Acórdão nº 46/14.1GDAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | BELMIRO ANDRADE |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra – Secção Criminal: I.
Após audiência de discussão e julgamento, em processo sumário, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: - Condena-se o arguido A...
, pela prática em 10-03-2014, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena principal de 115 dias de multa à taxa diária de €5,50, o que perfaz o quantitativo total de € 632,50 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de 7 meses e 15 dias.
- Fixa-se em 52 dias a prisão subsidiária que o arguido terá de cumprir, caso a multa por que foi condenado não ser paga, voluntária ou coercivamente, já se computando um dia de desconto relativo à detenção sofrida.
- Determina-se que, aquando da liquidação da pena de multa, se proceda ao desconto de um dia de detenção sofrido nos termos do disposto pelo artigo 80º, n.º2 do Código Penal.
- O arguido deverá, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregar a sua carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de a mesma lhe ser apreendida, o que desde já se determina.
* Inconformado, recorre o arguido, motivando o recurso com as seguintes CONCLUSÕES: 1. O ponto 4. dos factos julgados como provado, deveria ter sido julgado como não provado.
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Em primeiro lugar, o arguido ora recorrente A... (cujos declarações foram prestadas na sessão de julgamento de 19/03/2014 com início aos minutos 00:01 a 09:04) afirma, de forma inequívoca e sincera que não sabia que se conduzisse de bicicleta com álcool estaria a cometer o crime pelo que foi condenado.
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Tais declarações foram corroboradas pela testemunha B..., o agente autuante, que prestou depoimento de forma clara e credível e confirmou que o arguido desconhecia que estava a praticar o crime pelo qual foi condenação se após ingerir bebidas alcoólicas conduzisse uma bicicleta.
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Assim sendo, para que um agente possa ser jurídico penalmente responsabilizado tem de praticar um facto típico, ilícito e culposo, sendo que, o facto é típico quando preenche objectiva e subjectivamente os elementos de um tipo legal de crime.
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O arguido confessou ter ingerido bebidas alcoólicas mas afirmou desconhecer não poder conduzir uma bicicleta após tal ingestão.
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O tipo de ilícito tem por função dar a conhecer ao destinatário que determinada espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico, sendo constituído por uma vertente objectiva (comportamento do agente) e por uma vertente subjectiva: o dolo ou a negligência, e só da conjugação destes dois elementos pode resultar o juízo de contrariedade da acção à ordem jurídica, ou seja, o juízo de ilicitude - neste sentido vide Figueiredo Dias, in "Direito Penal Parte Geral" Tomo I, pg. 231.
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O dolo (art. 14° do C.P.) não se basta com o conhecimento dos elementos típicos, exigindo simultaneamente a "verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização" - vide Figueiredo Dias, in "Direito Penal Parte Geral" Tomo I, pg.349.
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Para que o dolo se afirme, quanto ao seu elemento intelectual, é necessário que o agente conheça e represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo.
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O que se pretende é que o agente ao actuar conheça tudo o quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isto é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela sua conduta, Por isso numa palavra, o conhecimento da realização do tipo subjectivo do ilícito constitui o sucedâneo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título, com a consequência de que sempre que o agente não represente, ali represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo, o dolo terá desde logo de ser negado - de novo Figueiredo Dias, pgs. 334 e 335.
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Para além do que supra se referiu o arguido teria ainda para a afirmação do dolo do tipo que ter actuado com conhecimento da proibição legal, o que não é o caso.
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O art. 16, nº 1 do CP ao reconhecer o erro sobre a proibição prevê que a sua existência exclui o dolo, equiparando-o ao erro sobre a factualidade típica, quando o seu conhecimento "for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto".
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O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental do direito penal, derivando daí a exigência de que a aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito típico foi praticado com culpa, traduzindo-se esta numa censura dirigida ao agente pela prática do facto.
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Existe uma ausência de conhecimento sobre a relação de contrariedade entre a conduta do arguido e o comando emergente da norma jurídica, pelo que deveria o mesmo ter sido absolvido do crime pelo que foi condenado, o que se, pugna.
Se assim não se entender, o que se não concede, 14. O Acórdão recorrido violou, prima facie, os artigos 40º e 71º do Código Penal ao aplicar ao arguido a pena de 115 (cento e quinze) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta Cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de € 632,50 (seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta Cêntimos).
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Atento que o antecedente que o arguido possuía de igual natureza data de 1993, ao mesmo deveria ter sido aplicado uma pena de multa bastante inferior à que foi aplicada, pois seria adequada para atingir as finalidades da punição.
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Não o tendo feito, violou pois o Acórdão recorrido os critérios dosimétricos do artigo 71º do Código Penal.
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Atento o juízo de prognose favorável que, atentos os motivos invocados na motivação do presente recurso, ainda é possível fazer do arguido, e todos estes factos conjugados fazem-nos, salvo o devido respeito por entendimento diverso, discordar da sentença recorrida, na medida em que deveria ter sido fixado um pena de multa ao arguida bastante inferior à que foi fixada, atendendo entre outros factores que acima já se referiu, o facto de o mesmo ter um parco rendimento mensal, contando apenas com uma média de € 150,00 (cento e cinquenta Euros) mensais.
Ora, 18. Devendo ter um sentido eminentemente ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo da pena concretamente aplicável (toda a pena tem como suporte axiológico - normativo a culpa concreta), Assim sendo, 19. E atendendo ao facto de o arguido ora recorrente, ter prestado declarações objectivas e espontâneas, contribuindo relevantemente para a descoberta da verdade material, e tendo o mesmo referido as suas condições económicas e familiares...
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