Acórdão nº 4/13.3ZRGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório No processo supra identificado foi julgado o arguido A...

, filho de (...) e (...) , natural de Cabo Verde, nascido em 04/09/1967, solteiro, desempregado, residente em (...) , Inglaterra, pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e) e f) e n,º 3, por referência ao art. 255.º, al. c) do Código Penal, pelo qual foi absolvido.

*Inconformado recorreu o Ministério Público, o qual pugna pela condenação do arguido, formulando as seguintes conclusões: «I. O arguido A... , por sentença datada de 25 de Setembro de 2013, foi absolvido de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo disposto no artigo 256.°, n.º 1, alínea e) e f) e n.º 3 do Código Penal, sendo desta decisão que discordamos, e daí a interposição do presente recurso.

  1. A douta sentença, de 25 de Setembro de 2013, proferida pelo tribunal a quo, deu como provado que: 1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/01/2013, de forma não concretamente apurada, o arguido A... entrou na posse de um documento semelhante a um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa.

    1. O documento referido em 1. é uma falsificação de um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa, onde foi colada uma fotografia do arguido e inscritos os seus elementos de identificação. O documento referido em 1. tinha inscrito no campo reservado ao número de documento, o n.º (...) , correspondente a um bilhete de Identidade emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana de Castelo em nome de F..., que já faleceu.

    2. No dia 23/01/2013, pelas 14h40, em Vilar Formoso, quando o arguido tripulava um autocarro proveniente de Londres/Paris com destino a Lisboa, identificou- se perante inspectores do SEF como sendo de nacionalidade portuguesa, apresentando, para o efeito e como tendo sido emitido a seu favor, o documento referido em 1.

    3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de usar o referido documento, bem sabendo que o mesmo não foi emitido pela República Portuguesa a seu favor.

    4. Sabia igualmente não ser cidadão de nacionalidade portuguesa e que, só apresentando-se com tal nacionalidade lhe seria permitido entrar em território Inglês sem necessidade de qualquer visto.

    5. O arguido actuou da forma descrita visando obter vantagens que bem sabia não lhe serem devidas, designadamente a de se identificar como cidadão nacional, assim prejudicando o Estado Português, entidade que credencia a fé pública conferida aos documentos, por si, emitidos.

  2. No âmbito da motivação daquela douta sentença é referido que: " (...) Contudo o Tribunal não logrou apurar quem foi o autor do referido documento. Nem se foram terceiros, nem se foi o próprio arguido. Ora, para se considerar a verificação objectiva da incriminação por uso de documento falso, necessário se torna apurar a autoria do mesmo, uma vez que a lei prevê que haja a distinção entre a pessoa que fabricou o documento falso e a que o usou. (...) Ora, se não se logrou apurar quem fabricou o documento, necessariamente se há-de concluir pela impossibilidade da afirmação de que houve distinção entre a pessoa que elaborou as inscrições e a que o usou - o ora arguido. Assim sendo, entende o Tribunal pela não verificação da al. e) do artigo 256.º do Código Penal." IV. O tribunal a quo não deveria ter interpretado o artigo 256.°, n.º 1, alínea e) do Código Penal no sentido em que tem de haver distinção entre a pessoa que fabricou o documento falso e a pessoa que o usou.

  3. Na verdade, nos termos da primeira versão do artigo 256.° do Código Penal o legislador efectivamente previa que se verificasse aquela distinção: "1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa." (redacção do Decreto-Lei n." 48/95, de 15 de Março).

  4. Contudo, depois da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o legislador deixou de a exigir: "1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (...) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

  5. Temos, assim, que foi intenção do legislador deixar de exigir, para a incriminação pelo uso de documento falso (artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal, que a pessoa que realiza tal actividade (usando o documento falso) seja distinta daquela que o tenha fabricado ou falsificado.

  6. Na verdade, entendimento diverso, conduziria à verificação de situações de absoluta impunidade, o que certamente não foi a intenção do legislador.

  7. O tribunal a quo deveria ter interpretado o artigo 256°, n.º 1, alínea e) do Código Penal no sentido de não exigir a demonstração nos termos da qual a pessoa que fabricou o documento falso e a pessoa que o usou sejam distintas, assim condenando o arguido.

  8. Ainda que se entendesse de modo diferente, sempre os factos dados como provados integrariam a conduta da alínea f) daquela norma, pois que no presente caso, o arguido, no dia 23 de Janeiro de 2013, detinha um documento falsificado, com o qual se identificou perante os inspectores do SEF, assim tendo preenchido uma das modalidades de acção típica da norma aqui em consideração, pelo que, ao não ter condenado o arguido, violou o tribunal a quo desde logo, o artigo 256.º, n.º...

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