Acórdão nº 170/16.6 JAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução29 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I – Relatório.

1.1. Após pronúncia, submetido a julgamento no Tribunal a quo, o arguido A...

, já com os demais sinais nos autos, por acórdão adrede proferido, viu-se condenado, e ao que por ora mais releva, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real, de 3 (três) crimes de incêndio florestal, p.p. nos termos do art.º 274.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar 2 anos de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de incêndio florestal, p.p.p. art.º 274.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 21 de Agosto de 2013, na pena parcelar de 4 anos de prisão; de 1 (um) crime de incêndio florestal, p.p.p. art.º 274.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 3 de Agosto de 2016, na pena parcelar de 3 anos e 3 meses de prisão; de 1 (um) crime de dano, p.p.p. art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 9 meses de prisão; de 3 (três) crimes de dano qualificado, p.p.p. art.º 213.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de dano qualificado, p.p.p. art.º 213.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão; e de 3 (três) crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p.p. art.ºs 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão e, em cúmulo jurídico logo operado, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. Desavindos com tal veredicto, recorrem o arguido e o Ministério Público, sendo que das fundamentações ofertadas, cada um deles extraiu a formulação das seguintes conclusões: (o arguido) 1.ª As penas parcelares impostas ao ora recorrente, relativas aos crimes de dano, devem ser excluídas.

  1. A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

  2. O Acórdão recorrido deu mormente como provado que: - No dia 21 de Agosto de 2013, o incêndio consumiu ainda seis residências (cinco das quais desabitadas), cinquenta e três casas de arrumos/armazéns e vários veículos, máquinas agrícolas e animais de exploração agrícola; - Uma das casas de habitação consumidas pelo incêndio, propriedade de D... , continha no seu interior uma botija de gás, a qual, ao ser consumida pelas chamas, explodiu e, para reconstruir a sua residência, após a mesma ter sido atingida pela explosão, o referido D... despendeu da quantia global de € 23.000,00.

    - O incêndio atingiu o terreno propriedade de B... , e os armazéns existentes junto à respectiva residência, cuja reconstrução ascendeu a € 2.200,00; - O incêndio atingiu também dois terrenos propriedade de C... , consumindo duzentos vasos de flores, com o valor global de € 1.000,00; - O incêndio consumiu várias infra-estruturas da Câmara Municipal de (...) , no valor total de € 2.062,00; - O incêndio consumiu do mesmo modo várias infra-estruturas da rede de telecomunicações MEO, nomeadamente cabos, mordentes, grampos e abraçadeiras, com o valor global de € 19.342,80, cuja reparação ascendeu a € 11.610,05; - Tal incêndio consumiu ainda redes eléctricas exploradas pela EDP Distribuição – Energia, S.A., cuja reparação ascendeu a € 8.692,92; - O arguido actuou sempre ciente das possíveis consequências da sua conduta para a vida e a integridade física de terceiros e para bens patrimoniais alheios de elevado valor.

    - Assim, sabia o arguido que os fogos por si ateados poderiam consumir prédios rústicos, edifícios, armazéns e infra-estruturas pertencentes a particulares ou a entidades públicas, ou destinados ao uso e utilidade públicos e que tal importaria a destruição das árvores, plantações, edificações e animais aí existentes e a consequente criação de um prejuízo para os respectivos proprietários, o qual poderia ultrapassar as quantias de € 5.100,00 e € 20.400,00, como se veio a verificar.

    - O arguido sabia ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

  3. O arguido foi condenado por 3 tipos de crime: crime de incêndio; de dano e de ofensas á integridade física; 5.ª Pelos crimes de dano qualificado, p.p.p. art.º 213.º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202.º, al. a), e 213.º, n.º 2, al. c) e os de incêndio florestal, p.p.p. art.º 274.º, n.º 1, al. a), e 274.º, n.º 2, do Código Penal.

  4. O crime de incêndio florestal protege os bens jurídicos Vida, Integridade física e Bens patrimoniais alheios de valor elevado; No crime de dano o bem jurídico tutelado é a coisa alheia, a propriedade.

  5. No crime de incêndio florestal estamos perante um crime de perigo comum e concreto. Crimes de perigo, por contraposição a crimes de dano, «são os crimes em que apenas se verifica (o perigo) de produção dessa lesão. Há aqui como que uma antecipação jurídica de protecção de bens para momentos anteriores à sua efectiva lesão, em que o legislador acautela, punindo, não a agressão a esses bens, mas, mais cedo ainda, o risco que certas condutas podem acarretar para tal agressão» (Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 36, nota 45).

    Crimes de perigo concreto, são aqueles em que para se preencher o respectivo tipo legal é necessário demonstrar a verificação de um perigo efectivo, real, actual, para determinado bem jurídico, surgindo aqui o próprio perigo como evento típico.

    A norma define um crime de perigo comum e concreto: - De perigo comum, porque, na construção do tipo, o «perigo» constitui elemento que deve resultar da acção, mas que se estende ou deve verificar-se ou produzir-se em relação a um número «indiferenciado e indiferenciável» de «objectos sustentados ou iluminados por um ou vários bens jurídicos; - De perigo concreto porque, na construção do tipo, o perigo vale o mesmo que o dano, porque é o perigo que constitui a forma de violação do bem jurídico; o perigo é elemento do tipo legal, sendo os bens jurídicos protegidos a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de elevado valor.

  6. Perante a factualidade dada como provada, não se contesta que o recorrente cometeu o crime de incêndio, isto quer tenha havido ou não propagação às arvores, armazéns, casas. A concretização do tipo é independente desta propagação.

  7. O arguido ao atear o incêndio não quis pôr em perigo habitações, animais, casas de arrumos, isto foi o resultado do incêndio.

  8. Numa palavra: o crime de incêndio consome, aqui, o de dano, sendo certo que a norma relativa ao primeiro, que o pune com prisão de três a doze anos ou de um a oito, é aquela que melhor defende e protege o interesse jurídico violado, já que a pena cominada para o segundo se contém entre dois e oito anos ou de um mês a cinco anos, dependendo da sua qualificação.

  9. Em qualquer das situações, qualificados ou não, o crime de incêndio protege mais o bem jurídico violado.

  10. No crime de incêndio florestal, p.p.p. art.º 274.º do Código Penal, estatui-se: “1. Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

    1. Se, através da conduta referida no número anterior, o agente: a) Criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado,…é punido com pena de prisão de três a doze anos.” 12.ª Nos termos do art.º 212.º: “1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animais alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” E, de acordo com o subsequente art.º 213.º: “1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável: a) Coisa ou animal alheios de valor elevado; b) Monumento público; c) Coisa ou animal destinados ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos; … é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.” 13.ª O resultado – danos, ocorreram por via da acção criminosa inicial – incêndio, não foram queridos nem previstos pelo autor do incêndio, logo este não pode ser condenado pelos crimes de dano.

  11. O crime de incêndio florestal engloba em si a destruição do terreno ocupado com a floresta, terrenos agrícolas alheios, a criação de perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

  12. O bem jurídico protegido pela incriminação em causa é a vida, a integridade física de outrem, ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.

    Atenta a factualidade apurada, e ora subsumida àquela previsão legal, não cabe dúvida de que se acham preenchidos tanto os requisitos objectivos como os subjectivos do tipo de crime em análise.

  13. O crime de incêndio florestal, p. no art.º 274.º, exige que o agente, com a sua actuação, ponha em risco, em perigo real, efectivo, a vida ou a integridade física de outrem ou bens patrimoniais alheios de valor elevado. Como crime de perigo concreto, não é necessário que se verifique efectivamente a lesão.

    Quanto ao tipo subjectivo, o crime exige o dolo.

  14. Na pena unitária fixada estão incluídos vários crimes de dano. Concretamente, um p.p.p. art.º 212.º, n.º 1, tendo sido o arguido condenado na pena parcelar de 9 meses de prisão; três de dano qualificado, p.p.p. art.º 213.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, vindo o arguido condenado na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão, por cada um deles; um outro de dano qualificado, p.p.p. art.º 213.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão.

  15. Estaríamos assim perante uma dupla incriminação e condenação.

  16. Devendo ser realizado novo cúmulo jurídico no qual sejam desconsideradas as penas atinentes ao crime de dano.

    (o Ministério Público) 1.ª A discordância do recorrente cinge-se à medida das penas parcelares aplicadas aos cinco crimes de incêndio, pelos quais o arguido foi condenado, e ao crime de...

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