Acórdão nº 850/14.0TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução17 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A Autora instaurou a presente acção de investigação de paternidade, pedindo a condenação do Réu a reconhecer que é seu pai Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese: - Nasceu em 27.02.1977, em ..., em resultado das relações sexuais que a sua mãe, ..., manteve com o Réu, não ficando a constar do seu assento de nascimento a paternidade; - Só há dois anos teve conhecimento, por a mãe lhe ter dito, que o Réu é o seu pai.

O Réu foi citado, não tendo apresentado contestação.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos: Pelo exposto, considerando o disposto no artº 576º, nº 3 do CPC, julgo a exceção da caducidade procedente e em consequência absolvo o réu N... do pedido formulado pela autora D...

A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: ...

Conclui pela procedência do recurso.

Não foi apresentada resposta.

As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o mérito da acção, para a eventualidade da excepção de caducidade vir a ser julgada improcedente, nos termos dos n.º 2 e 3 do artigo 665º do C. P. Civil., tendo apenas a Autora alegado, sustentando a procedência do pedido formulado.

  1. Do objecto do recurso Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas cumpre apreciar as seguintes questões: a) Os factos não provados devem ser julgados provados? b) A prova do decurso do prazo previsto no artigo 1817º, n.º 3, b), do C. Civil, para instauração da acção, impende sobre o Réu? 2. Dos factos 2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de fato ...

    2.2. Dos factos provados Os fatos provados são os seguintes: A- A Autora D... nasceu em 27 de Fevereiro de 1977, em ...

    B - No assento de nascimento da Autora consta a maternidade da Autora, ..., não constando a paternidade.

    C - ... conheceu o Réu nos últimos meses do ano de 1975, em ..., quando este aqui residia e aí trabalhava como cooperante no Hospital, altura em que a mãe da Autora também residia em ...

    D - Entre ambos estabeleceu-se uma forte amizade, que permitiu um relacionamento amoroso, relacionamento que era do conhecimento público.

    E - O Réu e ... mantiveram relações sexuais de cópula com frequência.

    F - Desde o início do ano de 1976 e até ao nascimento da Autora, ... manteve exclusivamente relações sexuais com o réu.

    G - Quando a mãe da Autora já se encontrava grávida de seis meses, o Réu regressou para ..., país da sua residência habitual.

    G - O Réu enviou uma carta à mãe da autora, datada de 27 de maio de 1977, escrita em francês, com o teor que consta de fls. 27/28.

    H - Depois de fazer pesquisa sobre o Réu no motor de busca “Google”, a Autora endereçou uma carta ao réu em 15.05.2012.

  2. O direito aplicável 3.1. Da caducidade A sentença recorrida, após verificar que à data da propositura da presente acção já tinham decorrido 10 anos após a Autora ter atingido a maioridade, uma vez que esta nasceu em 1977, face à não demonstração pela Autora de que só dois anos antes da instauração da acção a sua mãe lhe havia dito quem era o seu pai, considerou que o direito ao reconhecimento da paternidade tinha caducado, nos termos do artigo 1817º, n.º 1, do C. Civil, pelo que absolveu o Réu do pedido.

    A Autora defende que não recai sobre ela o ónus da prova do tempo em que conheceu os factos e circunstâncias que justificam a propositura da acção de reconhecimento da paternidade, competindo antes ao Réu provar que quando a acção foi proposta não só já tinha decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817º, mas também o prazo previsto no n.º 3, b), do mesmo artigo.

    O debate sobre o ónus da prova dos factos relativos à caducidade do direito à investigação da paternidade é uma discussão datada, tendo-se reacendido com a recente alteração do sistema de prazos de propositura deste tipo de acções promovida pela Lei 14/2009, de 1 de Abril.

    Diga-se, desde já, que o S.T.J., nos acórdãos mais recentes, parece preferir a tese de que compete ao investigante alegar e demonstrar que apenas conheceu os factos e circunstâncias que justificam a propositura da acção de paternidade no prazo de 3 anos que antecedeu essa propositura, sob pena de se considerar que o seu direito caducou.

    Por conter uma mais completa argumentação desta posição transcreve-se a fundamentação do Acórdão do S.T.J. de 4.5.2017 [1], sobre esta questão: Cuida, assim, este normativo (artigo 1817º, n.º 3, b), do C. Civil) do conhecimento superveniente que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos previstos no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil. Contudo, a mencionada previsão normativa não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, mister se exigindo, para que a mesma se tenha por preenchida, que o dito conhecimento se reporte a factos ou circunstâncias que justifiquem que apenas nesse momento (e não antes, isto é, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou emancipação) o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecida a paternidade.

    No que concerne ao ónus da prova dos ditos factos e conforme sublinha Alberto Amorim Pereira (em “A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade – Alguns problemas” in R.O.A., Lisboa, Ano 48, 1988, p. 143 e ss., que aqui se segue de perto), importa reter que mesmo que tenham sido carreados para o processo factos integradores da tempestividade e da caducidade da acção, respectivamente pelo autor e pelo réu, a distribuição do ónus da prova assume importância capital para o caso de non liquet acerca da matéria de facto: o ónus da prova significará a situação da parte contra quem o tribunal dará como assente um facto, sempre que o juiz se não convença da realidade dele.

    Com efeito, no sistema português, em que o ónus da prova reveste um carácter marcadamente objectivo, que só por via reflexa atinge a actividade probatória das partes, a regra do ónus da prova reconduz-se a uma regra de decisão. Na dúvida, o juiz resolverá o non liquet num liquet desfavorável à parte que tem o ónus.

    Dispõe, a este propósito, o artigo 342.º do Código Civil que: 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

  3. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.

  4. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

    Ora, embora seja indubitável que a caducidade é um facto extintivo do direito que o autor pretende fazer valer, a verdade é que, de acordo com a que se julga ser a melhor doutrina – que, por isso, aqui se sufraga – a classificação dos factos jurídicos como constitutivos ou extintivos não tem um valor absoluto, antes dependendo, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha no mecanismo do processo, atenta a posição das partes e o efeito jurídico que cada uma delas pretende obter (vejam-se, neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 282; e Rosenberg citado por Antunes Varela in R.L.J, ano 117.º, p. 30).

    Em consequência, será à luz da interpretação da norma contida nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil que se deverá fixar se o momento em que o investigante teve conhecimento dos factos ou circunstâncias que justificam a investigação é constitutivo do seu direito ou se, pelo contrário, representa um facto impeditivo ou extintivo do mesmo.

    Neste particular, o que se vem entendendo, face à forma como está estruturado o normativo em análise e aos efeitos deles decorrentes, é que é sobre o investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação...

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