Acórdão nº 2186/14.8TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. Caixa Geral de Depósitos, SA, com sede em Lisboa, intentou execução para pagamento de quantia certa contra E (…) e F (…) , residentes em Souselas, pedindo o pagamento da quantia de 24.038,41 €. Sustentou tal pedido em contrato de mútuo subscrito pela executada, e pelo executado, enquanto fiador, em 13.10.2006. O documento que titula o empréstimo é título executivo, à sombra do art. 703º, d), do NCPC, e art. 9º, nº 4, do DL 287/93, de 20.8. Juntou, uma cópia do contrato de mútuo com fiança.

* Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a presente acção executiva, por se ter considerado que o documento apresentado pela exequente não se mostra revestido de força executiva, nos termos do art. 726º, nº 2, a), do NCPC.

* 2. A exequente interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: A.

A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido liminarmente a acção executiva instaurada por entender que “o documento particular apresentado pela exequente não se mostra revestido de força executiva – cfr. artºs 726, nº 2, al. a) do Novo Código de Processo Civil”.

B.

A recorrente deu à execução, como título executivo, documento particular que importa a constituição e o reconhecimento de obrigações, ou seja, documento não exarado ou autenticado por notário ou por outras entidades profissionais com competência para tal, integrando-se assim na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 703º do CPC.

C.

Salvo o devido respeito, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo do artigo 703º conjugada com o 726º n.º 2 a) do NCPC, segundo o qual os credores que viram reconhecido o seu crédito mediante documentos particulares, constituídos em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, e que eram então dotados de exequibilidade, com a entrada em vigor do novo CPC, viram aqueles documentos perder a sua exequibilidade é inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica e violação do princípio constitucional da confiança que integra o princípio do Estado de Direito Democrático, previstos no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

D.

O princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, “censura normas dotadas de eficácia retroactiva, autêntica e inautêntica, que, sacrificando, interesses legalmente protegidos (e direitos fundamentais), não sejam previsíveis e sejam portadoras de uma oneração excessiva que frustre legítimas expectativas dos seus titulares na continuidade dos regimes onde se sustentou a constituição desses direitos e interesses” (v. Ac. do TRL de 26/03/2014, proc. nº 766/13.8TTALM.L1-4, em www.dgsi.pt).

E.

Pelo que, a actuação do Estado deve ter presente e objectivar-se para que haja um mínimo de certeza no direito das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, logo, a norma que elimina os documentos particulares do elenco dos títulos executivos viola de forma onerosa as expectativas criadas (v. a este respeito, Maria João Galvão Teles, “A reforma do Código de Processo Civil: A supressão dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos”, Julgar on line, 2013).

F.

Com efeito, “uma nova lei não pode frustrar de forma intolerável ou arbitrária as expectativas dos cidadãos que haviam sido criadas por uma anterior tutela conferida pelo direito, sob pena de ser considerada inconstitucional por violação do princípio constitucional da confiança que integra o princípio do Estado de Direito Democrático” (v. Ac. do TRE de 27/02/2014, proc. nº 374/13.3TUEVR.E1, em www.dgsi.pt).

G.

No mesmo sentido o Ac. do TRL de 26/03/2014, proc. nº 766/13.8TTALM.L1-4, em www.dgsi.pt, segundo o qual : “Os credores que viram reconhecido o seu crédito mediante documentos particulares, constituídos em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, e que eram então dotados de exequibilidade, ganharam a legítima expectativa da tutela desses créditos, tutela essa conferida pelo CPC de 1961, daí que a aplicação retroactiva do disposto no art. 703º do CPC constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas” ( H.

Deste modo, a eliminação dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos constitui uma clara alteração no ordenamento jurídico que não era previsível, uma vez que, quando a recorrente celebrou o contrato dado à execução, o documento particular era dotado de exequibilidade, não estando por isso a recorrente a contar com a alteração da ordem jurídica, através da qual o documento particular perderia a sua exequibilidade.

Acresce que, I.

Ponderadas as razões de interesse público de retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos com as legítimas expectativas individuais geradas pelo ordenamento jurídico, prevalecem os interesses particulares, conforme entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Évora de 27/02/2014: É que pesando as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim, diremos que o sacrifício das expectativas jurídicas criadas é demasiado oneroso para justificar os fins pretendidos com a alteração da ordem jurídica. Uma alteração da ordem jurídica que sacrifique legítimas expectativas de particulares juridicamente criadas só faz sentido e só pode ser admitida quando valores mais elevados de razões da maior importância para a sociedade, justificando-se, então, o sacrifício de alguns em prol do colectivo”.

J.

Sem prejuízo do que vem dito, o documento dado à execução pela recorrente estaria dotado de uma “situação de privilégio” por força do artigo 9º, n.º 4 do DL nº 287/93, que ao contrário do que entende o doutro Tribunal a quo, ainda se encontra em vigor.

K.

Com efeito, “o legislador manteve inalterada a qualidade de título executivo dos documentos particulares que constituam título executivo por disposição especial de lei. São os chamados títulos executivos judiciais impróprios, particulares e administrativos” (v. Ac. do TRL de 26/06/2014, proc. nº 833/14.0TBVFX.L1).

L.

Aliás, o artigo 4º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que determina os diplomas revogados com a...

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