Acórdão nº 217/11.2TBRSD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução21 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

J...

e mulher, A...

(AA. e aqui Apelantes, face à improcedência da acção) demandaram M...

e marido, C...

(RR. e ora Apelados), formulando os seguintes pedidos: “[…] a) Declarar-se os AA. legítimos proprietários do prédio urbano identificado no artigo 1º desta p.i.[[1]], condenando-se os RR. ao reconhecimento desse direito; b) Condenar-se os RR. a tapar as janelas mencionadas nos artigos 13 a 19[[2]] ou a transformarem-nas em frestas ou janelas gradeadas com observância do preceituado nos artigos 1363º [e 1364º] do Código Civil; […]”.

1.1.

Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção, no que tange à questão das janelas[3].

1.2.

A acção foi julgada no sentido de uma improcedência parcial pela Sentença de fls. 204/215 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, referindo-se a parte da procedência ao reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio e a improcedência – a asserção decisória contestada neste recurso – ao elemento central da acção: o pedido de eliminação das janelas ou de regressão destas à condição de frestas ou à de janelas gradadas.

1.2.1.

A este respeito, por encerrar a ratio decidendi da Sentença quanto ao mencionado elemento de improcedência da acção, é útil transcrever aqui o seguinte trecho expositivo final da decisão recorrida (consta ele de fls. 214 e antecede exactamente o pronunciamento decisório): “[…] O objecto do direito real de servidão não é a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela em condições de se poder ver e de o devassar, independentemente da concretização dessa usufruição, o que significa que o corpus da posse se reconduz, na espécie, à existência da janela em infracção do que se prescreve no artigo 1360º, nº 1 do Código Civil.

Ora, no caso vertente, importa considerar que os RR. são titulares do direito de propriedade mencionado sob o facto 2.

Acresce resultar dos factos provados, por um lado, que no primeiro piso daquele prédio estão situadas duas janelas que deita[m] directamente para o prédio dos AA., das quais podem olhar em frente e desfrutar de luz natural e de arejamento.

Assim, temos que os RR. mantêm abertas no seu prédio duas janelas que deitam directamente para o prédio dos AA., não existindo qualquer espaço entre os dois prédios, em quadro de violação do disposto no artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, há pelo menos vinte e quatro anos, de forma pacífica, contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.

A conclusão, ao invés do alegado pelos AA., é no sentido de que os RR. adquiriram o direito de servidão de ar e de luz em causa por virtude de usucapião, ou seja, por via do que outrora era designado por prescrição aquisitiva.

[…]”.

1.3.

Inconformados com este elemento de improcedência da acção, apelaram os AA. concluindo o seguinte a rematar a motivação do recurso adrede apresentada: “[…] II – Fundamentação 2.

Caracterizámos sucintamente o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso. Importa agora apreciar a impugnação dos Apelantes, sendo que o âmbito objectivo desta se mostra delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [v., a propósito da referenciação dos fundamentos do recurso às conclusões, os artigos 635º, nº 4 e 639º do Código Processo Civil (CPC)]. Assim, fora das conclusões, só podem integrar o objecto temático de um recurso questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição no quadro de um recurso sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação em abstracto do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àquelas (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

2.1.

Analisando as conclusões constatamos pretenderem os AA., aqui na posição de Apelantes, primeiramente (a), a reapreciação da matéria de facto (nos termos do nº 1 do artigo 662º, nº 1 do CPC) em determinado trecho correspondente aos factos não provados (infra item 2.2.1. deste Acórdão, estando em causa os pontos 1, 2 e 3 desse elenco). Com ou sem essa alteração, pretendem adicionalmente os AA., no que constitui um segundo fundamento do recurso (b), obter um julgamento-outro da acção (uma outra aplicação do Direito) que conduza à procedência da respectiva pretensão de tapar ou de fazer regredir as duas aberturas no prédio dos RR., cuja natureza é a de janelas, à situação de frestas ou de janelas gradadas, por referência às características de umas e outras indicadas, respectivamente, nos artigos 1363º e 1364º do Código Civil (CC).

Vale, no quadro deste fundamento do recurso, a consideração das aberturas (das janelas) discutidas nesta acção, existentes no prédio dos aqui RR., como não tendo adquirido um estatuto correspondente a servidão de vistas, nos termos do artigo 1362º do CC. Note-se que o tratamento nesta instância desta última questão operará encarando-a nós como questão de direito – relativamente à qual esta Relação actua no quadro do artigo 5º, nº 3 do CPC –, verificando se, face aos factos a considerar, mesmo que estes factos sejam – só sejam – os positivamente fixados na primeira instância, essa servidão de vistas pode ser considerada constituída e, por essa via, bloquear o direito aqui pretendido fazer valer pelos AA., como foi entendido em primeira instância.

Estamos a delimitar as questões cuja apreciação é referida a esta Relação pelo recurso dos AA. Ora, nesta delimitação teremos em conta que os Apelantes suscitam a apreciação da construção jurídica empreendida pelo Tribunal a quo, sendo que esta passa pelo entendimento de ser possível combinar (assim analisamos o percurso argumentativo da primeira instância) um prazo de usucapião considerado insuficiente em anterior acção, completando-o agora com o tempo decorrido desde essa acção até à propositura da presente acção, fazendo descaso do acto de citação dos aqui AA. que ocorreu nessa outra acção – fazendo descaso, como demonstraremos neste Acórdão ter ocorrido com a Sentença apelada, do regime da usucapião decorrente dos artigos 323º, nº 1 e 326º, nº 1 do CC.

É isto o que, melhor ou pior explicado pelos Apelantes, está em causa na apelação. 2.2.

Encaremos, pois, os factos positivamente fixados na primeira instância: “[…] 2.2.1.

Entretanto, existe uma incidência de facto, decorrente dos pontos 14 e 15 do elenco acabado de transcrever, que esta Relação deve considerar – o mesmo, aliás, sucedia com a primeira instância – no quadro da projecção do efeito de caso julgado formado no âmbito do processo referido no indicado ponto 14 (a acção sumária nº ..., interposta em 11/02/2004) e no quadro de outras incidências geradas nessa acção, exteriores ao caso julgado mas que afectam a estruturação do direito aqui pretendido fazer valer pelos AA. Referimo-nos concretamente ao somatório de circunstâncias decorrentes do pronunciamento judicial que aí formou caso julgado, consubstanciando-se este no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/05/2009... E referimo-nos a outras incidências desse processo, sendo relevante sublinhar aqui que se intui – melhor dizendo, temos a certeza – ter ocorrido nesse outro processo a citação dos aí RR. (que são os aqui AA.), em data imprecisa de 2004, data esta que, no entanto, é determinável, no contexto da presente acção, com uma grande aproximação[4].

Referimos esta incidência de facto (facto processual lhe podemos chamar), à qual atribuímos um papel central na economia decisória desta apelação, adiantando valer tal incidência no quadro da actuação, quanto ao decurso de um prazo de usucapião que estivesse em causa – que estivesse em curso – no contexto dessa anterior acção, do artigo 323º, nº 1 do CC (aplicável à usucapião/prescrição aquisitiva ex vi do artigo 1292º do CC), depois projectado nos artigos 326º, nº 1 e 327º, nº 1 do mesmo Código[5]. 2.2.2.

De qualquer forma, quanto a factos, retomando o fio à meada destes, os considerados não provados na decisão de primeira instância foram os seguintes: “[…] 1.

As obras das duas janelas não foram autorizadas pela Câmara Municipal de ...

  1. Os AA. sempre se opuseram à abertura das duas janelas e que devido a essa oposição, os AA., durante o mês de Dezembro de 2002, iniciaram a construção no seu prédio de um edifício com destino a arrumos.

  2. Desde sempre que os AA., por diversas vezes, vêm solicitando aos RR. para, procederem à eliminação da janelas identificadas em 3.º ou que procedam ao seu gradeamento.

    2.3. (a) Neste primeiro fundamento do recurso (primeiro fundamento dos dois enunciados acima no item 2.1. deste Acórdão) referem-se os Apelantes aos factos, estando em causa a não prova – a consideração nesses termos pela Sentença apelada – das três asserções presentes no item anterior (todos os factos que a Sentença declarou não provados), correspondendo essas asserções a matéria alegada pelos AA., impugnada pelos RR. e recolhida, na estruturação da acção que aqui se aplicava na fase condensatória, nos pontos 5º a 7º da base instrutória[6].

    Ora, recuperando agora o que anteriormente referimos no item 2.2.1. deste Acórdão, deixamos aqui nota da irrelevância de uma hipotética alteração ao elenco dos factos não provados, designadamente passando todos os indicados como tal na Sentença, como pretendem os Apelantes, para o rol dos factos provados. Com efeito, existindo – rectius, sobrepondo-se – um fundamento que é operante na economia decisória desta acção...

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