Acórdão nº 18965/17.1T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Autor (A.) e recorrente: Ministério Publico, sendo interessado e interveniente principal (…).

Ré (R.) e recorrida: RTP – Radiotelevisão Portuguesa, SA.

O MP instaurou a presente ação visando o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o interessado (…) e a R. RTP.

A R. contestou. Esgrimiu a nulidade da ação de reconhecimento por não poder constituir-se uma relação de trabalho subordinado válida, atenta a nulidade da contratação do prestador da atividade, por falta da necessária autoridade governamental, além de haver invalidade e extemporaneidade da participação da ACT, Autoridade para as Condições do Trabalho, litispendência inominada ou atípica e violação do seu direito de defesa.

* O MºP respondeu às exceções.

O interessado (…) requereu a sua intervenção principal nos autos e aderiu à petição inicial do MP.

O Tribunal relegou para final o conhecimento da nulidade, da qual entendeu derivarem as demais exceções invocadas; que o PREVAP não determina a suspensão da instância. E designou dia para julgamento.

Aberta a audiência de julgamento, o interveniente declarou desistir da instância.

A R. não se opôs.

Ouvido, MºPº declarou opor-se.

O Tribunal a quo lavrou então a seguinte sentença: “Não desconhecemos que a presente ação é bem distinta de uma ação comum nos interesses que a regem e não apenas na forma de processo. E desde logo, quem é parte processual nos autos é de facto o Ministério Público e não o trabalhador. No entanto, o digno magistrado não se encontra a agir em nome próprio mas em defesa de um trabalhador e do interesse público de ver reconhecida a situação de direito de um contrato de trabalho alegadamente encoberto por uma prestação de serviços. O interesse em agir, pressuposto processual necessário a qualquer ação judicial existe apenas porque um determinado trabalhador tem uma situação laboral que tem de ser defendida ao abrigo da lei. Ora, a lei vigente, nomeadamente as imposições dos vários orçamentos de estado, é a própria a impedir que a ação possa lograr vencimento, pois a existir uma realidade de contrato de trabalho é a própria lei de orçamento de estado que comina a sanção com a sua nulidade.

Temos pois neste tipo de ação uma situação criada pelo Estado (leia-se ACT representada pelo MP), contra o próprio Estado (sector empresarial do estado), para que reconheça uma situação – contrato de trabalho – que o próprio Estado (na suas leis de orçamento de estado) não permite reconhecer. E no meio da situação jurídica trabalhadores que pretendem continuar a trabalhar e temem pelas consequências de uma eventual declaração de nulidade de um contrato de trabalho.

Cremos que neste tipo de acções o trabalhador não poderá desistir do pedido, por o seu direito ser indisponível (na medida em que valores de alegado interesse público se sobrepõem), mas não lhe pode estar vedado desistir da instância, pois o interesse público e do trabalhador não é posto em causa, não se estará a dispor sem retrocesso de um direito indisponível mas sim apenas a “suspendê-lo”, na medida em que qualquer uma das partes pode mais tarde intentar nova ação exatamente idêntica.

E o porquê de o trabalhador precisar de uma desistência da instância salta a olhos vistos.

Foi noticiado na comunicação social que existe uma negociação no âmbito do PREVPAP com vista a integrar todos os trabalhadores nestas situações na RTP e não será o reconhecimento de um contrato de trabalho ferido de nulidade (nulo por força da lei de orçamento de estado) que pode facilitar a posição do trabalhador nessa negociação.

Compreende-se assim que o trabalhador queira relegar o conhecimento da sua relação contratual com a R. para momento ulterior, e a desistência da instância permite fazê-lo sem o prejudicar.

Por fim, importa ter presente que o que se pretende com a presente ação é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços nas situações em que existe uma verdadeira relação laboral. E o próprio trabalhador tem de poder ter uma palavra sobre o assunto.

A este propósito veja-se o acórdão do Tribunal constitucional nº 94/2015, relator Cura Mariano, proc. 822/14, in www.tribunalconstitucional.pt, onde se pode ler o seguinte: “Nas situações problematizadas na decisão recorrida (os casos em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um especifico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral), não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que, nenhuma das partes (e concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime laboral.

Nestas situações, o referido regime contém suficientes garantias de essa vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratado como sendo um caso de trabalho subordinado”.

Isto significa, segundo o Tribunal Constitucional que a vontade do trabalhador pode e deve ser atendida. O que ora se faz aceitando a desistência da instância, de uma instância que visa apreciar a sua situação contratual junto da RTP numa altura em que o Estado encontra-se em negociações publicamente noticiadas para resolver a situação jurídica dos mesmos, e numa altura em que vigorou no ano da sua contratação uma lei do orçamento de estado que cominava com nulidade a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a RTP e algum trabalhador, motivos mais do que suficientes para tal desistência da instância ser homologada.

E com tais fundamentos, respeitando esta liberdade do trabalhador e do facto de não se encontrar a dispor de um direito indisponível, nem prejudicar o interesse público subjacente (porque não desiste do pedido) homologo a desistência da instância manifestada por este e, em consequência, declaro extinta a presente instância cessando o processo instaurado (art.ºs 283º, 285º nº 2, 286º nº 1, todos do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 1º nº 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho)”.

* * Não se conformando o MºPº apelou, tendo apresentado motivação e concluído destarte: I– O legislador, através da Lei nº 63/2013, de 27 de agosto, veio instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado.

II– Trata-se de uma ação declarativa com forma de processo especial que tem subjacente interesses de natureza pública - arts. 1,º da Lei nº 63/2013, de 27-8 e 15º.-A, da Lei nº 107/2009, de 14-9.

III– O Ministério Público, no âmbito da Lei nº 63/2013, de 27-8, tem uma exclusividade de ação.

IV– Aliás, foi o Ministério Público que deu origem aos presentes autos na sequência de participação da ACT.

V– O Ministério Público surge nesta ação a agir em nome e representação do Estado-Colectividade, na defesa dos...

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