Acórdão nº 2109/14.4TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução20 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O Sr. Juiz de Direito do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, julgou procedente, por decisão de 25 de Julho de 2014, o procedimento cautelar comum promovido por T…, SA contra A…, revisor oficial de contas e presidente da mesa da assembleia geral da requerente – cujo contraditório dispensou – e: a) Declarou que o referido J… possui um conflito de interesses para com a requerente e que, por isso, não poderá ocupar cargo no Conselho de Administração; b) Determinou que fosse notificado o requerido, na qualidade de presidente da Assembleia Geral da requerente para não aceitar a indicação de J… pra integrar o Conselho de Administração da Requerente, enquanto se mantiverem pendentes as acções judiciais entre este e a Sociedade.

E esta sentença que é impugnada através do recurso ordinário de apelação, interposto por requerimento apresentado por via electrónica no dia 13 de Agosto de 2014, não pelo requerido - dela notificado por carta registada, cujo aviso de recepção foi assinado no dia 28 de Julho de 2014 - mas por J…, no qual pede a revogação dela.

O recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: … O recorrente, por requerimento apresentado por via electrónica no dia 14 de Agosto, requereu a junção de 4 documentos que, por lapso, não anexara ao requerimento de interposição e à alegação do recurso.

Na resposta ao recurso, a apelada – depois de observar que o recorrente não preenche os requisitos da legitimidade para recorrer e não justificou a junção de documentos – concluiu pela improcedência dele.

O Sr. Juiz de Direito admitiu o recurso.

  1. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso concluiu pela prova indiciária dos factos – ou que como tal foram considerados - seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Maneira que, em face do conteúdo da decisão impugnada e da alegação tanto do recorrente como da apelada, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se: a) O recorrente é ou não dotado de legitimidade ad recursum; b) Deve admitir-se a junção dos documentos apresentados pelo recorrente na instância do recurso; c) A decisão impugnada foi proferida com ofensa do direito do recorrente ao contraditório; d) Se verificam os pressupostos de que a lei faz depender o decretamento da providência; e) A providência deve considerar-se injustificada e a requerente constituída no dever de indemnizar os danos suportados pelo recorrente com o seu decretamento.

    A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, dos critérios de aferição da legitimidade para recorrer, do conteúdo do princípio do contraditório e dos pressupostos de decretamento das providências cautelares não especificadas - problema que, por sua vez, reclama a ponderação, mesmo que breve, do conteúdo dos deveres dos administradores das sociedades comerciais anónimas – e da constituição do requerente da providência no dever de reparação dos danos causados ao requerido com o decretamento da providência.

    3.2.

    Legitimidade ad recursum do recorrente.

    Qualquer objecto processual – individualizado pelos elementos referidos ao pedido e à causa de pedir – possui um determinado âmbito subjectivo, dado que qualquer objecto do processo respeita a determinados sujeitos. De harmonia com uma concepção material – caracterizada pela unidade ou coincidência entre o direito subjectivo e o direito de acção - as partes processuais coincidem com os titulares activos ou passivos da res in iudicium deducta. Todavia, como corolário de uma evolução complexa, a qualidade de parte deixou de ser aferida através da sua relação com o objecto da causa, pelo que é em função das próprias partes que se define aquilo que pode ser discutido na acção. Assim – e de acordo com concepção formal de parte – basta a circunstância de a parte pretender obter contra outro sujeito uma qualquer forma de tutela jurisdicional, para lhe atribuir a qualidade de parte processual (artº 30 do nCPC). Mas isso não obsta evidentemente que a lei conceda relevância às partes materiais, designadamente nos casos em que estão ausentes da acção[1].

    A legitimidade ad recursum pode ser entendida como um aspecto particular da legitimidade das partes[2] ou concebida não como concretização, relativamente à instância de recurso, da legitimidade processual – mas como modalidade do interesse processual[3].

    Em qualquer caso, a legitimidade ad recursum activa está, portanto, na dependência do reconhecimento de um interesse em recorrer, que é aferido pela utilidade decorrente para o recorrente da procedência do recurso; correspondentemente, a determinação da legitimidade passiva, i.e., do sujeito contra quem deve ser dirigido o recurso, assenta no prejuízo resultante da procedência desse mesmo recurso.

    A legitimidade para o recurso radica, portanto, na necessidade de tutela, ou mais precisamente, na tutela que a decisão do recurso pode disponibilizar ao recorrente, na utilidade que, para o impugnante, resulta da procedência do recurso.

    Resta, porém, saber qual o parâmetro que deve ser utilizado para determinar essa utilidade.

    A aferição da utilidade decorrente da procedência do recurso pode realizar-se a partir da conduta na parte na instância recorrida – critério formal – ou do prejuízo que lhe é causado pela decisão impugnada – critério material[4]. De harmonia com o primeiro daqueles parâmetros, a legitimidade ad recursum é aferida pela circunstância de a parte não ter obtido o que requereu ou pediu; de acordo com segundo, é dotado de legitimidade para o recurso a parte para a qual a decisão é desfavorável, com inteira indiferença pela sua conduta ou pelos pedidos que formulou na instância recorrida.

    A doutrina segue, maioritariamente, um critério material, atendendo apenas à desconformidade da decisão com aquela que seria mais favorável à parte, reconhecendo, consequentemente, legitimidade ad recursum a quem a decisão desfavorável causa um prejuízo, abstraindo da conduta dessa parte no tribunal a quo.

    Uma especificidade da tramitação dos recursos consiste na possibilidade de um terceiro interpor, ele mesmo, o recurso. Como esse terceiro não foi parte na causa, a sua legitimidade ad recursum só pode ser aferida segundo um critério material: esse terceiro há-de ser alguém que seja directa e efectivamente prejudicado com a decisão, alguém que seja afectado, pela decisão que pretende impugnar, nos seus direitos e interesses (artº 631 nº 2 do nCPC).

    Para a concessão a um terceiro de legitimidade para recorrer reclama-se, apenas, que não tenha sido parte – formal – na causa – sendo inteiramente irrelevante se devia tê-lo sido por lhe assistir a qualidade de parte material - em que foi proferida a decisão impugnada no recurso e que possua um interesse justificado na impugnação dessa decisão, interesse que é aferido pelo prejuízo que ela lhe causa. Verificadas estas condições, esse terceiro deve ser admitido a interpor o recurso, embora lhe não seja lícito provocar, na instância de recurso, qualquer modificação no objecto da causa, designadamente, a formulação de um pedido novo.

    Temos por certo que é esse, nitidamente, o caso do recurso.

    Realmente, o requerente não foi parte no procedimento em que foi proferida a decisão contestada – aquela qualidade radica, do lado passivo, unicamente em A… – mas aquela decisão afecta-o directamente, dado que o impede de ser investido no cargo para que foi eleito, no exercício de um direito potestativo, pelos accionistas minoritários da apelada e, consequentemente, de o exercer e, v.g., de perceber a remuneração, embora unilateralmente fixada, a que tem direito (artº 399 do Código das Sociedades Comerciais - CSC).

    E um tal prejuízo mostra-se inteiramente concretizado, dado que de harmonia com a prova documental produzida pelo recorrente – cuja junção pelas razões que abaixo se indicarão deve ser admitida – o requerido, A…, presidente da assembleia geral de accionistas da apelante, que reuniu no dia 27 de Julho de 2014, considerou nula, em resultado da decisão proferida no procedimento cautelar a indicação do recorrente para vogal do conselho de administração, e considerou nomeada para vogal do CA a suplente do recorrente, L..

    .

    Nestas condições, não deve oferecer dúvida séria a legitimidade do recorrente para interpor o recurso e, portanto, o preenchimento do pressuposto processual específico correspondente da instância desse mesmo recurso.

    3.3.

    Junção de documentos.

    O recorrente invocou, na sua alegação de recurso, a junção de vários documentos, mas – alegando lapso – não os apresentou com aquela alegação, tendo-os oferecido através de requerimento electrónico autónomo, no dia imediatamente seguinte.

    Com as suas alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes – i.e., cuja apresentação foi impossível até ao encerramento da discussão - ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artºs 425 e 651 nº 1, 2ª parte, do nCPC). Mas é claro que esta faculdade não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância[5].

    A superveniência pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.

    A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer...

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