Acórdão nº 3486/12.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M... impugna, por recurso ordinário de apelação a sentença, proferida no dia 4 de Julho de 2014, pela Sra. Juíza de Direito do 2º Juízo Cível da Comarca de Leiria, que julgando improcedente a acção declarativa constitutiva, com processo comum, ordinário pelo valor, que propôs contra N..., Lda., manteve – por falta de verificação de causas de anulação - a decisão arbitral, proferida no dia 22 de Maio de 2012, no processo nº ..., no Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, que o condenou a pagar à última a quantia de € 449.079,78 e no pagamento da totalidade dos encargos da arbitragem devidos, nos termos do artº 46 e ss. do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

O recorrente – que pede no recurso a revogação desta sentença e a sua substituição por acórdão que proceda à anulação, com as legais consequências, da decisão arbitral – encerrou a sua alegação com esta constelação de conclusões: ...

A apelada, na resposta ao recurso, concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: ...

    20 – Da decisão arbitral referida em 19. consta a seguinte referência quanto à prova dos factos inicialmente não admitidos por acordo (FNAA): ...

    21 – É o seguinte o teor do segmento decisório da decisão arbitral referida em 19: O Demandado obrigou-se, no contrato-promessa e no contrato prometido, nomeadamente por remissão para aquele, a vender a H..., SA (de aqui em diante que também se identifica apenas por H...) a totalidade das unidades de participação do Fundo I... logo que fosse aprovado pela CML o projeto de arquitetura referente ao hotel.

    A Demandante adquiriu da H..., SA os direitos que para esta resultavam do contrato-promessa e, obviamente, também do contrato prometido e, como tal, foi reconhecida a sua legitimidade para a presente ação arbitral.

    O referido Fundo adquiriu do requerente original dos processos nºs ... – os respetivos direitos.

    Os processos em questão visavam, respetivamente, a obtenção de licença de loteamento/emparcelamento de quatro prédios urbanos, situados na zona histórica da cidade de Lisboa, que se encontram descritos no número 23B da peça FAA, e a obtenção de licença de obra de edificação a efetuar sobre a unidade predial que resultasse da junção dos mesmos, com vista à construção de um hotel.

    Isto porque, de acordo com a lei reguladora da tramitação e provação dos referidos processos em vigor à época - Decreto- Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na versão alterada e republicada pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, que estabelecia o regime jurídico da urbanização e da edificação, doravante RJUE - o emparcelamento consubstanciava um loteamento (alínea i) do art.º2º do RJUE) e como tal estava sujeito às respetivas regras procedimentais e substantivas.

    Daí resulta que os pedidos correspondentes aos processos antes referidos, com os nºs ..., embora tenham sido apresentados simultaneamente, visavam operações, cronológica e operacionalmente, diferentes no processo de licenciamento municipal.

    O projeto de arquitetura, cuja aprovação é considerada no contrato-promessa como condição para a celebração do contrato definitivo, integrava o processo nº ... que tinha como objeto o licenciamento da obra de edificação do hotel.

    No entanto, tratando-se de uma obra de edificação destinada a ser erigida sobre quatro unidades prediais distintas, de acordo com o regime jurídico então vigente e acima mencionado, a aprovação do referido projeto, conducente ao seu ulterior licenciamento, estava condicionada à prévia junção dos vários prédios urbanos em causa para constituir uma única unidade predial, o que, como se disse, ao tempo só era possível através do licenciamento de uma operação de loteamento titulado pelo respetivo alvará.

    Não obstante os processos “URB” referente ao loteamento e “EDI” respeitante à edificação terem dado entrada simultaneamente, eventualmente por razões de celeridade procedimental, o que é facto é que a decisão final do segundo apenas pode ocorrer depois de decidido favoravelmente o primeiro.

    E mais, para que o processo “EDI” possa ser licenciado, o processo “URB”, não só deve estar favoravelmente decidido através do ato administrativo que consubstancia a licença de loteamento, como deve ter sido obtido o correspondente alvará que o titula, uma vez que será este que possibilita, à luz do regime vigente, o registo da constituição de uma nova unidade predial por via do emparcelamento dos quatro prédios pré-existentes. Tal decorre do facto da operação de transformação fundiária resultante de loteamento ser sujeita a registo (art.º 2º, nº1, alínea d) do Código do Registo Predial (CRP), na versão vigente ao tempo dos factos, e dever estar suportada para o efeito em documento que legalmente o comprove (art.º43º, nº 1 do CRP), sendo certo que a versão então aplicável do art.º 54º do CRP estabelecia expressamente que “o registo de autorização de loteamento para construção é feito com base no alvará respectivo, com individualização dos lotes”.

    E isto é compreensível e irrefutável, dado que o projeto de arquitetura respeitava e tinha por objeto um, e único, imóvel, e não quatro imóveis.

    Se assim não fosse, teriam que ter sido apresentados quatro projetos de arquitetura para recuperação/transformação/ampliação de quatro edifícios distintos, logo, quatro processos de licenciamento de obra de edificação, facto que não era concebível quando se pretendia a construção de uma única edificação destinada a hotel.

    Deste modo, independentemente do facto dos processos “URB” e “EDI” terem sido analisados em paralelo nos serviços camarários, o segundo estava dependente do primeiro, e a aprovação do projeto respeitante à edificação viu os seus efeitos condicionados ao licenciamento, devidamente titulado pelo alvará, referente ao loteamento/emparcelamento. De tal modo que, se, por hipótese, o loteamento não viesse a ser licenciado, o ato que aprovou a arquitetura jamais produziria qualquer efeito, já que se trata de um trâmite num processo tendente à obtenção de uma licença que tem por objeto uma operação urbanística incidente sobre um único prédio que, sem alvará de loteamento registado, não chegaria juridicamente a ser constituído. Ou seja, sem o loteamento licenciado, objeto do “URB”, o projeto de arquitetura aprovado no “EDI” não teria validade, por carecer de objeto juridicamente existente.

    Daqui decorre que, para que o projeto de arquitetura pudesse produzir efeitos, conduzindo, após a apresentação dos projetos das especialidades, à licença e subsequente emissão do alvará indispensável para dar início à construção, seria necessário obter o licenciamento do loteamento/emparcelamento, sendo certo que é este que está associado à liquidação dos encargos respeitantes às compensações urbanísticas, no montante de 449.079,78 euros, tal como decorre do doc. nº 7 da Resposta.

    Ora, o fundamento para a exigência de compensações urbanísticas, nos termos do art.44º, nº 4 do RJUE, tem por pressuposto a obrigatoriedade do proprietário do prédio a lotear ceder gratuitamente ao município parcelas para a implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas. Diz a lei que, se o prédio a lotear (no caso, por via do emparcelamento) já estiver servido por infraestruturas e não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde público, não há lugar a cedências, ficando o proprietário obrigado a pagar uma compensação ao município nos termos fixados em regulamento municipal respetivo.

    Na mesma linha dispõem os art.º 120º e 121º do PDM de Lisboa (Resolução do Conselho de Ministros nº 94/94, de 29 de Setembro de 1994), no qual se desenvolvem os parâmetros de dimensionamento das cedências a aplicar em cada caso e que servem de base de cálculo ao apuramento das compensações respetivas. Assim, tratando-se de um loteamento por emparcelamento e não desconhecendo o proprietário que não estavam previstas cedências de terreno para os fins citados, não poderia o ora Demandado, sócio e gerente da requerente dos processos e titular das unidades de participação do Fundo, ignorar que à transformação fundiária proposta e indispensável para possibilitar a edificação subsequente estariam associados encargos referentes às citadas compensações urbanísticas por falta de cedências.

    Por sua vez, o Edital nº 122/93, publicado no Boletim Municipal n.º 16754, de 15 de Novembro de 1993, que constituía, ao tempo dos factos, o Regulamento das Compensações Urbanísticas e que previa a fórmula de cálculo a aplicar aos projetos, dizia expressamente, no seu art.º 5º, que a Câmara Municipal procederá à liquidação e cobrança da compensação aquando da emissão do alvará de loteamento.

    Do exposto não restam, pois, dúvidas que a compensação urbanística é um encargo da operação de loteamento/emparcelamento, consubstanciado no processo ..., sendo certo que, conforme estabelece o art.º 74º do RJUE, o alvará é condição de eficácia da respetiva licença que, por sua vez, depende do pagamento da compensação urbanística liquidada no processo administrativo respetivo.

    É certo que a CML podia ter exigido, igualmente, o pagamento da TRIU que ela calculou no montante de 226.907,10 euros.

    Todavia, tal não foi o caso, dado que apenas notificou o interessado no processo para o pagamento da compensação urbanística devida no processo nº ..., conforme se vê do doc. nº 21 do Requerimento Inicial, deixando para decisão posterior o momento da exigência do pagamento da TRIU. Efetivamente, a TRIU tanto pode ser exigida como condição da emissão do alvará de loteamento/emparcelamento, como da emissão do alvará de licenciamento da construção, nos termos do disposto no artigo 116º, nº 2 e 3 do RJUE e nos artº1º, nº 1 e art.º 2º do Edital nº 269/91, com as alterações introduzidas pela Deliberação 20/AM/2003, que estabelece o Regulamento da...

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