Acórdão nº 3043/12.8TBPRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Na jurisdição comum[1] a sociedade S…, Lda.

(A. e Apelante no contexto do presente recurso) demandou R… (1º R. e Apelado) e a Massa Insolvente de A…, S.A.

(2ª R. e Apelada). O primeiro dos RR., administrador da insolvência da sociedade 2ª R., realizou, no quadro desse processo concursal, a venda de diversas verbas – aparentemente sucatas – apreendidas para a referida massa insolvente. Ora, existindo no valor total pago pela A. nessa aquisição à massa insolvente (€92.865,00) uma parcela respeitante a IVA (€17.363,00), que a A. deduziu na respectiva contabilidade[2], viu essa dedução ser desatendida pela Administração Fiscal, em acção inspectiva à A., por inexistência de factura ritualmente correcta[3], sendo que o 1º R. recusou a emissão de factura regular. Afirma a A. ter perdido esse valor do IVA, por impossibilidade de o deduzir, expondo-se, ainda, a outras sanções por infracção fiscal, imputando esta situação, a título de responsabilidade civil extracontratual (artigo 483º, nº 1 do Código Civil), aos RR., com especial ênfase na actuação do R. administrador da insolvência, formulando contra estes o seguinte pedido: “[…] [D]eve a acção ser julgada procedente por provada e por via dela serem os RR. condenados a pagar à A. a quantia de €17.365,00 e bem assim os encargos, designadamente juros moratórios e coimas que a Administração Fiscal exigir, e ainda dos custos do presente processo e com o mandatário, a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros legais até cumprimento integral e completo.

[…]”[4].

1.1.

Contestaram os RR., conjuntamente, pugnando pela improcedência da acção, afirmando ter constituído opção da A. – eventualmente do seu TOC – a dedução do valor do IVA aqui em causa, sendo a esta (à A.) imputável a hipotética não dedutibilidade desse valor. Afirmam os RR., ademais disso, não lhes ser exigível, como dever fiscal legalmente estabelecido, a emissão de factura relativamente às vendas realizadas na fase de liquidação num processo de insolvência.

1.2.

Findos os articulados, proferiu o Tribunal a fls. 114/120 o despacho previsto no artigo 595º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – corresponde este à decisão objecto do presente recurso –, declarando a incompetência em razão da matéria daquele tribunal comum por considerar ser competente a jurisdição administrativa e fiscal.

1.3.

Inconformada recorreu a A. formulando, a rematar a motivação de tal recurso, as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] 1. A douta sentença julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal a quo.

  1. Errou a douta decisão, porquanto não se verifica, com o devido respeito, a alegada incompetência material, sendo competente para dirimir os factos constantes dos autos o Tribunal a quo.

  2. O poder de liquidar impostos pertence à Administração.

  3. O Administrador de Insolvência não é considerado órgão da Administração.

  4. A responsabilidade que for imputada aos administradores de insolvência obedece ao regime geral e não ao regime da responsabilidade civil do Estado.

  5. A douta sentença violou, entre o mais, o disposto no artigo 4º, a) e h) do ETAF; artigo 10º do CPPT; artigo 18º, nº 1 da LGT e artigo 483º e ss do Código Civil.

    […]”.

    II – Fundamentação 2.

    Caracterizado o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação da Apelante, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente (artigos 635º, nº 4 e 639º do CPC)[5]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

    As incidências de facto relevantes para a apreciação do recurso são de cariz essencialmente processual, estão documentadas nos autos, e resultam do relato realizado ao longo do antecedente item 1.

    2.1.

    Constitui único fundamento do recurso a determinação, no confronto entre o tribunal comum (aqui protagonizado pela Comarca de Aveiro) e os tribunais fiscais (a jurisdição administrativa e fiscal), qual o órgão jurisdicional materialmente competente para o julgamento de uma acção – esta acção – com as características que a A. conferiu à presente no articulado inicial, nos termos acima particularizados no item 1. deste Acórdão.

    Ora, resumindo essas características – já que são elas que nos permitem resolver a questão de competência material colocada – diremos estar em causa, na petição inicial[6], uma acção fundada em responsabilidade civil extracontratual decorrente de um alegado preenchimento da facti species do artigo 483º, nº 1 do Código Civil (CC), por um administrador de insolvência, actuando nessa qualidade (e, por via da actuação dele, por uma determinada massa insolvente), traduzida essa imputação delitual na causação de danos patrimoniais à sociedade A., num quadro de alegado incumprimento por esse administrador de insolvência de uma obrigação fiscalmente relevante, traduzida na emissão de factura apta a servir de suporte ao desconto do IVA pela A., relativamente a uma compra realizada na fase de liquidação desse processo de insolvência administrado pelo 1º R. Desta omissão (interessará aqui o dever de praticar o acto omitido – artigo 486º do CC) teria resultado para a A. um prejuízo que esta quantifica no exacto montante do IVA não aceite para desconto.

    2.1.1.

    O quadro legal de referência da acção proposta pela A. assenta, assumidamente, como dissemos, numa imputação delitual por omissão realizada aos RR., apresentada como fonte de um dever de indemnizar. Esta imputação pressupõe que alguém – aqui seria o administrador da insolvência enquanto gestor da massa insolvente –, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, produzindo, em função...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT