a letra da lei, na medida em que a função de fiscalizar, prevista no art. 58 do CIRE, não se reconduz à mera leitura passiva de relatórios elaborados pelo AI, mas antes, pela própria noção do verbo “fiscalizar” (vigiar, sindicar, censurar), ao controlo da actuação deste último, evitando, por este, a prática de actos ilícitos.

5. Aquele entendimento preconiza, no fundo, uma demissão da função jurisdicional (art. 202 da CRP), que, como sabemos, é o garante do direito constitucional de acesso aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20 da CRP).

6. Chama-se a atenção do Tribunal para a circunstância de que sobre a matéria ora em análise foi proferido, em 04/04/2017, o seguinte acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no proc. 1182/14.0T2AVR-H.P1, da 6ª secção: “A interpretação que o acórdão recorrido acolhe, no que respeita ao art. 163 do CIRE, sentenciando que um credor hipotecário, alegadamente prejudicado pela actuação do administrador da insolvência, no contexto de venda por negociação particular de dois imóveis, não pode suscitar tal questão perante o juiz do processo, e que a decisão judicial proferida na 1.ª instância, que decretou a pedida nulidade daquela venda, é ilegal por o acto ser eficaz, restando ao lesado intentar acção de responsabilidade civil contra o administrador da insolvência, e/ou pedir a sua destituição com justa causa, como únicas sanções para os actos ilegais praticados, viola o art. 20, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, por não assegurar, imediatamente no processo, tutela efectiva para o direito infringido, desconsiderando a possibilidade de pronta intervenção do julgador.” 7. Tal acórdão foi proferido, diga-se, na sequência do ac. do Tribunal Constitucional, de 12/05/2015, processo n.º 110/2015, Iª série do Diário da República de 08/06/2015, que se pronunciou no sentido de que as exigências de celeridade, simplificação e desjudicialização (no processo de execução) não podem implicar a impossibilidade de sindicância, pelo juiz, dos actos violadores da lei, à luz do principio da tutela jurisdicional efectiva.

8. Feito este esclarecimento e à luz de tal jurisprudência, insiste-se, nos termos do disposto no art. 58 do CIRE, pela prolação de despacho no sentido de que se mostra excedido o prazo...

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