Acórdão nº 10631/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SILVESTRE
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: RELATÓRIO E…… interpôs recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 3/10/2013, que, no âmbito da acção administrativa especial que instaurou contra a POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ao abrigo do disposto no artigo 48º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11, julgou procedentes as excepções de caducidade do direito de acção e de inimpugnabilidade do acto.

Conclui assim as suas alegações: “I – Da caducidade do direito de acção 1 – O acto que se impugna, quando foi praticado tinha toda a aparência de acto válido, pois revogava um acto que “aparentava” estar ferido de erro nos pressupostos de facto que conduziam à sua invalidade.

2 – Essa “aparência”, quer da validade do acto ora em crise, quer da invalidade do acto revogado, advinha de um parecer médico, técnico, sobre uma matéria dos saberes da ciência médica, que ultrapassam, na totalidade, os conhecimentos da Autora e até do autor dos actos que ora se discutem.

3 – Dito de outro modo: O acto ora em crise que revogou o que classificava o incidente como acidente em serviço, teve por base, por fundamento, um parecer médico, técnico, que classificava as lesões da autora como doença profissional.

4 – A autora, não tendo conhecimentos médicos/técnicos àquela nível, não podia questionar o dito parecer médico, já que a única coisa que sabia e/ou que tinha obrigação de saber, é que nunca antes tinha sentido dores naquele pé, e que, com os factos participados no dia 20.05.2009 – fls. 3 do p.a. – passou a tê-las com intensidade, tendo de tratar-se de acidente em serviço ou de doença profissional.

5 – Por isso, perante todo um contexto de “verdade virtual” conformou-se com o dito acto e defendeu a vertente de doença profissional.

6 – No entanto, quando a entidade que detém competência absoluta e exclusiva para classificação de doenças profissionais – CNPRP – reconhecendo a existência das lesões alegadas pela autora, nega tratar-se de uma doença profissional, o suporte para a revogação do acto praticado 09.09.2009, deixou de existir, o erro nos pressupostos deixou de existir, já que tal erro se baseava no enquadramento das lesões da A. em doença profissional, afastando, assim, a possibilidade de acidente em serviço.

7 – Em consequência, o acto revogatório tornou-se inválido, pois revogou um acto que retirou à A. um direito fundamental dos trabalhadores, nos termos do disposto nos arts. 59º, n.º 1, alínea f) e 63º da CRP, com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias – Ac. TCAN de 31-08-2009, proc. 2219/07.4BEPRT (não publicado); Ac. STA de 27-01-2010, proc. 01061/09, in www.dgsi.pt; 8 – Ao assim não considerar, a decisão de que se recorre violou o disposto naqueles artigos 59º e 63º da CRP e n.º 2, alínea d) do art. 133º do CPA.

9 – É incontestável que o direito à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59º, n.º 1, alínea f)) e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP, 4ª Ed., Coimbra, p. 770) abrange as vítimas de acidente de trabalho.

10 – Pelo que o prazo da impugnação de acto que retire tal direito não é de um ano, dado ser um acto nulo é impugnável a todo o tempo.

11 – Tal não aconteceria, apenas na situação de não ter ocorrido um acidente em serviço. Mas ocorreu! 12 – O art. 7º, n.º 1 do DL 503/99, de 20 de Novembro, que define o acidente em serviço, remete para o regime geral, que ao tempo do acidente era a Lei 100/97, de 13 de Setembro, dispondo este diploma no seu art. 6º: “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.

13 – O citado preceito legal mantém o núcleo essencial do conceito de acidente de trabalho que constava da Base V, da Lei 2.127, de 3 de Agosto de 1965 tendo sido sempre difícil definir o que se deveria entender por acidente em termos naturalísticos, ou seja, o facto, o evento (externo) causador da lesão.

14 – Como bem se escreveu no Ac. RL de 12-10-2011, proc. 282/09.2TTSNT-L1-4, o conceito de acidente de trabalho encontra-se em permanente actualização, aceitando-se, actualmente, que nem o acontecimento exterior, directo e visível, nem a violência são critérios indispensáveis à caracterização do acidente.

15 – No mesmo sentido: RL de 10-11-2010, Proc. 38.3/04.3TTGMR.L1-4; STJ de 30.05.2012, proc. 159/05.0TTPRT.P1.S1; STJ de 30.06.2011, proc. 383/04.3TTGMR.L1.S1, Ac. RL 19-09-2012, proc. 95/1994.L1-4.

Carlos Alegre, em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, 2ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2000, páginas 37 a 39.

16 – No caso em apreço, o dito acontecimento verificou-se no tempo (a autora estava a praticar actos da sua actividade profissional – salto em extensão) no local de trabalho (na parada interior da EPP) e provocou à dita sinistrada as lesões descritas como faceite plantar, que lhe causaram incapacidade para o trabalho, mostrando-se, assim, preenchidos os requisitos (os sucessivos nexos de causalidade) previstos no art. 6º da LAT.

17 – Não se venha argumentar com o facto de a A. ter o pé cavo, com a predisposição anatómica. De facto, como bem considerou o STJ no já mencionado Ac. de 30.06.2011, proc. 383/04.3TTGMR.L1.S1, é acidente de trabalho quando existe uma relação directa entre a lesão que determinou a incapacidade e o desenvolvimento da actividade do trabalhador, já que foi essa actividade que precipitou tal lesão.

18 – E, ainda, no Ac. RP de 19-04-2010, Proc. 355/07.6TUPRT.P1, a propósito do disposto no art. 9º da LAT (predisposição patológica e incapacidade): “(…) tal como escrevia Veiga Rodrigues [5], parece-nos também que o termo doença não está aqui empregado no sentido restrito de doença profissional; antes significa todo e qualquer estado mórbido de evolução mais ou menos lenta manifestado na pessoa do sinistrado depois e por virtude do acidente e que implique necessidade de tratamento ou incapacidade para o trabalho ou ambas as coisas simultaneamente”.

No mesmo sentido: Ac. RL de 19-09-2012, proc. 95/1994.L1-4; RL de02-05-2007. Proc. 2220/2007-4; RC de 01-06-2006, proc. 478/06; RP de 10-03-2008, proc. 0716615; RP de 22-10-2007, proc. 0712131; STJ de 21-10-2009, proc. 1051/03.9TTSTB.S1, todos em www.dgsi.pt.

19 – Pelo que o tribunal de que se recorre, antes de se pronunciar sobre a caducidade do direito de acção, teria de se pronunciar sobre a existência ou não de um acidente em serviço, pois que a decisão sobre essa questão afectaria todas as demais decisões.

20 – Se o tribunal a quo entendia que a Autora não teve a sabedoria de estruturar a acção e formular os pedidos de forma a que fosse inquestionável que a questão essencial era, precisamente, o reconhecimento da existência do acidente em serviço, o que levaria à nulidade do acto de 28.06.2010 por retirar um direito fundamental, com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, em consequência, à nulidade do acto de 16.04.2013, nulidade essa invocável a todo o tempo, tal falta poderia e deveria ter sido suprida pelo tribunal, convidando a Autora a corrigir a petição inicial.

21 – A decisão de que recorre, ao não apreciar a existência de um acidente em serviço, deixou de pronunciar-se sobre uma questão de que devia conhecer, violando o disposto no n.º 1, alínea d) do art. 615º do CPC actual.

II – Da revogabilidade do acto praticado em 09.09.2009 22 – Ao verificar-se que pressupostos do acto revogatório (de 28.06.2010) estavam errados, o acto revogado (de 09.09.2009) deixou de padecer de erro nos seus pressupostos, tornando-se válido, na medida em que...

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