Acórdão nº 11580/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SILVESTRE
Data da Resolução18 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: RELATÓRIO I….. M…..

interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 14/08/2014, que, no âmbito da providência cautelar que instaurou contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES com vista a obter a intimação da mesma a abster-se de qualquer comportamento que vise aplicar-lhe o disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 do artigo 77º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 e no Decreto-lei n.º 70/2010, de 16/06, julgou procedente a excepção de incompetência material e, consequentemente, absolveu a entidade requerida da instância.

Conclui, assim, as suas alegações: “

  1. Para o Tribunal a quo fixar o valor da acção em dois mil euros, afastando-se, por completo, do valor da acção acordado entre as partes (trinta mil euros e um cêntimo), teria o especial dever de fundamentar – o que não fez, pelo que é nula tal decisão por força do disposto no art. 615º, n.º 1, alínea b) do CPC.

  2. O Tribunal a quo também não teve presente a factualidade alegada pela Recorrente no seu requerimento inicial (mormente dos arts. 10º, 14º, 235º e 236º não impugnados e dos docs. 5 e 6 juntos com o requerimento inicial) ignorando que está em causa a perda de uma prestação mensal no montante de Eur.: 1.913,17 (uma vez que a Recorrida tem vindo, de modo ilegal, a pagar metade do valor legalmente devido, o que já foi reconhecido por sentença no processo n.º 196/12 que correu termos na 3ª Unidade Orgânica do Tribunal de Círculo de Lisboa, embora não tenha ainda transitado em julgado – cfr. doc. 1 que se junta e cuja junção se tornou necessária por força de tal decisão judicial).

  3. Nos termos do n.º 6 do art. 32º do CPTA “O valor dos processos cautelares é determinado pelo valor do prejuízo que se quer evitar”, pelo que o valor da causa é-nos fornecido por elementos que fazem parte da matéria de causa que em si mesmo detém uma importância substantiva e não apenas processual.

  4. Tratando-se de um processo cautelar, que visa evitar os prejuízos da demora da solução definitiva através da acção principal, havendo ainda lugar a recurso de tal decisão, é evidente que, conhecendo-se a pendência dos processos nos Tribunais, uma decisão definitiva, transitada em julgado, poderá razoável e previsivelmente demorar mais de dois anos.

  5. Ora, dois anos e meio sem auferir o valor da subvenção mensal – incorrectamente calculado pela Recorrida – implicam para a Recorrente um prejuízo no montante de Eur.: 32.532,90 (superior ao valor da acção acordado entre as partes) – isto se partirmos do valor ilegalmente pago pela Recorrida.

  6. Porque se tivermos presente a sentença atrás referida e proferida pela 3ª Unidade Orgânica do Tribunal de Círculo de Lisboa, facilmente verificamos que o valor da prestação mensal é o dobro daquele que se encontra a ser actualmente pago à Recorrente, o que em apenas um ano, perfaz a quantia de Eur.: 26.791,80.

  7. Pelo que com tal decisão o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 31º, n.º 1 e 32º, n.º 6 do CPTA, devendo ter fixado à causa o valor acordado entre as partes.

  8. Por mera cautela, sempre se dirá que poderia o Tribunal a quo ter decido que o valor da causa era indeterminável, pelo que por aplicação do n.º 2 do art. 34º do CPTA, sempre se consideraria superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, facultando-se o direito ao recurso.

  9. Com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, que reduz o valor da acção para uns míseros dois mil euros, sem qualquer fundamento, coloca-se em causa o direito de recurso e, consequentemente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

  10. Ao considerar procedente a excepção dilatória de incompetência material, por entender que é evidente que as normas do art. 77º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro abrangem o montante da subvenção mensal vitalícia que a Recorrente aufere (cfr. p. 11 da douta sentença recorrida), o Tribunal a quo não se absteve de conhecer do pedido apesar de considerar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, violando o disposto no art. 278º, n.º 1, al. a) do CPC.

  11. O tribunal a quo também violou o princípio do pedido e o princípio da isenção uma vez que fez “tábua rasa” do pedido e da causa de pedir, agindo com um preconceito assente numa conclusão (sem que fundamente ou explique sequer o raciocínio que o levam a tal conclusão, o que constitui uma nulidade por falta de fundamentação): a de que é evidente que as normas do art. 77º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro abrange o montante da subvenção mensal vitalícia que a Recorrente aufere (cfr. p. 11 da douta sentença recorrida).

  12. A competência do Tribunal ou o seu âmbito de jurisdição são determinados pela forma como o autor configura o litígio, tendo em conta o pedido e a causa de pedir, independentemente do seu mérito, ou seja, a competência é determinada pela pretensão material ou objectivos que ele pretende com a acção interposta e respectivos fundamentos, o que bem se compreende já qu é sobre essa pretensão material que o Tribunal se vai pronunciar – cfr. Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, Processo n.º 05/07; e do STA de 25.11.2010, Proc. 021/10 e de 29.11.2006, Processo n.º 16/03; Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91.

    M)No caso em apreço, a Recorrente veio pedir que “a Caixa Geral de Aposentações se deve abster de qualquer comportamento que vise aplicar à Requerente o disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 do art. 77º da lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2014) e o disposto no Decreto-lei n.º 70/2010, de 16 de Junho” (cfr. requerimento inical, in fine).

  13. Assim, não está aqui em causa um pedido de inconstitucionalidade de normas legislativas.

  14. A necessidade de clarificar a norma ínsita no artigo 77º do Orçamento do Estado para 2014, reside na necessidade de delimitação do âmbito de incidência subjectiva da norma ou, por outras palavras, na clara definição do âmbito de aplicação da norma, no sentido de que esta não se aplica à Recorrente.

  15. Só numa leitura apressada e sem rigor da referida norma, com atropelo das regras da hermenêutica jurídica, é que se pode concluir pela evidência da aplicação de tal norma à Recorrente, como faz o Tribunal a quo.

  16. Atente-se que o n.º 1 do art. 77º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro expressamente se refere à subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos, os quais estão identificados no n.º 2 do art. 1º da Lei n.º 4/85 de 9 de Abril.

  17. Ora, a norma em causa (art. 77º da Lei do Orçamento de Estado para 2014) apenas se aplica, por referência expressa, aos ex-titulares de cargos políticos – é essa a letra da lei.

  18. Sucede que tal qualidade (de ex-titular de cargo político) não é passível de transmissão por morte ao cônjuge sobrevivo.

  19. Por morte do seu marido a Recorrente não adquiriu a qualidade de ex-titular de cargo político, nem nunca poderia adquirir, tendo apenas adquirido, por transmissão por morte, o direito a receber uma percentagem do montante correspondente à subvenção mensal vitalícia que era auferida pelo seu falecido marido, por aplicação do disposto no art. 28º da Lei n.º 4/85.

  20. Pelo que, desde logo pelo elemento literal, nunca poderia ser aplicado à Recorrente o regime do art. 77º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, conforme entendido pela Recorrida e comunicado à ora Recorrente por carta de 31/03/14 (doc. 5 junto com o requerimento inicial), não cabendo ao interprete (no caso, o julgador) das normas estender o âmbito de aplicação de uma norma conferindo-lhe um sentido e alcance que nem sequer encontra apoio na letra da lei, ademais quando a lei em causa é uma lei restritiva-concretizadora do direito à segurança social da Recorrente.

  21. E nessa medida, é, assim, evidente que a Recorrente não pode considerar que lhe seja aplicável o referido normativo legal e, muito menos, que, pelo contrário, seja “evidente” a sua aplicação à Recorrente como considerou (mal) o Tribunal a quo.

  22. É incontroverso que a letra da lei se refere expressamente a ex-titulares de cargos políticos (qualidade que a Recorrente nunca teve, não tem e nem sequer é passível de transmissão por morte), pelo que entre os significados possíveis da expressão “ex-titulares de cargos políticos” não se encontra o cônjuge sobrevivo de um ex-titular de cargo político, pelo que é evidente que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da referida norma, em clara violação das regras da hermenêutica jurídica previstas no art. 9º do Código Civil.

  23. Pelo que estender o âmbito de aplicação de tal norma à Recorrente apenas poderia ser feito por recurso à analogia ou à interpretação extensiva – sendo certo que ambas as operações estão vedadas quando se está perante normas lesivas, restritivas ou ablativas de direitos fundamentais, o que é o caso, sob pena de violação do disposto no art. 18º da Constituição.

  24. Mas também é evidente que o Tribunal a quo, para além de abstrair-se do elemento literal da norma, também ignorou o elemento sistemático, pondo mesmo em causa a unidade do sistema jurídico.

  25. No caso concreto, mesmo que, por absurdo, fossem ultrapassados os limites do elemento literal, mormente por recurso à analogia ou através de...

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