Acórdão nº 2159/13.8TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução29 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos Autos de Instrução n.º 2159/13.8TALRA do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – Juízo Inst. Criminal – Juiz 3, na sequência da acusação pública deduzida contra A...

, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, nº 1, alínea d) e e), por referência à alínea a) do artigo 255.º, todos do C. Penal, requereu o arguido a abertura da fase de instrução.

  1. Finda a instrução, em 21.10.2016, foi proferida decisão instrutória que culminou com a não pronúncia do arguido.

  2. Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, formulando, então, as seguintes conclusões: 1.º A nossa discordância e portanto a razão do presente recurso prende-se com o despacho de não pronúncia exarado em 21.10.2016.

    1. O crime de falsificação de documento é um crime comum, de mera atividade, e de perigo abstrato, que tutela a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório relativo à prova. As alíneas a) a d), inclusive, do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, preveem as várias modalidades que pode assumir a falsificação de um documento e as alíneas e) e f) tipificam como crime a circulação do documento falso.

    2. São elementos constitutivos deste tipo de ilícito um comportamento do agente concretizado em qualquer uma das atividades enumeradas nas alíneas do nº 1 do citado artigo 256º e, quanto ao elemento subjetivo, a vontade de praticar o facto e, ainda, a intenção de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo. Assim, no crime de falsificação exige-se o dolo específico, ou seja, a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo. Contudo, a consumação do prejuízo patrimonial é indiferente no crime de falsificação.

    3. No caso sub judice deu-se como provado que o arguido A... , enquanto sócio-gerente desde o dia 25 de Julho de 2006 até ao dia 26 de Abril de 2013 da sociedade comercial unipessoal por quotas B... , Lda.”, na Travessa (...) , Ourém, fez constar na ata número nove datada do dia 17 de Abril de 2013, que redigiu e assinou, os seguintes dizeres: “(…) considerando que já foi liquidado todo o ativo e passivo da sociedade, que não existem bens a partilhar e que as respetivas contas de 2013 já foram aprovadas e encerradas, foi deliberado por unanimidade dissolver a referida sociedade (…)”, facto que bem sabia ser falso uma vez que estava perfeitamente consciente de que a mesma tinha, naquela data, pelo menos a dívida à sociedade comercial “ C... , Lda.”, correspondente ao valor de compras (cobertura de lâminas Abriblue Immbox para piscina, no montante de € 4.580,50 e cobertura de lâminas Abriblue Immbox para piscina, na importância de 4.445,20 €) e que, por tal motivo, a queixosa instaurou em 8 de Abril de 2013 processo de injunção, que correu termos com o n.º 52040/13.3YIPRT, na Secção Cível de Ourém, contra a sociedade comercial “ B... , Lda.”. Na posse desta ata, no dia 26 de Abril de 2013, o arguido dirigiu-se à Conservatória de Registo Comercial de Leiria e ali registou a dissolução, o encerramento da liquidação e o cancelamento da matrícula da sociedade comercial “ B... , Lda.”.

    4. Ora, o que está aqui em causa no tocante à declaração relativamente à inexistência de passivo da sociedade é o seu valor declarativo, para efeitos de extinção imediata da sociedade comercial. Tal declaração não tem como virtualidade a prova da inexistência de dívidas da sociedade, que até podem existir e existem no presente caso; te sim valor declarativo para, verificados os pressupostos legais, permitir o acesso ao procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais, sem passar pela fase prévia de liquidação do património societário – cf. artº 27º do Regime Jurídico da Dissolução e da Liquidação de Entidades Comerciais.

    5. Do explanado, resulta que inicialmente o documento em questão, i. é, a referida ata, só por si, seria anódino, apesar de dele ter o arguido feito constar facto falso (a inexistência de passivo), dado que essa declaração não tinha a virtualidade de liberar a sociedade perante os seus credores. No entanto, a intenção concretizada pelo arguido de usar tal declaração inserta na ata, com a finalidade de assim obstar ao procedimento de liquidação da sociedade, obtendo a imediata dissolução e liquidação da mesma, sem passar por tal procedimento, transformou tal declaração – que, não fora tal uso, apenas integraria um falso não punível – em declaração expressa de «facto juridicamente relevante» para aquele efeito. Aliás, a redação do aludido no nº 1 do artº 27º atribui relevância ao facto declarado, na medida em que, não existindo a referida declaração de inexistência de passivo, não poderia ter lugar tal procedimento especial (al. b)) e por sua vez este, pondo em causa a segurança das relações jurídicas, conduziu à imediata extinção da sociedade.

    6. No que concerne à relevância que se atribui à não prova da inexistência de ativo entendemos que a declaração da inexistência de passivo tem a relevância que aqui já lhe atribuímos e em nada fica prejudicada pela inexistência de ativo. Note-se que a norma da alínea b) do nº 1 do mencionado artigo 27º usa a disjuntiva “ou” e não a conjuntiva “e”, o que faz concluir que o procedimento em causa só pode ter lugar se inexistir ativo e passivo a liquidar.

    7. Na sequência deste raciocínio realça-se que não se mostra igualmente pertinente fazer apelo à circunstância de o não pagamento da dívida não ser consequência direta da extinção da sociedade devedora mas, isso sim, da inexistência de ativo que responda pelas dívidas. É que o elemento subjetivo do tipo traduz-se na exigência de um dolo específico, consistente na intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo. Não se exige a efetiva ocorrência desse prejuízo ou benefício; basta que haja sido aquele o propósito a presidir à manobra defraudatória praticada pelo arguido, o que ocorreu no presente caso.

    8. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente ao apresentar o documento em apreço na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, nos termos igualmente supra referidos. Fê-lo com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública, ciente de que o que declarava e fazia constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade, logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de ativo e passivo e levar à extinção da aludida sociedade, enquanto pessoa coletiva, sabendo que obtinha benefício ilegítimo para si, a que não tinha direito.

    9. Perante o supramencionado, conclui-se que o tipo em estudo, de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, 1, d) e e), por referência ao artigo 255º, al. a), ambos do Código Penal, está consumado, quer na sua perspetiva típica subjetiva, quer objetiva.

    10. Ao exarar o despacho de não pronúncia colocado em crise o Mmo. Juiz de Instrução Criminal não apreciou corretamente a prova produzida, nem retirou as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, violando deste modo o disposto no artigo 256º do CP e nos artigos 127º e 308º, nº 1, ambos do CPP. Assim, requer-se que a decisão recorrida seja revogada, substituindo-se por outra que determine a submissão do arguido a julgamento pela prática do assacado crime de falsificação de documento.

    Porém, decidindo, V. Ex. farão a costumada Justiça.

  3. O recurso foi admitido para subir imediatamente e com efeito devolutivo.

  4. Ao recurso respondeu o arguido defendendo a manutenção da decisão recorrida.

  5. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando a posição perfilhada pelo recorrente, se pronuncia no sentido do recurso dever proceder.

  6. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, não houve reação.

  7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Sendo por intermédio das conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão que urge decidir traduz-se em saber se, ao lavrar (escrever e assinar) ata donde fez constar, sem correspondência com a realidade, que a sociedade B... , Lda., da qual era sócio gerente, não tinha ativo nem passivo a liquidar, deliberando, assim, a sua dissolução e apresentando-a, após, na Conservatória de Registo Comercial, com o que logrou registar a dissolução, o encerramento da liquidação e o cancelamento da matrícula da dita sociedade, incorreu o arguido na prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e) do C. Penal. 2. A decisão recorrida Ficou a constar do despacho recorrido [transcrição parcial]: (…) B) Análise crítica da decisão final do inquérito e ponderação dos indícios: I – Atento o acervo probatório constante dos autos de inquérito e na instrução consideram-se suficientemente indiciados os seguintes factos constantes da acusação: 1 - O arguido A... foi sócio-gerente da sociedade comercial unipessoal por quotas “ B... , Lda.” desde o dia 25 de Julho de 2006 até ao dia 26 de Abril de 2013, tendo tal sociedade comercial por objeto comercial, designadamente, a construção e manutenção de piscinas e jardins. 2 – No dia 17 de Abril de 2013, pelas 20 horas, na Travessa (...) , Ourém, o arguido A... , na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial “ B... , Lda.” redigiu e assinou a ata número nove, na qual, designadamente, fez constar os seguintes dizeres: “(…) considerando que já foi liquidado todo o ativo e passivo da sociedade, que não existem bens a partilhar e que as respetivas contas de 2013 já foram aprovadas e encerradas, foi deliberado por unanimidade dissolver a referida sociedade (…)”. 3 - Na posse de tal ata, no dia 26 de Abril de 2013, o arguido...

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