Acórdão nº 1369/13.2TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Março de 2017
Magistrado Responsável | MARIA PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 15 de Março de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum singular 1369/13.2TALRA da Comarca de Leiria, Instância Local de Leiria, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento, em 17 de Março de 2016 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Atento o exposto, decide-se: I – Absolver A...
e B...
do crime de falsificação de documento (art.º 256º-1-d)-3 do C. Penal) de que vinham acusados; II – Isentá-los do pagamento de custas (art.ºs 513º-1 a contrario do CPP); III - Absolver A...
e B...
do pedido cível que contra si vinha formulado pela ofendida C... , S.A.
, na qualidade de demandante civil; Custas, nesta parte, a cargo da demandante, por referência ao valor do pedido (art.ºs 523º do CPP e 527º-2 d CPC); Inconformada com a decisão, dela recorreu a demandante C... , S.A.
, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
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A aqui Recorrente apresentou denúncia contra o Arguido, porquanto o mesmo, na qualidade de sócio e gerente da sociedade “ E... , Lda.”, procedeu à dissolução e liquidação da referida sociedade, conforme se pode verificar pelos documentos juntos aos autos.
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De forma a proceder à dissolução e liquidação daquela sociedade, o aqui Arguido em seu nome e em representação da outra sócia -- B... , também Arguida nos presentes autos - declarou que "a sociedade não possui qualquer activo e nem passivo a partilhar pelo que a declara, também liquidada, declara ainda que as contas foram encerradas e aprovadas hoje", declaração esta realizada e atestada perante a Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Leiria.
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Sendo que, tal declaração não corresponde à verdade, constando, daquele documento, facto juridicamente relevante e falso.
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Isto porque, aquela sociedade não procedeu à liquidação das dívidas perante a aqui Recorrente, dívidas essas que, naquela data, ascendiam a € 12.448,35 (doze mil quatrocentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
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Ora, entendeu o Tribunal a quo absolver o Recorrido, porquanto terá ficado em dúvida a existência ou não da mencionada dívida à Recorrente.
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Com esta decisão não pode a aqui Recorrente concordar, sendo seu entendimento que a decisão proferida deverá ser revogada, ordenando-se a elaboração de uma nova decisão que, expressamente, decida pela condenação do Arguido.
Senão vejamos, g) Nos termos exarados na sentença proferida, verifica-se que o Tribunal deu como não provado que "Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A. ".
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Verifica-se que tal matéria foi considerada como não provada, porquanto entendeu o Tribunal que " ... a prova produzida não foi concludente: se é certo que se apurou que o mesmo declarou perante conservador do registo comercial que na data acima indicada a sociedade E... não era devedora a terceiros, o certo é que embora resultem indícios de que devesse à ofendida C... , S.A. a quantia de € 11.926,50, a demais prova produzida não permitiu alcançar um grau de certeza que o arguido, aquando da declaração ajuizada, o tivesse feito sabendo que devia; com efeito, existiam negócios entre o arguido e a empresa C... , S.A. como referiu a testemunha J... , tendo ficado por regularizar comissões alegadamente devidas ao arguido, desconhecendo-se se as mesmas eram ou não efetivamente devidas, sendo certo que, a serem, em montante que se desconhece, colocam em crise a conclusão imediata e apodítica de que tenha proferido uma declaração maliciosa, visando prejudicar a ofendida (e, nesta sequência, permite inferir que possa haver "encontro de contas" a realizar, "atirando a dívida dos autos para a área de discussão meramente civil, sem qualquer conexão com um ilícito jurídico-penal);".
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Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como do próprio senso comum, não pode a Recorrente concordar com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
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-A testemunha J... , em sede de audiência de discussão e julgamento, transmitiu ter acompanhado o arguido por diversas vezes na celebração de negócios com a aqui Recorrente na sede desta, k) Na medida em que, para além de ser amigo do aqui Arguido, era freelancer (comercial) da sociedade “ E... ”.
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Apesar da sua relação de proximidade com o Arguido e de ser um prestador de serviços daquela sociedade, desconhece, no entanto, quais as comissões devidas, se o eram e a quem - à sociedade ou ao próprio Arguido.
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Tendo ainda afirmado que os negócios dos quais resultaram as supostas comissões em dívida teriam sido celebrados em Fevereiro de 2012, porquanto em Março desse mesmo ano teria ido com o Arguido para Moçambique tratar de um novos negócios.
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Ora, dos documentos juntos aos autos quer com a denúncia apresentada pela Recorrente, quer com o Pedido de Indemnização Cível, verifica-se que as faturas em causa nos presentes autos datam dos meses de Junho de 2011, o) Não podendo, desta forma, colher a tese da compensação de créditos por aquele negócio.
Acresce que, p) Durante o seu depoimento, menciona a testemunha referida, por diversas vezes, que a relação comercial estabelecida entre a sociedade representada pelo Arguido A... e a aqui Recorrente, tinha como objetivo a exportação de diversos artigos de hotelaria para Moçambique, q) Tendo sido o arguido o responsável pela entrada da “ C... , S.A.” e pela sua implementação no mercado de Moçambique, que a ajudou em muito nesse sentido.
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Estranho parece à aqui Recorrente tal afirmação, porquanto a Recorrente não tem qualquer estabelecimento implementado ou qualquer relação duradoura estabelecida naquele País.
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De facto e apesar de a " C... , S.A." exportar com regularidade para alguns países, Moçambique não faz parte dos mesmos, realizando algumas e pontuais; muito pontuais, vendas.
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Refere a testemunha, como já se referiu, que acompanhava o Arguido nos negócios da sua sociedade e que estava a par do que ocorria na " E... ".
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No entanto; e diretamente confrontado com o conhecimento relativo às comissões e à compensação de créditos que terá operado, atesta que tinha conhecimento das mesmas, porque o Arguido assim lho terá dito, não tendo verificado, nem tendo estado presente nessas supostas negociações.
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Muito estranho parece à aqui Recorrente que, apesar das sucessivas tentativas de contato com os sócios da " E... " durante o ano de 2011 e 2012, conforme se pode aferir dos testemunhos do Senhor J... e da Senhora L... , nunca tenha sido invocada a compensação de créditos de comissões, w) E que, apenas em sede de audiência de discussão e julgamento tenha aparecido a milagrosa testemunha que participou em diversos negócios e à qual foi dito pelo Arguido que lhe seriam devidas comissões no valor quase exato, pasme-se, das faturas em dívida, x) E que tais factos lhe tenham sido transmitidos dois meses antes da realização do julgamento.
ff) Mas, sabe, porque o Arguido telefonicamente lhe transmitiu que não lhe foram pagas quaisquer comissões.
gg) Pelo que, não pode o Tribunal a quo conferir a necessária credibilidade ao testemunho do Senhor J... , e com base nesse mesmo testemunho absolver o Arguido criminal e civilmente, quando existem provas concretas de que o mesmo bem sabia as declarações que fazia e bem sabia que as mesmas não correspondiam à verdade.
hh) A testemunha da Recorrente, L... , que contatou diversas vezes com a mulher do Arguido, também Arguida nos autos, afirmou perentória e categoricamente que a Senhora D.ª B... , que representava a sociedade E... , tinha conhecimento da dívida e que, por diversas vezes lhe solicitou prazo para proceder ao seu pagamento.
ii) Acresce que, no decorrer dos meses de Agosto/ Setembro de 2012, a Arguida contatou a testemunha e solicitou a emissão de notas de crédito relativas às faturas em dívida, uma vez que os descontos comerciais acordados não haviam sido devidamente aplicados.
jj) Motivo pelo qual, se verifica a existência e a referência a essas notas de crédito por parte da testemunha.
kk) Facilmente se depreende que a D.ª B... e o aqui Arguido tinham perfeito conhecimento de que eram devedores, na medida em que se assim não fosse não teriam, certamente, solicitado a prorrogação do prazo de pagamento, nem, tão pouco, a aplicação do desconto e a emissão das competentes notas de crédito.
ll) Ora, dúvidas não restam, que o Arguido sabia que devia e que livre e dolosamente para se locupletar à obrigação do pagamento das faturas, afirmou perante autoridade oficial que a sua sociedade não era devedora de quaisquer quantias, nem tão pouco credora.
mm) Pelo que, cometeu o crime de falsificação de documento.
nn) A aqui Recorrente para além de ter feito prova da prática do crime, fez também a prova que lhe competia quanto aos valores que determinam o seu prejuízo, na medida em que correspondem ao valor dos bens que foram vendidos à sociedade da qual o Arguido era sócio e gerente e que nunca lhe foram pagos.
oo) Assim, deverá a sentença proferida ser revogada e proferida sentença que condene o aqui Arguido pela prática do crime de falsificação de documento e no consequente Pedido de Indemnização Cível deduzido pela Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ordenar-se a sua substituição por sentença que condene o Arguido pelo crime de que vinha indiciado e no pagamento do Pedido de Indemnização Cível deduzido.
Assim decidindo, V. Exss. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA! O recurso foi objecto de despacho de admissão na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil.
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1. Vem a recorrente, nas respetivas alegações, impugnar a matéria de facto...
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