Acórdão nº 1182/14.0T2AVR-H.P1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.1182/14.0T2AVR-H.P1 R-584[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No processo de insolvência da sociedade comercial “AA, Lda.”, o Administrador da Insolvência nomeado, BB, procedeu, no dia em 13.11.2014, na Conservatória do Registo Predial de ...-..., à outorga de título de compra e venda no qual declarou vender à sociedade comercial “CC, Lda.”, a qual declarou comprar, as fracções B e C do prédio integrante da massa insolvente descrito na Conservatória dos Registos de ... sob o n.º 0174, pelo preço de € 141.000,00 por cada fracção, do qual a compradora pagou 10% para pagamento das custas judiciais, despesas de liquidação e/ou créditos que possam ser graduados antes do crédito da compradora, tendo sido dispensada pelo Administrador da Insolvência de depositar o preço remanescente.

O credor reclamante BANCO DD, S.A., tendo tido conhecimento, em 23.10.2015, através da consulta das respectivas certidões prediais, da venda das referidas fracções sobre as quais tem garantia real, veio requerer ao tribunal que declarasse a nulidade dessa venda por violação do disposto nos artigos 164.º, nºs 2 e 3, e 165.º do CIRE e 815.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil.

Para o efeito, alegou que não foi ouvido sobre a modalidade da alienação nem informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada, conforme resulta do artigo 164.º do CIRE; que o crédito da adquirente foi impugnado e no momento da venda não havia ainda sentença de graduação de créditos pelo que a adquirente devia depositar o excedente do montante reclamado ou, ao menos, devia incidir sobre os bens adquiridos hipoteca para garantia da parte do preço não depositada, o que não sucedeu; que existe uma expressiva discrepância entre o valor fiscal e o valor de mercado atribuído às fracções e ainda o valor pelos quais os mesmos foram imprudentemente vendidos, sendo o valor da venda irrisório face ao valor patrimonial das fracções.

O Administrador de Insolvência foi ouvido e pronunciou-se no sentido da inexistência de nulidades na venda.

*** Por despacho, inserido no sistema em 20.03.2016, a M.ma Juíza a quo declarou “nula a venda realizada por escritura celebrada em 13.11.2014 tendo como objecto as fracções B e C (…) da massa insolvente, (…) com fundamento nos arts. 195º, nº1 e 839º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil”.

*** A credora adquirente “CC, Lda.” recorreu para o Tribunal da Relação do …, que, por Acórdão de 15.9.2016 – fls. 383 a 393 –, julgou o recurso procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida que declarou nula a venda realizada pelo Administrador da Insolvência.

*** Inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o BANCO DD, SA. -Sociedade Aberta, que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O que se pretende fazer valer com o presente recurso, além da defesa do credor hipotecário e demais credores, é também uma questão de fundo, de valores, bom senso e de justiça e que se prende com a ideia de que o Credor hipotecário não pode estar mais protegido em sede de acção executiva, cível ou fiscal, do que em processo de insolvência, que é no fundo, um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor, e também que a desjudicialização do processo de insolvência, não é e não pode ser, o esvaziamento da função jurisdicional.

  1. É certo que a lei determina que o administrador de insolvência proceda com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, porém esta determinação não pode concretizar-se em sucessivos atropelos às disposições legais que determinam a venda daqueles mesmos bens.

  2. Como veremos, na venda das fracções B e C o Senhor Administrador de Insolvência incumpriu o disposto no nº2 do art. l64º, igualmente não ouviu a comissão de credores, por se tratar de um acto de especial relevo nos termos do art. 161º., e sem que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 815º., n.º1 do Código de Processo Civil ex vi do art. 165º do C.I.R.E. e 801º do Código de Processo Civil.

  3. O Banco reclamante e ora Recorrente é credor hipotecário e tal facto não podia ser desconhecido do Sr. Administrador de Insolvência até porque o mesmo o reconheceu e consta das certidões prediais os registos das hipotecas.

  4. Tendo a venda sido feita em incumprimento do disposto no n.º2 do art. l64.º do CIRE e cuja observação é imposta por lei, tal configura a omissão da prática de acto legalmente prescrito e por ser susceptível de influir no exame e na decisão da causa – no caso, influenciou o resultado da venda, o que constitui nulidade processual, nos termos do art. 195.º n.º1 do Código de Processo Civil, que importa não só a nulidade do acto da venda, como dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente.

  5. Por outro lado, é dever do Administrador de insolvência informar sobre o valor base fixado ou do preço da venda projectada por entidade determinada, procedimento que, verdadeiramente, tutela o credor que goza de garantia real já que tal notificação lhe permite usar a faculdade que lhe é conferida nos termos do nº3 do art. 164.º do CIRE, ou seja, apresentar proposta de aquisição, se assim o entendesse.

  6. A intervenção do credor hipotecário no processo de insolvência destina-se a permitir que aquele possa valer aquela causa de preferência, sendo que a justificação última da intervenção em execução pendente, seja ela singular ou colectiva, dos credores que são titulares de garantias reais sobre os bens apreendidos encontra-se na extinção destas garantias através da venda.

  7. A notificação ao credor hipotecário, nos termos do n.º2 do art. 164.º do CIRE, mesmo que se entenda não ser vinculativa, é fundamental para o exercício do seu direito de apresentar proposta nos termos do n.º3 do mesmo preceito.

  8. Assim falta dessa notificação, como bem defende o Tribunal da 1ª Instância determina a preterição de formalidades essenciais susceptíveis de influir no resultado da liquidação e importará por isso a nulidade da venda.

  9. É esta a interpretação que mais se coaduna com o pensamento legislativo e que aliás foi acolhida pelo Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 18-02-2010, proferido no processo 632106.3TJVNF-L.P1 e disponível em www.dgsi.pt.

  10. Esta é também a orientação seguida pacificamente no âmbito dos Tribunais Administrativos que além do mais, entendem e reputam essencial o conhecimento do credor com garantia real da data da venda, de forma a proteger os seus interesses.

  11. Em rigor, aceitar o contrário levará a que o credor hipotecário seja mais protegido em sede de execução fiscal ou cível do que no âmbito da Insolvência, o que não faz qualquer sentido, tendo em conta o seu carácter de execução universal do património do insolvente.

  12. A desjudicialização do processo pretendida pelo legislador, no âmbito do CIRE, que determinou a redução da intervenção do Juiz não pode chegar tão longe, que permita uma actuação do Administrador de insolvência sem qualquer controlo, impossibilitando-se de todas as formas a intervenção do juiz no controlo desse actos, que implica, no fundo, esvaziar por completo a função jurisdicional.

  13. Não cremos, e não aceitamos que pelo facto de um credor, no caso em apreço, hipotecário, ter outras formas de reagir contra os actos do administrador, o juiz não possa controlar esses mesmos actos, negligentes ou dolosos, que põe em causa o interesse de todos os credores, desbaratam a massa insolvente e, consequentemente, aniquilam o fim do processo em si mesmo.

  14. Ao contrário do que defende o Tribunal a quo, a decisão da M.ma Juiz da 1ª Instância não se baseou apenas na tentativa de conciliação levada a cabo mas em todos os elementos constantes do processo e também aqueles que devendo constar dos Autos, foram omitidos ou mesmo mascarados pelo Sr. Administrador de Insolvência.

  15. Como bem refere a M.ma Juiz do Tribunal da 1.ª Instância, como interpretar a coincidência dos valores de venda fossem aqueles que decorrem da avaliação dos imóveis que, por acaso, o Sr. Administrador apenas juntou aos Autos quase um ano depois da realização da venda e o valor dos créditos que foram reconhecidos com direito de retenção sobre as mesmas.

  16. Por outro lado, o valor atribuído aos imóveis é muito inferior ao valor patrimonial dos mesmos, o que contraria frontalmente os termos do n.º3 do art. 812.º do Código de Processo Civil, norma que é aplicável, também, ao processo de insolvência, tanto mais que este é um processo de execução universal – art. 1.º do CIRE, também por aqui a venda não deixaria de ser nula.

  17. Embora tenha sido reconhecido o direito de retenção à credora CC o facto de não ter sido impugnado pelo Banco reclamante o crédito em sede do PER não implica que não venham e possam ser impugnados em sede de processo de insolvência, aliás, a lista definitiva de créditos no PER não tem força de caso julgado, – vide o Ac. do TR Coimbra, de 24-06-2014.

  18. Certo é que o Banco reclamante foi alheado de todo o processo de venda das referidas fracções, sendo que o primeiro contacto que o Banco reclamante teve com a liquidação foi quase um ano depois, a 07-10-2015, com o projecto de venda da Fracção E.

  19. A única justificação para o silêncio do AI é a tentativa de esconder a venda das fracções “B” e “C” efectuada sem que fossem cumpridas as exigências legais.

  20. Não esquecendo que o mesmo, tendo sido chamado a informar sobre o estado da liquidação veio o Administrador de Insolvência em Setembro de 2015 informar que aguardava decisão sobre os bens sujeitos a impugnação pelas partes, o que bem sabia não ser verdade.

  21. Não haverá qualquer fundamento sério que possa ser apresentado para esta omissão...

  22. Incumpriu-se assim o disposto no art. 165.º do CIRE e 815.º do Código de Processo Civil, violando flagrante e gravemente a lei a que deve ao transferir duas das fracções da insolvente para a titularidade de credor que reconheceu como credor garantido, dispensando-o do depósito de 90% do preço! XXIV. Conforme...

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