Acórdão nº 12962/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. E…….– Empresa ……………………, SA vem reclamar para a conferência da decisão sumária do relator que julgou improcedente o recurso por si interposto e manteve o despacho saneador recorrido que considerou procedente a excepção de caducidade do direito de acção. Alegou o seguinte: 1. Entendeu o Exmo. Sr. Relator proferir decisão sumária sobre o recurso interposto. Manteve assim a decisão recorrida que considera procedente a exceção invocada de caducidade do direito de ação, entendendo que se tratava apenas de repetir o que fora já julgado em acórdãos anteriores.

  1. Ora, sucede que a questão a decidir, e que constitui o fundamento do recurso, não era a questão geral de saber como se procede à contagem do prazo nos termos do n.° 1 do artigo 175.° do Código do Procedimento Administrativo de 1991 (“CPA”) (i.e. a questão geral relativa a saber como se conta o prazo para impugnação contenciosa quando o mesmo seja suspenso pela interposição de recurso hierárquico).

  2. É a questão especial de se saber como se procede à contagem do prazo no caso em que o recorrente (no recurso hierárquico) seja notificado da data da remessa do processo pelo órgão recorrido.

  3. A decisão sumária proferida tem por base jurisprudência que decidiu a questão geral, e não jurisprudência que teve em conta a especificidade existente quando o recorrente é notificado da data da remessa do processo ao órgão recorrido.

  4. Como referido já em sede de alegações, admite-se que a interpretação constante da decisão recorrida seja, regra geral, a correta, mas não certamente nos casos em que o Recorrente é notificado expressamente da data em que o processo foi enviado ao órgão competente.

  5. E porque se trata de uma questão particular, cuja especificidade não foi considerada na jurisprudência que legitimaria a decisão sumária, a Recorrente entende que fica prejudicada com a inexistência de acórdão, pretendendo assim que a questão seja submetida à conferência.

  6. Como se sabe, a exigência de que seja comunicada a data da remessa do processo ao órgão competente é uma exigência que estava prevista no CPA de 1991: “O prazo referido começa a correr do dia seguinte ao da remessa do respectivo processo ao órgão competente para dele conhecer, nos termos previstos no n.° 1 do artzgo 172.0 do Códzgo, que exige, como se viu, que o recorrente seja notificado (no e) do momento em que tal remessa ocorreu (..)“ (cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2. Edição, Almedina).

  7. Tal exigência não pode deixar de ter consequências, pelo que a questão não pode ser sumariamente decidida como se a situação fosse a mesma, existindo ou não essa comunicação.

  8. Pode ler-se no acórdão do STA de 25/2/2010, no processo 0320/08, ao contestar a interpretação diversa feita pelo TCA Norte do artigo 175.° do CPTA: “Ora, a interpretação desta última disposição legal, nos termos em que foi feita pelo acórdão recorrido, baseada na simples consideração da data da remessa do processo ao órgão competente para a decisão do recurso hierárquico como único elemento relevante para a determinação do início do prazo de 30 dias para essa decisão, não é aceitável, na medida em que, como alega o recorrente, consente uma indesejável margem de incerteza, quanto à data em que o recurso deve considerar-se indeferido (art. 175/3 CPTA).” 10. Ora, o que aqui se expõe é inteiramente verdade quando não se notifica o recorrente da data de remessa: nesse caso, fica-se sem saber quando a mesma terá ocorrido, pelo que tem de operar o prazo previsto de 15 dias, sob pena de uma inevitável incerteza quanto ao prazo de recurso. Mas já não é assim quando haja notificação daquela data.

  9. Parece por isso claro que somente quando não haja a qualquer notificação por parte da Administração sobre a remessa do processo para o órgão competente, deverá ser tido em conta o prazo de 15 dias para a contagem do prazo de decisão do recurso hierárquico, de forma a conferir segurança jurídica, para que se saiba quando termina o prazo.

  10. A situação tem ainda contornos particulares porque convoca a aplicação do princípio da Boa Fé e da tutela da confiança: a partir do momento em que há uma comunicação escrita feita pela Administração ao Recorrente, esta tem que ter consequências jurídicas porque gera expectativas.

  11. Ao contrário do que parece entender-se na decisão sumária, a questão da Boa Fé não é uma questão que a Recorrente coloca em geral quanto ao silêncio da Administração em sede de recurso hierárquico, apenas a colocando pelo facto de haver uma expressa comunicação no âmbito desse recurso, a comunicação da remessa do processo ao órgão competente.

  12. Se a mesma não tiver qualquer consequência quanto ao prazo para recorrer, a notificação da remessa do processo constituiria um ato sem qualquer sentido a que a lei obrigaria para quê? Para confundir o Recorrente? Note-se que a lei não refere que essa notificação só deve ter lugar se a remessa ocorrer até ao 15.º dia. Será que a lei está. a admitir a prática de um ato inútil? 15. A resposta só pode ser outra: a comunicação da remessa tem o mesmo efeito seja qual for a data em que o processo é remetido: Serve para o Recorrente contar o prazo que o Recorrido tem para decidir. A confiança criada no destinatário da comunicação não pode deixar de ser tutelada pela Ordem Jurídica.

  13. Acresce que o Exmo. Sr. Relator não considera também que esta questão tem de ser analisada na perspetiva do disposto no artigo 58.°, n.° 4, alíneas a) e b) do CPTA, disposição que, a não se proceder o que se afirmou supra, se deveria considerar aplicável, admitindo-se como tempestiva a impugnação, por resultar da confiança gerada pela Administração quanto à respetiva tempestividade, e da indefinição do quadro legal.

  14. Não é verdade, ao contrário do que se diz na decisão sumária, que o quadro legal não seja indefinido, e que tudo se resolva por mera interpretação: a quantidade de processos que o mesmo tem gerado, com interpretações diferentes, mostram bem como estão em causa normas legais que criam as maiores dúvidas nos intérpretes e aplicadores.

  15. Tanto assim é que nem a lei, nem a doutrina que anotou/comentou o CPTA resolve esta questão. E que há diversos acórdãos de tribunais superiores que decidiram em sentido contrário ao agora decidido. Porque, precisamente, se trata de questão que a lei não resolve.

  16. E ao contrário do que alguma jurisprudência parece reconhecer, e do que decorre da decisão sumária reclamada, o princípio tem de ser o in dubio, pro acione, sendo certo que estamos aqui perante um direito, liberdade e garantia.

    • A parte contrária, o demandado na acção administrativa especial intentada e ora Recorrido, Ministério da Economia e do Emprego, nada disse.

    • Colhidos os vistos, vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida.

    • 2.

    Apreciando, temos que a ora Reclamante vem reclamar da decisão sumária do relator de 16.03.2016 que negou provimento ao recurso interposto do despacho saneador do TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Entidade demandada da instância.

    O despacho em causa, na parte relevante, é do seguinte teor, do mesmo constando a factualidade apurada e que aqui basta para decidir a reclamação: “(…) 1.1.

    Constitui objecto do recurso apreciar se a decisão recorrida errou ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, entendendo que o termo do prazo para o recorrido decidir a que aludem os artigos 172.º e 175.º do CPA (na redacção aplicável) se conta do termo do prazo legal para lhe enviar esse mesmo processo e não da data efectiva da remessa, mesmo nos casos em que esta notificação ocorre posteriormente.

  17. Da apreciação do mérito do recurso: 2.1. Pelo TAC de Lisboa foi fixada a seguinte factualidade, a qual não vem impugnada: A) A A. foi notificada em 14 de Outubro de 2011 da decisão final de indeferimento da reclamação apresentada em sede de audiência prévia e da consequente manutenção da aplicação da correcção financeira de 100% sobre os...

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