Acórdão nº 6213/08.0TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Data17 Dezembro 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório: A) - 1) – C…, nascida a 26/12/1995, representada pelos seus pais, H… e S…, intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, contra a “Companhia de Seguros T…, S.A.”, com sede em …, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação desta Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 228.772,00, o valor que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente a cirurgias, tratamentos, deslocações a efectuar, bem como € 1.972 euros de deslocações e € 1.800 de perdas salariais de sua mãe (acrescidos de juros de mora, desde a citação), alegando, em síntese, que o pedido indemnizatório que formula destina-se a ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais que resultaram do acidente de viação de que foi vítima e que consistiu no seu atropelamento pela viatura automóvel de matrícula …-TQ, então segurado pela Ré “T…, S.A”, acidente esse ocorrido em 16/12/2005, e cuja culpa exclusiva imputou ao condutor do referido veículo.

2) - A Ré “T…, S.A.”, contestando, defendeu-se, entre o mais, por impugnação, alegando, designadamente: - Que o acidente se deveu, exclusivamente, à conduta da menor C…, que começou a travessia da estrada, desatenta e em correria, não podendo o condutor do veículo seguro ter ser evitado o embate; - Quanto aos danos, diz, além do mais, serem excessivos os montantes peticionados, sustentando, ainda, que há pedidos que respeitam exclusivamente aos representantes da Autora; 3) - O “Centro Hospitalar de Coimbra EPE, veio demandar a Ré “T…, S.A.”, em acção declarativa, que depois veio a ser apensa, pedindo o pagamento da quantia de € 7901,87, ampliada posteriormente para € 9562,10, acrescida de juros moratórios a contar desde a citação à taxa legal até integral pagamento, alegando, em síntese, que o peticionado representava os custos dos cuidados de saúde que prestara à lesada em consequência do acidente.

4) - A Ré defendeu-se dizendo que, pelos motivos já acima referidos, o seu segurado não tivera qualquer responsabilidade pelo acidente em causa.

5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, com decisão respondendo à matéria da base instrutória, vindo a ser proferida sentença, em 01/10/2013, na parte dispositiva da qual se consignou: “…decide-se:

  1. Condenar a R. a entregar à A. C… a quantia de cento e quarenta mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal e a contar da data da presente decisão; b) Absolver a R. do demais peticionado pela A. C…; c) Condenar a R. no valor que se vier a liquidar por operações cirúrgicas para corrigir a ptose e o estrabismo, e ao nível de ortopedia relacionada com o encurtamento do membro inferior direito; d) Condenar a R. a entregar à A. Centro Hospital de Coimbra E.P.E. a quantia de nove mil quinhentos e sessenta e dois euros e dez cêntimos, acrescida de juros de mora desde a citação sobre a quantia de €4.589,96, e no mais desde a data de cada notificação da R. relativamente a cada quantia ampliada à taxa legal até efetivo e integral pagamento; B) - 1) - Inconformada com o assim decidido, a Ré “Companhia de Seguros T…, S.A.”, a finalizar a alegação do recurso que interpôs - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceu as seguintes conclusões: … 2) - A Apelada, na resposta que apresentou, entre o mais, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

    3) - O Relator, por despacho de 19/05/2014, dizendo afigurar-se-lhe que a Recorrente não havia indicado com exatidão as passagens da gravação em que fundava o seu recurso quanto à matéria de facto, pelo que seria de rejeitar o recurso nessa parte, ordenou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo.

    4) - A Apelante, através de requerimento que deu entrada em juízo em 05/06/2014 (entrando o original em 06/06/2014), veio, em síntese, dizer que tinha indicado ”…todos os elementos que das actas e do CD constavam quanto aos depoimentos prestados e que pretende ver reapreciados, mais não lhe podendo ser exigido.”, defendendo dever ser admitido e apreciado o recurso interposto.

    Com esse requerimento juntou “três depoimentos transcritos” (são os depoimentos das testemunhas …).

    5) - A Apelada pugnou pela rejeição do recurso atendendo ao incumprimento da Recorrente quanto à indicação exata das passagens dos depoimentos em que se fundava.

    6) - Por despacho de 10/07/2014, o relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados.

    7) - A Apelante veio apresentar reclamação desse despacho, requerendo que a mesma fosse apreciada em Conferência e julgada procedente, admitindo-se o recurso sem limitações.

    Em síntese e para além daquilo que já defendera, diz não haver, no caso, “dispensa da audição completa dos depoimentos indicados” e que, salvo melhor opinião, “…ao transcrever os excertos considerados relevantes cumpre a exigência da exacta das passagens dos depoimentos em que se funda o recurso”. Acrescenta, ainda, que, para além disso, juntou “os depoimentos transcritos e assinaladas as passagens da matéria de facto”. Julga-se que, quanto a este último ponto, com a afirmação de que as passagens foram assinaladas, a Apelante reporta-se às transcrições juntas após o despacho de 19/05/2014, com o aludido requerimento de 05/06/2014, e ao sublinhado a cor amarela “florescente”, de alguns trechos dessas transcrições.

    8) - A Apelada veio reiterar a posição que já antes assumira e salientar que, terminando o prazo do recurso em 05/01/2014, as transcrições em causa só foram juntas em 05/06/2014; 9) - Por despacho do relator foi determinado que a apreciação da reclamação em causa se faria no acórdão que julgasse o recurso, nos termos do nº 4 do artº 652º do novo CPC.

    1. - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

      Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863)[2].

      Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso, para além das atinentes à aludida reclamação da rejeição da impugnação da matéria de facto e à verificação da existência das nulidades de sentença que a Apelante invoca, consiste em saber se, em face da factualidade provada, é de alterar, no sentido defendido pela Recorrente, o decidido na sentença da 1ª Instância.

      II - Fundamentação:

    2. Os factos.

      … 2) - Na decisão em que o Relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos, escreveu-se, a fundamentá-la:[3] «… Nas alegações do recurso que interpôs dessa sentença, a Ré, entre o mais, pediu a reapreciação da matéria de facto, pugnando para que esta Relação, dando como provados os artigos 1.º, 51.º, 55.º, 57.º, 67.º e 68.º da Base Instrutória, alterasse o decidido pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.

      Tendo a prova produzida em julgamento sido objecto de registo, através de gravação áudio, a Recorrente, para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnou pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, do depoimento da testemunha …, que a Apelante referiu estar gravado em Habillus Media Studio, no dia 08 de Janeiro de 2013, com início de gravação às 10:43:26 e fim de gravação às 11:18:01., e do depoimento da testemunha …, que a Apelante refere com início de gravação às 10:16:26 e fim de gravação às 10:42:42.

      Desses depoimentos, cuja reapreciação requereu, a Apelante reproduziu os trechos que entendeu relevantes para alcançar o apontado desiderato.

      Afigurando-se que a Recorrente não procedera à indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, pelo que seria de rejeitar o recurso, no que concerne à alteração da matéria de facto fundada nos depoimentos das testemunhas, cumpriu-se o contraditório, tendo a Apelante vindo defender que cumprira “escrupulosamente, todos os requisitos dos recursos para a impugnação da matéria de facto”, enquanto que a Apelada veio pugnar pela rejeição do recurso, na vertente ora em causa.

      Vejamos.

      Sendo aplicável ao caso “sub judice” o Novo Código de Processo Civil[4], aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, dado que foi já na vigência desse Código que foi proferida a decisão impugnada, estabelece o seu artº 662º, nº 1, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

      Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC). Por...

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