Acórdão nº 99/16.8PBVLS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução23 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

–Nos presentes autos com o NUIPC 99/16.8PBVLS, da Comarca dos Açores – Juízo de Competência Genérica de Velas, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido J.

condenado, por sentença de 11/07/2017, nos seguintes termos: Pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros, por cada um deles; Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros; Após cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 120 dias de multa, à razão diária de 8,00 euros, no montante global de 960,00 euros.

Foi o arguido absolvido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), do Código Penal, por que vinha acusado.

  1. –O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): A)–O arguido não aceita o juízo que levou a que os factos indicados nos pontos 7, 8 e 9 dos factos julgados provados da sentença ora recorrida tivessem sido considerados como tal, levando à sua condenação, concretamente: B)–7.- Chegou a acontecer que o arguido, numa dessas desavenças, no interior da residência de ambos, empurrou a ofendida, agarrando-a pelos braços e projectando a mesma, tendo a ofendida perdido o equilíbrio e caído.

    1. –8.- Tal agressão no interior da residência de ambos ocorreu em, pelo menos, mais uma ocasião, tendo M.A. ficado com marcas nos braços.

    D)–9.- Em data não concretamente apurada do ano de 2015, o arguido empurrou M.A. uma vez mais, junto da actual residência desta sita na Rua PAT, Carregadouro, Santo Amaro, aquando da entrega do filho de ambos.

    E)–O juízo de prova feito quanto a tais factos estribou-se no depoimento da ofendida, da tia desta, M.F., e de uma amiga de nome C.F., depoimentos, estes, que não deveriam ter merecido credibilidade por parte do Tribunal a quo.

    F)–Começando pela ofendida cujo depoimento deveria ter merecido as maiores reservas ao Tribunal, pois a ofendida prestou o seu depoimento "evitando sequer olhar o Tribunal diretamente" e que "só quando questionada diretamente sobre os factos imputados na acusação pública é que a ofendida se pronunciou quanto aos mesmos".

    G)–Como resulta da sentença, o grande diferendo entre a ofendida e o arguido é o regime de exercício das responsabilidades parentais do filho de ambos e a partilha dos bens do casal pois aquela fez notar, sobejas vezes, que se casou sob o regime da comunhão geral de bens, só a latere é que, de uma forma assaz vaga e descrevendo factos insuscetíveis de comprovação exterior acusou o arguido de a ter empurrado por três vezes, isto apesar de na acusação dizer que ela era agredida todas as semanas, pelo menos uma vez...; H)–Em relação à primeira situação - Ponto 7 dos factos julgados provados - cumpre, desde logo, chamar a atenção para o seguinte: o arguido negou ter agredido a ofendida em qualquer dos casos discutidos em juízo, pelo que a situação em questão apresenta-se no quadro clássico de duas versões antagónicas não havendo corroboração externa para nenhuma das duas; I)–O facto de o arguido recorrer, como os documentos o atestam, amiúde, às autoridades públicas para resolve os seus diferendos é um elemento interpretativo que afasta a conclusão de que seja pessoa de fazer justiça pelas suas próprias mãos, para além de que a ofendida, como resulta da acusação pública, queixava-se, precisamente, de o arguido recorrer à P.S.P. para estar com o filho, sendo que considerava essa situação como uma agressão contra si.

    J)–Muito depois de estar divorciada, divórcio instaurado pela mesma com base na separação de facto e não em agressões daquele contra esta, após diversas participações do arguido à P.S.P. do incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais da ofendida, a ofendida lembra-se de agressões que afinal tinha sofrido.

    K)–Quanto à segunda agressão, não descrita na douta sentença mas, ainda assim dada como assente (!) que, das declarações da ofendida só pode ter sido a relativa à situação da casa-de-banho, temos que essa situação não tem, à semelhança da anterior, qualquer outra comprovação externa, sendo a palavra desta contra a do arguido.

    L)–Ora, da descrição dos factos feita pela ofendida - e não pelo Tribunal na sua sentença - não resulta o elemento subjetivo do crime, vulgo o dolo de agredir a ofendida mas sim a intenção de abrir a porta. A ofendida estava dentro da casa-de-banho, sem que o arguido a pudesse ver, pelo que não se compreende como se pode entender que aquele teve dolo de a agredir ao abrir a porta.

    M)–Pelo, neste caso, para além da falta de prova quanto à verificação da agressão, estamos, também perante uma situação em que os elementos subjetivos do tipo de crime não foram sequer descritos - desde logo porque inexistem - pelo que não faz sentido algum condenar-se o arguido pela prática do mesmo.

    N)–Assim não se entendendo, dever-se-ia absolver o arguido da prática desse crime visto que o mesmo nem descrito se encontra na sentença, sendo referido vagamente (ponto 8).

    O)–Ainda em seguimento dessa situação, o Tribunal condena o arguido, note-se, nos seguintes moldes: "8. Tal agressão no interior da residência de ambos ocorreu em, pelo menos, mais uma ocasião, tendo M.A. ficado com marcas nos braços." P)–Em momento algum do depoimento da ofendida esta descreve outra situação em que o arguido a tenha agarrado, sendo a acusação totalmente falha quanto a datas, locais, circunstâncias ou quaisquer outros elementos que permitam ao arguido exercer o seu direito de defesa.

    Q)–"Tal agressão", reportando-se ao que a ofendida disse que o arguido a teria empurrado para cima da cama não vem descrita, nem na acusação, nem no depoimento da ofendida, o que, em todo o caso, consubstancia uma alteração substancial dos factos impedindo o Tribunal de a apreciar.

    R)–O que consta da acusação - manifestamente por cautela do M.P. e clara deficiência acusatória que deveria ter merecido reparo do Tribunal a quando do despacho de aceitação da acusação - é que a arguida seria agredida, todas as semanas, pelo menos uma vez por semana.

    S)–Coisa que foi prontamente desmentida pelo arguido, pela ofendida e pelas testemunhas desta e daquele. Esta efabulação do M.P. não deveria ter sido permitida pelo Tribunal e muito menos utilizada por este para "encaixar" quaisquer factos novos, não descritos na acusação, como veio a suceder.

    T)–A "nova agressão" deveria ter sido descrita na acusação, tal como a primeira que, perscrutando-se esta, não se encontra relatada em parte alguma, nem houve, como se pode ler na ata da audiência de julgamento e de leitura da sentença, qualquer alteração substancial dos factos ou não substancial quanto a esta matéria.

    U)–Ora, tanto num caso como no outro, estamos perante duas situações geradoras de nulidade da sentença nos termos do disposto nos art.ºs 359º nº 1 e 379º n.º 1 b) do C.P.P., nulidade, essa, que, desde já, se invoca.

    V)–Foi indicado, como meio de prova para julgar tais factos como assentes, o depoimento da testemunha CMF que nada viu, tendo sido valorado o seu depoimento nos termos do disposto no art.º 129º n.º 1 do C.P.P., tal como resulta do texto da sentença ora recorrida.

    W)–Perguntada sobre o teor das conversas da ofendida sobre o ex-marido, ora arguido, a testemunha respondeu que: "Desabafa essas coisas mas nunca me disse que ele lhe bateu." Acrescentou ainda que: "Bater, ela nunca me disse nada." (12m12segs).

    X)–Por último, quando perguntada sobre os motivos das discussões, a testemunha respondeu que "Os que conheço são tudo por causa do filho" (12m45segs.).

    Y)–Não se alcança, pois, que corroboração trouxe esta testemunha à versão da ofendida ao ponto de lograr os efeitos pretendidos ao abrigo do art.º 129º n.

    º 1 do C.P.P., mormente no que tange à condenação do arguido por factos que, afinal, não foram provados.

    Z)–Quanto ao terceiro crime por que foi o arguido condenado, com base no depoimento da ofendida e da sua tia M.F., cumpre salientar que a ofendida disse que veio ao encontro do arguido, alçou a perna para passar o pequeno muro em frente à porta da sala e estendeu os braços para receber o menino tendo sido afastada pelo arguido que a teria empurrado contra a parede; AA)–Ora a testemunha diz que estava na sala, depois disse que tinha entrado na casa-de-banho e depois disse que nada viu do que se passou em frente à porta mas só o que se teria passado em frente à janela, onde estava o tal carro que a tinha vindo buscar - cujo condutor que teria uma visão desobstruída dos factos não foi indicado pela ofendida como testemunha... - através de uma cortina que só lhe teria permitido ver o gesto... No entanto, diz que, apesar de não poder ver pela porta, viu o arguido a alçar a perna para passar pelo tal murinho, em frente à porta - não visível pela janela como se pode ver pelas fotos juntas aos autos - descrito pela ofendida...

    BB–Considerando o desnível, percetível pelas fotos juntas aos autos em sede de audiência de julgamento, do caminho e o estreito ângulo de visão, de quem está dentro da casa, não é crível que a testemunha pudesse ter visto aquilo que disse; CC)–Considerando que o arguido trazia o filho ao colo não é crível que tivesse empurrado a ofendida mas tão só e por hipótese que tivesse passado junto a esta tendo-se esta desviado à passagem daquele.

    DD)–Acresce que foi apresentado, como elemento interpretativo sobejamente relevante mas desconsiderado pelo Tribunal a quo, a participação criminal - junta aos autos em audiência de julgamento - de 15/07/2014 (22:00h), participação com o NPP: 317285/2014, relativa à intervenção descrita pela ofendida e pela testemunha que deu azo a que fosse...

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