Acórdão nº 357/17.4JELSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

– Nos autos de inquérito com o nº 357/17.4JELSB, a correr termos na 1ª Secção de Lisboa do DIAP, foi proferido despacho pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, aos 21/11/2017, que indeferiu o requerimento do Ministério Público em que impetrava fosse autorizada a recolha de dados de telecomunicações do suspeito J.E., bem como a recolha de som e imagem do mesmo e daqueles que com ele se relacionam no âmbito da actividade delituosa de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, em investigação.

  1. – O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): i.

    –O presente recurso circunscreve-se ao entendimento que dos autos constam elementos que permitem consistentes suspeitas que J.E. - cidadão português, identificado em investigação pelas autoridades policiais norte-americanas (D.E.A.) - terá plano para a introdução de cocaína proveniente da América do Sul na Europa, considerando-se que atenta a natureza de tais factos, dimensão internacional, e estando os suspeitos já alertados por anterior investigação que sobre si recaiu dos métodos de investigação, a captura de dados de telecomunicações e recolha de registos de som e imagem são os únicos meios de recolha de indícios viável, e imprescindível à presente investigação.

    ii.

    –Considera-se que a decisão recorrida, ao indeferir o promovido, violou os arts. 18.º da C.R.P.; 187º e 189º n.º 2 do C.P.P. e 6º da Lei 5/2002, de 11.01.

    iii.

    –Iniciaram os presentes autos com informação policial que dá conta de rede de tráfico internacional de estupefacientes, que tem como interveniente principal em Portugal indivíduo já identificado como J.E..

    iv.

    –Com base em informações veiculadas pela Drug Enforcement Administration, dos E.U.A. (traduzida a fls. 13 a 15), tal indivíduo estará a manter contactos com grupos de tráfico de estupefacientes na Colômbia, para obter fornecimento de centenas de quilogramas de cocaína, que serão transportados por via marítima para a Europa. J.E. manterá contactos para o efeito em Portugal, Espanha, Itália e Reino Unido e em execução desse projecto criminoso, J.E. teria já viajado para contactos com fornecedores de cocaína na Colômbia nos passados meses de Junho e Setembro.

    v.

    –De facto, confirmando a informação da D.E.A., foi possível apurar que em Junho de 2017 J.E. viajou para o Brasil, entre 01.06.2017 e 07.06.2017, suspeitando-se que do Brasil terá viajado para a Colômbia para os referidos contactos, e viajou novamente entre 09.09.2017 e 13.09.2017, para a Colômbia (Bogotá e Cartagena), via Amesterdão (fls. 28).

    vi.

    –Assim, não só a fonte e origem de tais informações é clara -autoridades policiais norte-americanas -- como a mesma se confirmou e mostrou fidedigna pelas movimentações do suspeito, documentadas nos registos de viagem apurados pela Polícia Judiciária (fls. 28).

    vii.

    –É investigado acervo fáctico susceptível de conformar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22.01.

    viii.

    –A confirmação da intervenção deste suspeito na actividade delituosa denunciada, a articulação e colaboração com suspeitos ainda não identificados e bem assim, as respectivas movimentações e modus operandi só poderá ser concretizada com recurso ao meio de prova de captura de dados de telecomunicações, para identificação de aparelhos de telemóvel utilizados pelo suspeito J.E. e subsequente intercepção telefónica das comunicações efectuadas e recebidas por estes (bem como obtenção de dados de tráfego e de localização celular), e recolha de registos de som e imagem do suspeito.

    ix.

    –De facto, trata-se de suspeito que estará integrado em rede de tráfico de estupefacientes de dimensão internacional e por isso especialmente alertado para os métodos de investigação desenvolvidos neste tipo de ilícito, e conhecedor dos métodos de recolha de indícios utilizados na investigação deste crime.

    x.

    –Na situação em análise o interesse do Estado na administração da Justiça prevalece sobre o direito protegido pelo sigilo das telecomunicações justificando-se a compressão de direitos fundamentais, nomeadamente o direito à intimidade da vida privada, e o direito constitucional pelo que atento o disposto nos art. , 135º, 182º, 187º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal, atendendo a impossibilidade prática de avançar com outros meios de investigação e porque estamos perante pessoa referida no art. 187º nº 4 do Código de Processo Penal - suspeito - afigura-se ser necessária a captura de dados de telecomunicações (e subsequente intercepção telefónica, recolha de dados de tráfego e localização celular), a par de recolha de registos de som e imagem.

    xi.

    –Sobressai deste modo que o único iter investigatório viável, nesta fase, é a captura de dados de telecomunicações, para identificação dos telemóveis utilizados pelo suspeito J.E. e a recolha de registos de som e imagem.

    xii.

    –É consabido que os indivíduos que se dedicam a esta actividade têm especiais cuidados nos contactos que mantêm, sejam presenciais, sejam mesmo telefónicos, tratando-se de alvos alertados, e de uma actividade com conexão internacional.

    xiii.

    –Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.11.2000, proferido no processo 23105, in www.dgsi.pt, "a intercepção e gravação de escutas telefónicas não devem nem podem ser autorizadas pelo Juiz de Instrução apenas e só quando existirem indícios suficientes da prática do crime, pois nessa situação nem seriam já necessárias atenta a danosidade à vida prática do cidadão A sua utilidade e necessidade visam, precisamente, preencher e reforçar aquele conceito de indícios suficientes, desde que se revelem proporcionais e adequados à natureza e gravidade do crime, como sucede, com frequência, no tráfico de droga onde, sem aquele meio de prova, não é fácil ultrapassar o estádio de forte suspeita dado o "modus operandi" dos traficantes'': xiv.

    –Pelo que apenas se poderá ultrapassar o formulado juízo de suspeita existente nos autos com o recurso às promovidas captura de dados de telecomunicações e recolha de registo de som e imagem, xv.

    –No confronto entre os sacrifícios que o tráfico de estupefacientes traz às vítimas (toxicodependentes e famílias, bem como vítimas de crimes contra o património e contra as pessoas perpetradas por tais indivíduos dependentes) e Estado e a devassa do sigilo das comunicações deve relevar, como valor digno de maior tutela, sem dúvida, os interesses da investigação...

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