Acórdão nº 12392/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução29 de Outubro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO ………………………………………, SA (devidamente identificada nos autos), requerida no Processo Cautelar que contra si foi instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Procº nº 1012/14.2BELLE) por FRANCISCO ……………………………… (igualmente devidamente identificado nos autos), no qual este peticionou a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser a deliberação do Conselho de Administração da requerida de 14/11/2014 que determinou a demolição da construção ali identificada, a sua desocupação e a respetiva posse administrativa, inconformada com a sentença de 30/04/2015 (fls. 514 ss.) daquele Tribunal que, julgando procedente o pedido cautelar, decretou a requerida providência cautelar de suspensão de a eficácia do identificado ato administrativo, vem dela interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que indefira a providência requerida, absolvendo o requerido do pedido.

Nas suas alegações a Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:

  1. A Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre facto manifestamente relevante para boa decisão da causa, através de confissão especificamente aceite nos artigo 4º e 7º da contestação, de que: «o Requerente reside Rua Tomás Ribeiro, nº27, 8000-440 Faro» e que «por escrito de 09/10/2014 o Requerente comunicou à entidade requerida «que não pretendo que me dêem alternativa de habitação», comprovativos de que a construção em apreço não é a primeira (e única) habitação do Requerente, para efeitos do artigo 37.º do POOC, bem como os factos essenciais constantes dos artigos 33º, 42º, 48º e 49º da contestação, que devem ser dados como sumariamente provados, porque relevantes e plenamente provados.

  2. Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são: a prova por confissão judicial espontânea aceite nos artigos 4º e 7º da contestação, (arts. 356º, nº1 do Cód. Civ. e 46º do CPC), completado por fls. 10, 11, 14, 15, 20, 22, 25, 26, 27, 31, 32, 35, 42, 117, 137 e 155 do processo administrativo, e plenamente provados pelos docs. nºs 1 e 2 da contestação e o doc. nº8 do R.I. (art. 607º, nº5, parte final, do C.P.C.).

  3. A Recorrente considera incorrectamente julgada a alínea d) do probatório (com base as fls. 34 a 53 do processo administrativo), que deve ser alterada para “não provado”, uma vez que a prova da actividade de viveirista/mariscador estava sujeita a prova legal, dependente de comprovativo de registo prévio na Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura e de licença válida correspondente ao ano civil a que respeitam, nos termos do artigo 13º, nº3 da Portaria nº 1228/2010, de 06/12.

  4. A sentença recorrida (a pags. 17) identificou somente as 2 (duas) únicas causas de ilegalidade (vícios) suscitadas pelo Requerente, (i) por um lado, os vícios que imputa ao “plano estratégico” elaborado pela entidade requerida (ii) por outro, a ausência de reconhecimento e pagamento contemporâneo, de uma indemnização nos termos do Código das Expropriações, E) Apreciando os vícios invocados – que identificou como sendo somente os 2 (dois) acima descritos –, a sentença recorrida considerou-os manifestamente improcedentes, tão claras e contundentes as razões aduzidas na sentença.

  5. Diante deste juízo – tão claro e contundente – seria de esperar que a sentença terminasse concluindo pela manifesta falta de fundamento da pretensão – atento o fumus malus iuris evidenciado por ela própria na análise dos vícios objecto de alegação.

  6. Acontece que, da p. 28 em diante, a pretexto do artigo 95.º, n.º 2, do CPTA (inaplicável aos processo cautelares) a sentença veio suscitar oficiosamente – sem antes ter dado a possibilidade à Requerida de se pronunciar – outros novos vícios que não tinham sido alegados, nem estavam em discussão H) Foi somente com base em novos vícios (não alegados) que o Tribunal “a quo” acabou por julgar verificado o requisito do fumus boni iuris.

  7. O Tribunal “a quo” suscitou e conheceu oficiosamente aqueles novos vícios (não alegados), mas sem antes ter ouvido a entidade Requerida, ora Recorrente, como era imposto e obrigatório por força do elementar princípio do contraditório, nos termos dos artigos 3º, nº3 do CPC e 95º, nº2 do CPTA.

  8. A sentença recorrida é, pois, uma verdadeira decisão-surpresa, com a qual a entidade Requerida não podia razoavelmente contar, nem se defender.

  9. O que configura a omissão de uma formalidade essencial que a lei prevê, na tramitação típica do processo – e também aplicável aos processos cautelares apesar do seu carácter urgente - em clara violação do princípio do contraditório, nos termos dos artigos 3º, nº 3 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 95º, nº2 do mesmo Código.

  10. Em consequência, deve ser julgada procedente a invocada nulidade por violação do princípio do contraditório e, por consequência, anulada parcialmente a sentença ora recorrida – artigo 195º, nº2 do C.P.C.

  11. Por outro lado, a sentença também deve ser anulada e expurgada de toda a parte nula, isto é, de todo o discurso fundamentador e decisório relativo àqueles novos vícios (não alegados), na parte da p. 28 em diante, pelo simples motivo de que os mesmos não são cognoscíveis nesta sede cautelar.

  12. É que as enunciadas características da instumentalidade, da sumariedade, e da urgência são incompatíveis com o suscitar novos vícios (não alegados) ao abrigo do artigo 95.º, n.º 2, do CPTA (só previsto e próprio das acções principais), O) Pelo que, a sentença recorrida, ao julgar verificado o fumus boni iuris, com base apenas em novos vícios (não alegados) – que a Mmª Juíza “a quo” suscitou oficiosamente – e somente após de uma excepcional diligência de prova não requerida por qualquer uma das partes –, invocando para o efeito os poderes de cognição dispostos no artigo 95.º, n.º 2, do CPTA (não aplicável aos processos cautelares), excedeu manifestamente aquilo que lhe era lícito conhecer nesta sede cautelar, sendo parcialmente nula.

  13. Face ao exposto, temos que a sentença recorrida violou a característica da sumariedade da apreciação jurisdicional nesta espécie processual urgente, assim como violou o princípio do dispositivo, tendo conhecido de questões (novos vícios) de que não podia tomar conhecimento, em violação dos arts. 95.º, n.º 2, 112º, 113º, 114º, nºs 3, al.ª g) e 4, 120º, nº1, al.ª b) do CPTA e dos artigos 5º, 608º, 2 e 615º, nº1, alínea d) do C.P.C., aplicável ex vi art. 1º do CPTA.

  14. Por mera cautela de patrocínio, e sem prejuízo das nulidades acima apontadas, que importam que a sentença seja expurgada de toda a parte nula, isto é, de todo o discurso fundamentador e decisório relativo àqueles novos vícios (não alegados), a sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação dos factos e do direito, ao questionar os poderes que a Recorrente invoca e em que fundamenta a sua actuação, tendo em conta os poderes legais conferidos à Recorrente pelo artigo 3.º, n.º2, do DL n.º 92/2008, que não oferecem dúvidas.

  15. Acresce o despacho ministerial de 21/09/2012, na parte expressamente sublinhada e destacada, que «compete à Polis RF a aprovação do PIR para as áreas a renaturalizar no âmbito do Polis Litoral Ria Formosa», cujo âmbito vem definido no artigo 2º, nº3 do DL n.º 92/2008; e ainda a cláusula 10ª, nº2 do Acordo entre o Estado português e os Municípios de Faro, Olhão, Tavira, Loulé e Vila Real de Santo António, relativo à POLIS RIA FORMOSA, de 02/05/2008.

  16. Dada a solução da sentença recorrida, deve ser aditado à matéria de facto que: o PIR também foi elaborado e aprovado pelo ministério responsável pela área do ambiente, através da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P., por despacho de 05/01/2012, que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido como doc. nº2 - cuja apresentação se tornou necessária apenas em virtude da decisão-surpresa proferida em 1º instância, nos termos do artigo 651º, nº1 do C.P.C.

  17. Nos termos do artigo 1º, nº2 do Decreto-Lei n.º 208/2007, de 29 de Maio, as Administrações de Região Hidrográfica (ARH I.P.), prosseguem atribuições do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR), sob superintendência e tutela do respectivo ministro.

  18. Por sua vez, nos termos do artigo 1º, nº1 da Portaria n.º 393/2008, de 5 de Junho, as Administrações de Região Hidrográfica (ARH) sucederam no domínio dos recursos hídricos em todas as posições jurídicas tituladas pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), criadas pelo Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de Abril, e também dotadas de competências para intervir nos procedimentos de gestão territorial relativos à adopção de medidas de política de solos que careçam de aprovação pelo Governo – como resulta do artigo 2º, alínea j), da Portaria nº 528/2007,de 30 de Abril.

  19. Pelo que, ainda que por hipótese subsistissem quaisquer dúvidas sobre a aprovação ministerial do PIR, as mesmas estariam sanadas pelo doc. nº2 junto, cuja apresentação se tornou necessária apenas em virtude da decisão-surpresa proferida em 1º instância, nos termos do artigo 651º do C.P.C.

  20. Acresce, como aliás reconhecido na sentença, que o indicado PIR é um mero projecto de execução e programação das medidas de renaturalização.

  21. Ora, as soluções adoptadas já tinham sido estabelecidas de formas vinculativa e sem qualquer margem de discricionariedade ao nível do artigo 37º, n.º 2, e 83.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea c) do Regulamento do POOC – onde se prevê pura e simplesmente “na área de domínio hídrico, demolição e remoção das edificações”, vinculativos para entes públicos e particulares.

  22. Sempre seria aplicável o princípio do aproveitamento do acto administrativo, uma vez que a decisão foi proferida no âmbito de poderes vinculados...

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