Acórdão nº 29/17.0GBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo sumário n.º 29/17.0GBGRD que corre termos na Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica de Celorico da Beira, em 14/3/2017, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “III- DECISÃO Pelo exposto decido: - Condenar o arguido A... , pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efetiva, sendo de descontar no seu cumprimento 1 (um) dia de prisão.

- Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça a pagar em 1UC.

- Declarar perdido ao favor do Estado o produto estupefaciente apreendido nos autos, determinando-se que, após trânsito em julgado da presente sentença, se proceda à sua destruição.

* Mantêm-se os pressupostos que fundamentaram a aplicação de medidas de coação, pelo que, até ao trânsito em julgado da presente sentença, deverá o arguido continuar sujeito à medida de coação aplicada (TIR), medida esta que apenas se extinguirá com a extinção da pena (dr. aI. e) do n.º 1 do artigo 214.º do Código de Processo Penal).

* Conforme supra se consignou, os factos em causa nos presentes autos - de 21 de Fevereiro de 2017 - ocorreram no decurso da liberdade condicional concedida ao arguido no âmbito do processo n.º 374/15.9TXCBR-A, do Tribunal de Execução de Penas, pelo que se determina que, de imediato, se comunique a presente sentença a tal processo, após trânsito a este remetendo-se ainda certidão da mesma, com nota de trânsito em julgado.

* Após trânsito remeta boletins à DSIC, comunique ao TEP e emitam-se mandados de detenção para condução do arguido ao EP.

* De imediato proceder-se-á ao depósito da presente sentença (dr. artigo 372,1', n.º 5 do Código do Processo Penal).

* Notifique.” **** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 24/4/2017, o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25°/ alínea a) do Decreto-Lei n" 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

  1. De facto o tribunal a quo condenou o ora recorrente considerando provados factos de que não foi feita prova, ou, pelo menos, suficiente, ou com a segurança que é exigida pelo nosso Direito.

  2. Mesmo tendo sempre presente que / e nos termos da motivação explanada na douta sentença, “ os elementos de prova supra referidos, com exceção feita para a prova pericial, foram apreciados à luz do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiencia e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiencia da vida, claro está tendo em mente a convicção a capacidade critica, o distanciamento e a ponderação que se impõem", entende o arguido, ora recorrente, que, e com o devido respeito que é muito, mal andou o tribunal a quo, na aplicação das regras, princípios e normas legais.

  3. Se o produto se destinava pelo menos ao seu consumo, como provado, não se provando que se destinava exclusivamente ao consumo também nenhuma prova foi feita de que o destino fosse a cedência ou venda do mesmo! 5. O douto tribunal a quo manifestou desta forma claramente no ponto 3 dos factos provados e no ponto único dos factos não provados que lhe foi suscitada dúvida razoável sobre o destino do produto estupefaciente que o arguido, ora recorrente, tinha na sua posse.

  4. E essa dúvida não é desfeita, antes subsiste na fundamentação da sentença.

  5. Existe violação do princípio in dubio pro reo, pois que o princípio da livre apreciação da prova não abarca retirar de não factos, conclusões.

  6. A obrigação de fundamentação das sentenças há-de concretizar-se pela enumeração dos factos provados e não provados essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes.

  7. Acrescerá a exposição dos motivos de facto e de direito, que a fundamentam, com a indicação e respetivo exame critico das provas, de forma a exteriorizar e permitir apreender o raciocínio logico subjacente á convicção adquirida pelo julgador.

  8. Esta obrigação de fundamentação decorre da exigência constitucional e legalmente estatuída nos artigos 2050 n" 1, da Constituição da República Portuguesa e 97' n" 1 e 5 do Código de Processo Penal.

  9. O princípio in dubio pro reo - fórmula condensada por Stubel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário.

  10. Ora, e atrevemo-nos a dizer que parece que o douto tribunal a quo perante a dúvida, em vez de dar como deveria dar, aplicação ao principio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa recorreu à sua livre convicção, a qual como se demonstrou em nada foi infirmada pelos critérios objetivos que presidem e subjazem ao principio da livre apreciação da prova.

  11. O Tribunal a quo, ao ter condenado o ora Recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade sem qualquer prova de facto que suporte tal condenação violou claramente o art. 127.º do CPP.

  12. O princípio da "livre apreciação da prova" previsto naquele artigo não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas a apreciação que se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos e, dessa forma, se determina uma convicção racional, logo, também ela, objetivável e motiváve1.

  13. Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou -se, o disposto nos artigos 127 ° e 355.º, n.º 1, do CPP; e 32.º da CRP, artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-01.

    Sem prescindir 16. A discordância com a decisão do tribunal recorrido, no que respeita à forma como sustenta uma errónea aplicação ao direito, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento constitui o vício de erro notório na apreciação da prova.

  14. O arguido tinha na sua posse produto estupefaciente, tendo-o entregue voluntariamente, assim que abordado pelos militares da GNR, o qual conforme confessou em audiência de discussão e julgamento, se destinava exclusivamente ao seu consumo.

  15. O Tribunal a quo, ao ter condenado o ora Recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, sem qualquer prova de facto que suporte tal condenação violou claramente o art 127.° do CPP .

  16. Dos autos nada resulta que o arguido tivesse faltado à verdade.

  17. Pelo que a questão em apreço nos presentes autos, consiste afinal em aferir se da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e conjugação com a demais prova e se permitem aferir da culpabilidade do arguido, e 21. se o seu comportamento poderá ser subsumido á prática de um crime de trafico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25° da Lei n" 15/93 de 22 de janeiro, conforme se encontra acusado ou 22. caso assim se não entenda, se se subsume ao disposto no artigo 40.º do mesmo diploma legal, face á factualidade dada como provada.

  18. Quais os factos sequer indiciadores que o produto estupefaciente se destinava a venda a terceiros? Que se destinava a cedência mediante contrapartida designadamente económica? Quais os atos indiciadores ou preparatórios de tráfico? 24. Não os conhecemos, nem o douto tribunal a quo os mostrou ou os fundamentou, por deles não haver qualquer prova.

  19. O arguido relatou não pretender vender o produto estupefaciente, antes o adquirira para seu consumo.

  20. Inquirida a testemunha, militar da GNR (NIC da Guarda), foi este claro ao afirmar que nada vislumbrou quer na abordagem quer na investigação posterior (que inclui busca em habitação do arguido) que pudesse ser tido ou considerado como ato de tráfico, ou preparatório desse ato.

  21. O arguido, ora recorrente detinha na sua posse substância estupefaciente (Cannabis -resina), a qual segundo o exame de toxicologia, ultrapassava a quantidade necessária para o consumo médio individual, nos termos do disposto artigo 2° nº 1 e 2 da Lei n.º 30/2000 de 29 de Novembro.

  22. Porém, e é já assente, na Jurisprudência e doutrina, que o mero exceder de quantidades permitidas, só por si não faz subsumir tal conduta no crime de tráfico de estupefacientes.

  23. Veja-se a jurisprudência fixada (Ac. STJ n.º 8/2008) “o artigo 40° n.º 2 do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só quanto ao “cultivo" como relativamente á aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substancias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior â necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. ".

  24. Deve assim considerar-se reduzido teleologicamente o alcance da revogação do artigo 28° da Lei n" 30/2000 de 29 de Novembro, e conjugando o artigo 2° n° 2 do mesmo diploma legal, considerar-se válido e actual o texto remanescente do artigo 4º.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

  25. Os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.º 94/96 de 26 de Março são para ser respeitados, mas, enquanto, valores meramente indicativos, devendo ser apreciados, conforme decorre do artigo 71° da Lei n° 15/93 de 22-01, por intermédio de critérios científicos inerentes à prova pericial ( artigo 163.º do Código de Processo Penal).

  26. Obviamente que o mero exceder de quantidades permitidas, só por si não faz subsumir tal conduta no crime de tráfico de estupefacientes (artigo 21° e 25° do Decreto lei n° 15/93 de 22-01.).

  27. o mesmo é dizer que, como in casu, se um individuo é apanhado com substâncias...

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