Acórdão nº 8/09.0TBMMV-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução14 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Através do requerimento executivo certificado a fls. 183/186, J… (Exequente e aqui Apelante) instaurou uma execução para pagamento de quantia certa contra M… (Executado, que deduziu a presente oposição à penhora e, tendo obtido vencimento, ocupa agora a posição processual de Apelado).

No desenvolvimento da instância executiva – e prescindimos da descrição exaustiva de todas as incidências da execução –, a par da penhora de quatro imóveis (fracções prediais, as indicadas nas alíneas i), ii), iii) e iv) do item 2. de fls. 138 – fracções “E”, “CD”, “AN” e “AL” –, ocorreu a penhora de uma embarcação de recreio “C…, denominada Easy Rider”, sendo que o Executado deduziu oposição à penhora (artigo 863º-A, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil anterior ao texto de 2013) desta (da embarcação de recreio), invocando excesso de penhora em função de se encontrarem já penhorados quatro imóveis, e tendo presente o valor da dívida exequenda (a qual era, liquidada à data da instauração da execução, de €26.118,68).

1.1.

Respondeu o Exequente invocando que os ónus existentes sobre as ditas fracções prediais tornavam improvável a satisfação do crédito através da venda destas, nas presentes condições de mercado, mencionando adicionalmente as dificuldades, ilustradas no processo de execução, de alcançar executivamente bens em nome do Executado.

1.2.

Foi a oposição julgada procedente pela Sentença de fls. 137/144 – e esta constitui a decisão objecto do presente recurso – determinando-se o levantamento da penhora relativamente à embarcação de recreio, considerando-se excessiva essa abrangência, em função da afirmada circunstância de se ter “começado” pela penhora de bens imóveis[3].

1.3.

Inconformado, reagiu o Exequente apelando a esta instância, formulando as seguintes conclusões a rematar a motivação do recurso: “[…] II – Fundamentação 1.

Caracterizado o desenvolvimento da oposição à penhora – a um determinado item penhorado – que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação do Exequente referida a esse elemento, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[4]]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Constitui objecto ou fundamento do recurso o controlo da asserção decisória central presente na decisão apelada: a penhora da embarcação de recreio do Executado, tendo-se penhorado “primeiramente” bens imóveis[5], expressa uma situação de desproporção do alcance executivo, caindo em função disso na previsão excludente do nº 3 do artigo 821º do CPC (actualmente o artigo 735º, nº 3), sendo relevante para a Sentença apelada (como decorre da nota 3, supra) o disposto no artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3) – chamemos assim a uma espécie de leitura a contrario do artigo 821º, nº 3 do CPC anterior, por referência à sua incidência negativa. 2.1.

Os factos que a decisão, através da fundamentação de fls. 134/135, considerou provados, foram os seguintes: “[…] 2.2.

Tendo presente este rol de factos – e não esquecendo, nos termos enunciados supra na nota 5, os elementos resultantes do processo de execução –, tendo tudo isto presente, dizíamos, importa apreciar o fundamento do recurso.

2.2.1.

Está em causa a questão da proporcionalidade do alcance executivo, por via da penhora aqui contestada pelo Executado[6], entendida – entendida a afirmada violação do princípio da proporcionalidade – por referência ao artigo 821º, nº 3 do CPC (actualmente o artigo 735º, nº 3) e ao artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3).

Vale o raciocínio que se expressa na Sentença no sentido em que o primeiro dos preceitos (o artigo 821º, nº 3 do anterior CPC[7]) manda, fundamentalmente, limitar a penhora aos bens do executado necessários ao pagamento da dívida executiva e às despesas previsíveis da execução, intuindo-se constituir excesso, que deve ser corrigido por via de afastamento dessa penhora, o que previsivelmente ultrapasse, na sua aptidão de redução a dinheiro através de uma ulterior venda, as projecções valorativas indicadas na norma. E vale este raciocínio, também, entendendo-se o artigo 834º, nº 2 do anterior CPC[8] como impedindo a “tolerância” ou aceitação de algum excesso de penhora quando esta começou por incidir sobre bens imóveis, tratando-se de aferir esse excesso relativamente a bens móveis (foi isto o que se indicou na decisão recorrida no trecho transcrito supra na nota 5). Claro que, neste último caso, já se viu (e continua a valer o que se disse na nota 5) que foi a exaustão da possibilidade prática de penhorar efectivamente (outros) bens móveis ou saldos bancários do Executado – que, na realidade ou só na aparência, os não tem alcançáveis aos credores –, foi esta exaustão, dizíamos, que deslocou a execução para os bens imóveis aqui em causa. E deslocou, seguramente à contre coeur para o Exequente, dado tratarem-se de imóveis já afectos a outras garantias reais ou sujeitos a arrendamento de pendor vinculístico, sendo todas estas incidências factores que consabidamente afectam negativamente o valor de mercado destes bens e, consequentemente, tornam muito problemática a satisfação do crédito do Exequente.

Não cremos, pois, que a referência da decisão recorrida ao artigo 834º, nº 2 do CPC – cuja aplicação em Novembro de 2013 à presente execução nos suscita as maiores dúvidas (v. o artigo 6º da Lei nº 41/2013) – tenha aqui sentido para afastar a penhora de um móvel, uma embarcação de recreio, subsequentemente à penhora de imóveis, desde logo porque aqui a penhora até começou “por outros bens que não bens imóveis” (não é verdade, pois, o que se diz na Sentença), e essa incidência tornou adequada a evolução da penhora para bens imóveis e, depois disso, em função da significativa relativização da garantia propiciada por estes bens (os imóveis) à efectiva satisfação do crédito do Exequente, parece-nos aceitável que, paralelamente à penhora dos imóveis se tenha alcançado (penhorado) um móvel com estas particulares características (repete-se: uma embarcação de recreio) como forma de superar a evidente relativização do valor dos imóveis, tomando por referência a quantia exequenda com os juros já vencidos.

Tenha-se presente que – e citamos a anotação de José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes ao artigo 834º do anterior CPC –, “[…] em regra, a penhora dos prédios, rústicos e urbanos, e do estabelecimento comercial fica reservada para os créditos de maior valor. Isso mesmo é confirmado pela interpretação a contrario sensu do nº 2: a penhora de bens imóveis e do estabelecimento comercial, quando o seu valor ultrapasse o adequado, não é admitida se outros bens presumivelmente permitirem a...

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