Acórdão nº 04554/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

O Município de Ourém, com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vem recorrer, concluindo como segue: A. Na dita sentença, o Senhor Juiz a quo cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto e erro de julgamento sobre o julgamento sobre a matéria de direito.

B. O Senhor Juiz a quo cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não dar como provados factos alegados pelo A e não impugnados pelos RR, ao pronunciar-se sobre matéria de facto não alegada pelas partes e ao errar sobre a qualificação jurídica do Acordo de Colaboração referido no ponto 1 do probatório e do auto de transferência de 1993 referido no ponto 2 do probatório, reconhecendo-lhes eficácia jurídica para operar a transferência dominial da estrada nacional ., ………………., da esfera do Estado para a esfera do Município ora Recorrente e violando, assim, os artigos 264º nº 2, e 490.º, nº 2, ambos do CPC, e o artigo 84.º, nº 2, da CRP. Com efeito, C. Por não terem sido objecto de verdadeira e própria impugnação, dado que os RR. não tomaram posição definida perante os mesmos, devem ser dados por provados os factos alegados pelo A., ora Recorrente, nos artigos 16.º, 40.º, 54.º e 59.º a 73.º da P. I. e documentos neles referidos. Mais: D. Por não terem sido expressamente impugnados pelos RR, ora Recorridos, e por não resultarem total ou parcialmente impugnados em face do teor das doutas Contestações oferecidas pelos RR., devem ser dados por provados todos os factos alegados pelo A., ora Recorrente, nos artigos 15.º, 17.º a 40.º, 41.º a 53º, 55.º a 58.º, 60º e 61.º da P. I.

e nos documentos neles referidos.

E. Embora se diga, no artigo 83.º da douta Contestação da Ré, Estradas de Portugal, S. A., que os factos alegados naqueles artigos da PI vão expressamente impugnados, o certo é que a Ré não tomou posição definida perante os factos neles alegados, como era seu ónus, nos termos do n.º 1 do artigo 490º do CPC. Aliás, F. Os factos alegados nos artigos 55.º a 63.º da P. I. são claramente admitidos pelo co-Réu, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, quando, ao encerrar a sua Contestação, admitiu expressamente que, "poderá considerar-se que o lanço da ER ………. em causa se encontra sob tutela da R. (leia-se Estadas de PortugaI, S. A.) ao abrigo das normas constantes nos nºs. 2 e 3 do art. 13º do Dec.-Lei nº 222/98 na redacção conferida pela Lei nº 98/99, de 26 de Julho, em situação ainda não definida completamente, na medida em que implica um procedimento complexo que acautele todas as situações juridicas que devem ser ponderadas." Ora, G. Por outro lado, o Senhor juiz a quo errou na qualificação jurídica do Acordo de Colaboração e do Auto de Transferência de 1993 referidos, respectivamente, nos pontos 1 e 2 do probatório da sentença recorrida, ao reconhecer-lhes eficácia jurídica para operar a transferência dominial da estrada nacional …………, ……………., da esfera do Estado para a esfera do Município ora Recorrente, violando, por isso, artigo 84º, nº 2, da Constituição.

H. Como se alegou e provou, ao assinarem o referido "Acordo de Colaboração'” as partes tinham em mente que estavam a subscrever um instrumento jurídico apto a criar as condições que permitissem ao Município de Ourém executar obras de reabilitação no lanço da estrada nacional nº ……….

que vai do quilómetro 40,818 ao quilómetro 71,400, na extensão de 30,582 km, com a finalidade da sua futura integração no património viário municipal tão logo existissem os respectivos pressupostos legais nomeadamente logo que fosse publicado o decreto-regµIamentar erigido pelo n.º 2 do artigo 13.º do citado Decreto-lei n.º 380/ 85.

I. Portanto, o "Acordo de Colaboração", atentos a natureza dos sujeitos, do objecto e do fim prosseguido, reúne todos os elementos essenciais para, juridicamente, ser qualificado como um verdadeiro contrato administrativo tipico, incluído na modalidade de contrato administrativo de coordenação ou colaboração J. Por seu turno, o Auto de Transferência do lanço da EN ……… ………….

., referido no nº 2 do probatório, é um acto instrumental do citado Acordo de Colaboração...

K. efeito jurídico, tão-somente, a atribuição ao Município de Ourém da posse precária e temporária do identificado lanço da EN …… ……………, com a finalidade exclusiva de aquela autarquia poder praticar os actos de administração do mesmo, em execução das suas obrigações emergentes do já referido "Acordo de Colaboração" ou contrato administrativo de coordenação ou colaboração, exercendo, nomeadamente, as funções de dono da obra de reabilitação, esgotou-se naturalmente, não só pelo pontual e integral cumprimento como devido à caducidade do referido "Acordo". Deste modo.

L. Se e enquanto interpretado em sentido diverso, como fez o Senhor Juiz a quo, isto é, no sentido de ele (em conjunto com o "Acordo de Colaboração" e o Decreto-lei n.º 380/85) ter operado a transferência dominial da EN …….. ……….. (ora ER …….. ……….), no lanço em causa, tal interpretação versa sobre matéria de facto e é inconstitucional, por violação do principio da reserva de lei consagrado no artigo no nº 2 do 84.º da CRP, ao admitir que um acto de natureza meramente administrativa, como é o referido auto de transferência, seja idóneo para operar a transferência dominial do troço da estrada em causa, função que a Constituição atribui exclusivamente à lei (de resto ainda não existente à data do acto em causa).

M. Aliás, e com o devido respeito, tal interpretação levaria ao absurdo de ter de se admitir que a Administração, enquanto não existisse a lei a que se refere o nº 2 do artigo 84.º da Constituição (como era o caso), pudesse, por mero acto de natureza administrativa, definir quais os bens que integram o domínio público do Estado ou das autarquias locais ou definir o seu regime, condições de utilização e limites.

N. Ora, como é bom de ver, um qualquer acto com tal natureza e finalidade seria sempre inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes enfermando de vício de usurpação de poder, e, em consequência, seria nulo por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo.

O. Por isso, os tribunais, quaisquer que eles sejam, nos feitos submetidos ao seu julgamento, qualquer que seja o processo, nunca devem obediência a um tal acto de natureza administrativa nem podem reconhecer-lhe aptidão para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, muito menos os efeitos de transferência dominial.

P. E, se podem conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um qualquer acto administrativo que já não possa ser impugnado, por maioria de razão poderão e devem os tribunais conhecer incidentalmente da nulidade de um acto administrativo, mesmo que ainda não impugnado (cfr. artigo 38º do CPTA).

Q. Por isso, e ao contrário do douto entendimento do Senhor Juiz a quo, o "Acordo de Colaboração' e o "Auto de Transferência" referidos, sejam eles considerados isoladamente ou em conjunto, não são instrumentos jurídicos idóneos para operar a mutação ou transferência dominial da EN …..

da esfera do domínio público do Estado (e afecta à então JAE, ora Estradas de Portugal S. A.) para a esfera do domínio público do Município de Ourém.

R. Tanto mais que, posteriormente, como se sabe, o Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho (com as alterações introduzidas nos artigos 12.º a 14º pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho) veio proceder à redefinição do plano rodoviário nacional (PRN2000).

S. estabelecendo uma nova classificação de estradas, as designadas Estradas Regionais (ER) (cf. nº 1do artº 12º).

T. e integrando expressamente nesta classificação a anterior estrada nacional …..………… que passou agora a designar se ER …… …… (cf.

nº 3 do artº 12.º e lista anexa, que dele é parte integrante). Ora, U. Se aquela Estrada Nacional …. já tivesse sido desclassificada em estrada municipal e integrada no domínio público municipal, obviamente, não faria sentido que o legislador do Decreto-Lei n.º 222/98 a tivesse considerado (como considerou) como Estrada Nacional (EN) para a reclassificar (como reclassificou) como Estrada regional (ER,).

V. A norma jurídica contida no nº 3 do artigo 12º do citado Decreto-Lei 22/98 reveste-se, indubitavelmente, de carácter directamente operativo, dado que a reclassificação da EN… em ER……… não fica dependente da produção de qualquer acto de execução da mesma pela Administração Pública: trata-se de uma verdadeira reclassificação ope legis.

W. Do artigo 13.º do citado Decreto-Lei n.º 222/98 resulta claramente que o legislador teve em mente a definição do destino a dar a dois tipos de estradas: (i) as estradas não incluídas no plano rodoviário nacional (PRN) e (ii) as Estradas Regionais (ER).

X. Atendendo ao tempo verbal utilizado - poderão -, o destino das Estradas Regionais (ER), poderá ser, ou não, o da sua integração nas redes municipais, conforme venha a ser decidido por despacho do ministro da tutela do sector rodoviário (cfr. n.º 2). Mas a optar-se pela sua integração nessas redes, tal integração deve, ainda, obedecer às mesmas condições previstas para a integração das estradas não incluídas no PRN (que são as referidas no n.º 1do citado artigo 13º), isto é...

Y. ...para além de despacho ministerial prévio, a integração das ER nas redes municipais só poderá concretizar-se mediante a celebração casuística de protocolos (que são actos bilaterais de natureza contratual) entre a JAE (ora Estadas de Portugal, S.A.) e os municípios abrangidos e de prévias intervenções e conservação que as reponham em bom estado de utilização ou, em alternativa, mediante acordo equitativo com a respectiva autarquia (cfr. n.º 2). Ora, Z. O que fica bem claro é que, seja num caso, seja no outro, a integração das estradas nas redes municipais só poderá efectivar-se mediante contratualização e desde que as mesmas se encontrem em bom estado de utilização, de modo a impedir que o Estado, furtando-se à assumpção das...

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