Acórdão nº 125/13.2GDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Nos presentes autos o Ministério Público proferiu a seguinte despacho: “(…) Nos presentes autos e apensos são denunciados factos susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática recíproca de crimes à ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º do Código Penal.

Porém, devem os autos ser arquivados por não existirem indícios suficientes que permitam imputar tais factos a qualquer um dos arguidos.

É que nos termos da lei há indícios suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. art.º 283º n.º 2 do CPPenal), o que, a nosso ver, não se verifica nos caso dos autos.

Na verdade, os arguidos negaram os factos que lhes são imputados e apresentaram versões diferente dos mesmos, afirmando, em suma, terem sido vitimas e não agressores.

Suficientemente indiciado está apenas que os três ofendidos/arguidos se envolveram fisicamente, tendo sofrido lesões.

Porém, as lesões examinadas nos relatórios de exame médico só por si nada esclarecem quanto à dinâmica da contenda.

Com efeito, ficamos efectivamente com dúvidas sobre quem agiu com animus ofendendi e quem agiu com animus defendendi.

E nos autos não existe qualquer prova susceptível de superar tal dúvida, sendo que a única testemunha arrolada Ana Raquel Pinto Simões parece que apenas terá assistido a urna pequena parte da contenda, tendo-lhe escapado o início e o fim da mesma, cfr, fls, 91.

É esta a prova carreada para os autos e não vislumbramos útil a realização de qualquer outra diligência de prova.

Assim, face à contradição das versões e não sendo possível dar mais credibilidade a urna versão em detrimento da outra, não poderemos imputar tal crime a qualquer um dos arguido e consequentemente sustentar em julgamento a sua condenação.

Sendo, pois , muito mais provável a sua absolvição, se submetidos a julgamento.

Pelo exposto, e nos termos do art. 277°, n° 2 do CPPenal, outra solução não nos resta que não seja a de arquivar, por ora, o presente inquérito, o que se determina, por não se ter obtido indícios suficientes da verificação do alegado crime.” Inconformados, os assistentes B...e C... vieram requerer a abertura de instrução.

A primeira apresentou requerimento com o seguinte teor (transcrição da parte relevante): “(…) A ora requerente apresentou queixa contra o arguido A..., pela prática de um crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo art. 143º do Código Penal.

2. Porquanto, no dia 27/03/2013, junto à sua residência, foi agredida com murros na face, ~ pelo arguido A..., o que fez com que a ofendida caísse no chão, tendo de seguida aparecido o seu marido que também foi agredido.

3. O inquérito foi encerrado com despacho de arquivamento relativamente a tal crime.

4. Resultou para o MP., que os autos deveriam ser arquivados "por não existirem indícios suficientes que permitam imputar tais factos a qualquer um dos arguidos." "É que nos termos da Lei há indícios suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (cfr. art.s 283° n02 do CPenal)", o que no entender do M.P. não se verifica.

5. Fundamentando a sua decisão argumentando que, "os arguidos negaram os factos que são imputados e apresentaram versões diferentes dos mesmos, afirmando, em suma, terem sido vítimas e não agressores".

6. Entendeu pois o M.P. que, "suficientemente indiciado está apenas que os três ofendidos/arguidos se envolveram fisicamente, tendo sofrido lesões. Porém as lesões examinadas nos relatórios de exames médico só por si nada esclarecem quanto à dinâmica da contenda." 7. Decidiu por isso, arquivar o inquérito por ficar com dúvidas "sobre quem agiu com animus ofendendi e quem agiu com animus defendendi". Afirmando que, "nos autos não existe qualquer prova susceptível de superar tal dúvida".

8. Salvo o devido respeito discordamos de tal decisão.

9. Desde logo, as versões dos ofendidos/arguidos não são contraditórias, isto porque, os ofendidos/arguidos B...e C...têm versões que em nada são contraditórias bem pelo contrário e até se complementam.

10.Os dois são bem claros ao afirmar que foram agredidos pelo arguido/ofendido A....

11.Ambos explicaram de forma precisa como tudo se passou, tendo esclarecido a dinâmica da contenda.

12. A única contradição que se verifica é entre o teor das declarações dos ofendidos/arguidos B... e C... e as do arquido/ofendido A..., o que já era expectável.

13. No entanto, a versão do arguido A..., se confrontado com o relatório médico-legal não procede, 14. De facto, este apenas refere que a ofendida o terá agarrado pelas mãos, não tendo este reagido, 15. Ora, considerando tais declarações, como se explicam as lesões sofridas pela ofendida, concretamente, a existência um hematoma peri orbitário esquerdo e a lesão da córnea por traumatismo, lesões estas contantes do relatório médico-legal e do relatório do episódio de urgência do dia dos factos, que se junta como doc.2.

16. Para além disso, consta do relatório que as lesões apresentadas são compatíveis com a versão dos factos apresentada pela ofendida, 17. Assim, para além das declarações dos arguidos/ofendidos, que em nada são contraditórias, 18. Temos também os relatórios médico-legais que se analisados mais pormenorizadamente e confrontados com as declarações de todos os intervenientes na contenda, permitem retirar conclusões acerca da dinâmica da mesma, 19. Sobretudo se apreciadas as capacidades físicas e a robustez de cada um dos arguidos e ofendidos, 20. Desde logo, a ofendida, na altura dos factos, era uma mulher de 64 anos de idade, com dificuldades de locomoção, que tinha sido sujeita a uma cirurgia há relativamente pouco tempo, ainda necessitando, na altura, de repouso, estando débil fisicamente, 21.Já o arguido A..., era um jovem de 23 anos de idade, militar, de grande robustez e destreza física, 22. Portanto, com muita mais força e maior desteridade física, do que a ofendida, 23. Tal diferença de capacidades físicas não nos parece terem sido tomadas em conta pelo MP.

24. Para além disso, existe também o relatório médico da ofendida referente ao episódio de urgência do dia em que ocorreram os factos denunciados elaborado pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra EPE Hospitais da Universidade de Coimbra (que se junta como doc.2), o qual, juntamente com o relatório médico-legal existente nos autos permite aferir sobre quem agiu com o animus ofendendi e quem agiu com animus defendendi, 25. Sendo certo que o teor das declarações do arguido e da ofendida são incompatíveis, decorre da lógica e das regras da experiência comum, a forte probabilidade de as lesões apresentadas por aquela terem sido consequência da agressão perpetrada pelo arguido.

26. Assim, em sede de análise crítica da prova colhida em sede de inquérito, conjugada com as regras da experiência comum e relatório médico-legal, deveria ter sido considerado suficientemente indiciado que o arguido agrediu a assistente e consequentemente provocou-lhe as lesões descritas no relatório médico.

27.Quanto às regras de experiência comum importa dizer que, se bem que elas não constituem uma premissa genérica e abstrata que permita todas as conclusões antes obrigam a que se parta de factos conhecidos, objetivados em meios de prova controláveis e delimitados por regras de lógica cartesiana para se alcançarem essas conclusões, a prova colhida, através do relatório clínico conjugado com a versão inverosímil do arguido quanto à dinâmica dos factos conjugada ainda com a versão dos outros dois ofendidos/arguidos obriga a concluir segundo aquelas regras, que o arguido A... efetivamente agrediu a ofendida.

28.Assim, conjugada a prova pericial recolhida, o depoimento da ofendida e também o depoimento do ofendido/arguido C..., fica que as declarações do arguido não podem sustentar a versão que apresentou.

29. Para além disso, o MP sustenta a sua decisão de arquivar o inquérito por ficar com dúvidas "sobre quem agiu com animus ofendendi e quem agiu com animus defendendi", sendo que em julgamento não seria previsível a aplicação de uma pena.

30. Também quanto a este ponto temos de discordar do entendimento do MP.

31. Com efeito, a legítima defesa tem por requisitos, como claramente decorre do texto legal (art.32°, do Código Penal), a ocorrência de uma agressão, "devendo esta ser actual, isto é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente (a iminência da agressão afere-se, habitualmente, pela ocorrência de situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de actos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o acto agressivo, isto é, a agressão), ilícita, ou seja, não ter o agressor direito a infligir ou a praticar a agressão, independentemente do facto de aquele se comportar dolosa mente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável (- Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado (8a edição - 1995), 277, Eduardo Correia, Direito Criminal (1971) II, 46 e H. Jescheck, ibidem, 306.), só evitável ou neutralizável através de uma acção ou acto de defesa, acto que, atenta a sua função, qual seja a de impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios, suficientes para evitá-Ia ou neutralizá-Ia, consabido que em consequência desse acto ir-se-ão atingir bens ou interesses do agressor, para além de que a legítima defesa não é nem pode redundar numa acção punitiva, a ela se encontrando subjacente o princípio do maior respeito pelo agressor (- Cf. Jescheck, ibidem, 308.)".

32.A situação de legítima defesa implica que a acção de defesa se apresente como necessária para repelir a agressão, exigindo-se que o defendente só utilize o meio considerado necessário, no momento e segundo as circunstâncias concretas...

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