Acórdão nº 417/17.1YRLSB-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA PRAZERES PAIS
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: D…., com sede na Rua, com o capital social de € 30.000.000,00 e T.., NIPC , com sede em Lisboa, com o capital social de € (doravante, “T..),vêm intentar contra B…, S.A., com sede Lisboa, a presente acção de anulação parcial de sentença arbitral proferida em 15 de Dezembro de 2016 sob a égide do Centro de Arbitragem da Universidade Católica de Lisboa (CAUCP) em Lisboa.

O que fazem – nos termos e para os efeitos dos artigos 46.º, n.º 3, alínea a), ii) e do artigo 59.º, n.º 1 da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro) – peticionando o seguinte: --deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência anular-se parcialmente a sentença arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27.03.2014, na parte em que o R. foi absolvido do pedido de declaração de nulidade dos contratos de opção por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes, com fundamento em: a)-Falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos (direito à prova) nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 46.º e a alínea b) do n.º 1 do artigo 30.º da LAV e, ou; b)-Falta de fundamentação da sentença arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 205.º da Constituição, 154.º e 607.º, n.º 2 e 3 do CPC e n.º 2 do artigo 42.º da LAV.

Para tanto, alegam, em resumo: No que respeita à violação de um princípio fundamental do processo arbitral: a falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos No dia 19 de Março de 2014, o Sr. A… – à data administrador das Demandantes – solicitou ao R., ao abrigo do artigo 11.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (doravante, “LPD”)., cópia das gravações das comunicações telefónicas estabelecidas entre este e os trabalhadores do R. no âmbito de várias transações celebradas com o R. (cfr. doc. 5).Em resposta ao solicitado, o R. enviou ao Sr. A.., por via postal, vários CDs com vários ficheiros áudio (cfr. doc. 5).

Uma vez recebidos, o Sr. A…remeteu os vários CDs recebidos para os seus mandatários, os quais posteriormente procederam à respectiva junção ao processo arbitral, como meio de prova documental – cf. gravações de conversas disponibilizadas pelo Demandado juntas como doc. n.º 21 em anexo ao doc. 2 (cfr. doc. 5), Gravações essas que foram juntas aos autos arbitrais tal como foram recebidas do Demandado e que se juntam agora, em versão anonimizada, como doc. 6 – sem que tal signifique que as AA. concedam sobre a admissibilidade de junção das gravações em versão original não anonimizada, como se verá infra.

Ora, da análise dos CDs enviados pelo R. resulta claro que o R. enviou ao Sr. A… gravações de conversas telefónicas relativas às transacções objecto do litígio arbitral, as quais incluem algumas chamadas internas, i.e. gravações de chamadas telefónicas realizadas entre os trabalhadores do R. (cfr. doc. 5).

Note-se que todas as comunicações telefónicas em causa são absolutamente cristalinas quanto às metodologias de trabalho, incentivos e modo de condução de práticas comerciais utilizadas pelo R. no âmbito das relações contratuais estabelecidas entre este e as AA..

Em especial, as gravações internas comprovam de forma evidente o que se intui pela análise da economia das transacções em crise: só por motivos censuráveis, antitéticos daqueles que deveriam nortear a prossecução da actividade económica do R., poderia o R. ter proposto comprar opções de venda às AA. nos termos em que o fez.

As conversas internas dos trabalhadores do R. são, pois, essenciais para que se compreenda os contratos em análise e afira da sua contrariedade à ordem pública e aos bons costumes.

O R. opôs-se à junção do doc. n.º 21 com o requerimento arbitral (doc. 2), tendo requerido o respectivo desentranhamento.

O Tribunal Arbitral proferiu um despacho preliminar acerca desta questão a 9 de Março de 2015, que ora se junta como doc. 8, determinando: “1. –Que o Demandado seja notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer o Tribunal sobre as circunstâncias em que foram gravadas as conversas entre os seus funcionários juntas ao processo e cuja admissibilidade contesta, mormente se esses funcionários deram o seu consentimento à realização dessas gravações e, em caso afirmativo, em que termos o fizeram, bem como se as conversas foram realizadas através de rede telefónica pública ou de linhas telefónicas internas.

  1. –Que o Demandado esclareça também, no mesmo prazo, se a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) autorizou essa gravação e, sendo este o caso, faça prova da autorização.

  2. –Que, na falta da autorização referida na alínea anterior, informe se a CNPD foi notificada de que as gravações iriam ser realizadas e para que finalidade”.

    Posteriormente, AA. e R. juntaram ao processo pareceres jurídicos acerca da admissibilidade – ou falta dela – da junção das gravações internas aos autos.

    Após recepção dos esclarecimentos solicitados, o Tribunal Arbitral proferiu despacho complementar a 28 de Abril de 2015.

    Quanto à admissibilidade das gravações internas como meio de prova, o Tribunal Arbitral concluiu que “dado que tais gravações foram, de facto, realizadas e comunicadas pelo Demandado, ainda que por erro, às Demandantes e uma vez que desse modo se elimina o problema central assinalado, consistente na utilização no processo de dados pessoais sensíveis de terceiros que não deram o seu consentimento para tal, (…) aceita-se que as Demandantes procedam à selecção e transcrição dessa parte sem os nomes dos intervenientes e sem outros elementos que tornem possível a sua identificação.

    Por conseguinte, o Tribunal Arbitral, no que interessa à questão em análise, decidiu do seguinte modo (cf. decisão do despacho, doc. 5): “1. –Ordena-se o desentranhamento do processo das gravações relativas às conversas internas dos trabalhadores do Demandado.

  3. –Admite-se que as Demandantes procedam à transcrição da parte dessas conversas relativa às transacções em apreciação no processo, com eliminação dos nomes dos intervenientes e de qualquer outro elemento que permita a sua identificação, dispondo de 10 dias para, querendo, procederem à sua junção aos autos; 3. –Fixa-se igual prazo para o Demandado exercer o eventual contraditório.” Em cumprimento do despacho complementar de 28 de Abril de 2015 (doc. 5), as Demandantes juntaram aos autos a transcrição das gravações internas em apreço, relativas às transacções em causa, eliminando os nomes dos intervenientes e qualquer outro elemento que permitisse a identificação dos intervenientes.

    O R., por sua vez, requereu o desentranhamento de tais transcrições.

    Não obstante ter procedido em conformidade, tendo junto aos autos as transcrições relativas às transacções incluídas no perímetro do litígio arbitral, devidamente anonimizadas, o Tribunal Arbitral decidiu, por despacho datado de 19 de Maio de 2015, indeferir “o requerimento apresentado pelas Demandantes no passado dia 6, no sentido da junção aos autos da transcrição das gravações das conversas internas com o Demandado. O que significa a impossibilidade da sua utilização no presente processo” Em suma, as Demandadas não puderam utilizar como meio de prova as gravações internas que, conforme referido supra, continham elementos determinantes para consubstanciar e demonstrar a veracidade dos argumentos por elas invocados.

    A subalínea ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV prescreve que o Tribunal Estadual pode, a pedido das partes, anular a sentença arbitral caso se demonstre que, no processo, houve violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º, exigindo-se, no entanto, que tal “violação tenha tido influência decisiva na resolução do litígio” .

    Conforme se demonstrará, ao não admitir a junção das transcrições das gravações internas, o Tribunal Arbitral violou o princípio da igualdade de tratamento das partes ou igualdade de armas, o que, por sua vez, conduziu em linha recta à prolação de uma sentença desfavorável às Demandantes, ora AA., na parte que ora se impugna.

    O Tribunal Arbitral impediu que as partes no processo arbitral, ora AA. e R., dispusessem de idênticas possibilidades de fazer valer judicialmente os seus direitos.

    Entendimento esse, como já referido, sustentado por um dos árbitros – cfr. voto de vencido do árbitro Professor Doutor Pedro Pais de Vasconcelos, onde este refere que tal decisão do tribunal “põe em causa o direito à prova de uma das partes” (sublinhado e negrito nossos, cf. pág. 3 do doc. 11).~ Ao decidir pela não aceitação da junção das transcrições das gravações internas, o Tribunal Arbitral criou uma evidente e clara situação de desvantagem das AA. em relação ao R.

    A demonstração da contrariedade do fim dos contratos de opção à ordem pública e aos bons costumes pelo R. pressupõe – nos termos expressos pelo próprio Tribunal Arbitral (cfr. pontos 324 a 335 do doc. 1) que as Demandantes consigam ter acesso – como tiveram – a informações internas relativas a: i) –metodologias de trabalho e práticas comerciais do R.; ii) –(in)cumprimento da ética empresarial e financeira dominante; iii) –aplicação efectiva do código de conduta do R., ao qual este se auto-vinculou (e que exprime regras éticas e deontológicas vinculantes para a relação jurídica bancária).

    Informações essas inacessíveis em abstracto às AA. e que – como se compreende – nem em sede de inquirição de testemunhas (v.g. funcionários do R.) se tornariam acessíveis.

    Torna-se, nessa medida, claro que a decisão sobre o pedido de declaração de nulidade dos contratos de opção por violação da ordem pública e dos bons costumes (art. 280/2 do CC) apenas foi de não provimento em razão de as Demandantes, ora AA., terem sido ilegal e injustamente vedadas de utilizar as gravações enquanto meios de prova.

    Tanto basta para demonstrar o requisito do ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV: “(…) com influência decisiva na resolução do litígio”.

    ********** No que...

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