Acórdão nº 447/15.8GCTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAB
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam – em conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: TÍTULO I – RELATÓRIO § 1.º Na sequência de pertinente julgamento no âmbito processual (Processo Especial Sumário), foi produzida a sentença documentada na peça de fls.

217/256, por cujo conteúdo foi resolvido condenar o sujeito-arguido A...

à reacção penal de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 15,00 (quinze euros), a título punitivo do assacado[1] cometimento – no dia 29/12/2015 – dum ilícito criminal de desobediência, [p. e p. pelo art.º 348.º/1/b) do Código Penal].

§ 2.º Baseou-se, para tanto, o competente órgão julgador[2] no seguinte, essencial e correlato ajuizamento factual[3]: «[…] 1. No dia 29 de Dezembro de 2015 encontrava-se convocada a Assembleia de Freguesia de X... , com seguinte ordem de trabalhos: - Período antes da ordem do dia: - Discussão e aprovação da acta da sessão anterior; - Intervenções a fazer ao abrigo da alínea b) do artigo 21º do Regimento da Assembleia da Freguesia de X... .

- Período da Ordem do dia: - Apreciação da actividade de Junta de Freguesia; - Discussão e votação da proposta de Orçamento e das Grandes opções do Plano de Actividades para 2016; - Proposta de atribuição de Toponímia; - Outros assuntos do interesse da Freguesia.

  1. O aqui arguido é membro da Assembleia de Freguesia, eleito pelas listas apresentadas pelo Partido Socialista.

  2. A sessão de 29 de Dezembro de 2015 ocorreu nessa data em virtude de a sessão de 21 de Dezembro de 2015 ter sido suspensa na sequência de o arguido ter montado uma câmara de filmar no espaço onde iria funcionar a Assembleia.

  3. Nessa sessão, de 21-12, foram suscitadas dúvidas sobre a possibilidade de o arguido poder ou não filmar a reunião e todos os presentes.

  4. Razão pela qual a mesma foi suspensa – fls. 106 a 107.

  5. No dia 29-12-2015, o arguido, antes da abertura da sessão, voltou a montar a máquina de filmar e ligou-a, comunicando à mesa da Assembleia de Freguesia que a [sessão] iria filmar.

  6. Nessa sessão foi pedido, pelo presidente da Mesa, que o aqui arguido apresentasse a competente carteira profissional de jornalista, ao que ele respondeu que era director do jornal Y... , razão pela qual procedia à filmagem da sessão.

  7. Foi questionado, pela mesa, se estava na qualidade de membro da Assembleia ou na de jornalista, tendo dito que estava na dupla qualidade.

  8. Alertado para que não poderia esta na dupla qualidade, por incompatibilidade de funções, ocorreu uma troca de argumentações entre o arguido e os restantes membros da assembleia, sendo que a mesa entendeu que só poderia filmar com o consentimento dos membros do órgão. 10.

    Submetida à votação, na referida assembleia, obteve 1 voto a favor, duas abstenções – o arguido recusou-se a votar – e cinco contra a autorizar o arguido a filmar.

  9. Após tal votação o presidente da mesa da assembleia dirigiu-se ao arguido dizendo que deveria desligar a câmara de filmar, atendendo à votação.

  10. O arguido respondeu que não iria desligar a câmara, tanto mais que a assembleia de freguesia não possuía legitimidade para o efeito, por se tratar de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidas.

  11. Perante isso, a mesa da Assembleia determinou que fosse chamada a GNR, para que fosse desligada a câmara de filmar e se pudesse retomar a normalidade dos trabalhos.

  12. Chegados os elementos da GNR, e após saberem dos motivos de ser chamados, interpelaram o arguido no sentido de saber se tinha sido credenciado para filmar a Assembleia de Freguesia, e se tinha credencial de jornalista, caso contrário teria de ser desligada a câmara de filmar.

  13. O arguido não exibiu qualquer carteira profissional.

  14. Perante a insistência, múltipla, em responder “Sou o director do jornal Y...

    ”, B....., militar da GNR, disse-lhe que se não desligasse a câmara teria que o deter por desobediência.

  15. Perante tal comunicação o arguido continuou a dizer: “Sou o director do Jornal Y...

    .” 18.

    Ante a recusa da ordem dada pelo militar da GNR, este deteve o arguido e levou a câmara de filmar.

  16. O arguido sabia que a ordem que lhe havia sido dada era efectuada por um militar da GNR que se encontrava em serviço, devidamente uniformizado.

  17. O arguido sabia que havia sido deliberado pela assembleia de freguesia no sentido de não ser filmada a sessão.

  18. O arguido sabia que a ordem era legítima.

  19. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei com crime.

  20. Mesmo assim o arguido actuou de forma livre consciente e voluntária, com o propósito de efectuar a gravação, recusando-se a desligar a câmara de filmar.

    Além da acusação provou-se que: 24. O arguido é director do Jornal Y...

    , desde a sua fundação, propriedade da Casa do Povo de X... .

  21. O Jornal tem distribuição gratuita, com uma tiragem de cerca de 1.000 exemplares.

  22. O arguido não fez a sua inscrição junto da Mesa da AFM, na qualidade de jornalista, antes do respectivo início.

    […] 36. Não consta dos autos que o arguido tenha feito constar, em actas anteriores, qualquer protesto sobre a correspectiva exactidão.

    […]» § 3.º 1 – Dela (sentença) recorreram o Ministério Público e o próprio arguido – correspondentemente, pelas peças juntas a fls.

    305/314 e 289/303-373/377, (cujos teores nesta sede se têm por reproduzidos) –, propugnando: 1.1 – O Ministério Público, pela mera clarificação/rectificação da específica actuação dos dois militares da GNR incumbidos da interpelação ao arguido para desligamento da câmara de vídeo – de quem disse e fez o quê –, com a consequente alteração do conteúdo descritivo dos pontos-de-facto 14 e 16 (!), como emerge do quadro-conclusivo da respectiva motivação (vd.

    fls. 310/314): «[…] I. O recurso interposto pelo Ministério Público incide, apenas, sobre a forma como o tribunal julgou incorretamente os fatos constantes dos pontos 14 e 16 dos fatos provados.  II. Relativamente ao ponto 14 dos fatos dados como provados o tribunal considerou que “Chegados os elementos da GNR e pós saberem dos motivos de serem chamados, interpelaram o arguido no sentido de saber se tinha sido credenciado para filmar a Assembleia de Freguesia, e se tinha credencial de Jornalista, caso contrário teria de ser desligada a camara de filmar” III. Ora, das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pela testemunha C... , militar da GNR, conforme consta da ata de fls. 175 a 180, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, cujo inicio ocorreu 16:17:36 e o seu termo pelas 16:23:59, constata-se que o mesmo refere “...eu questionei o Sr. A... se estava autorizado ou se tinha alguma credencial para fazer filmagem/gravação do elenco ao qual me respondeu que era director do jornal “ Y... ”.

    Mas refere que “...interroguei-o várias vezes se estava credenciado ou se tinha autorização para fazer filmagens ao que sempre me respondeu sou director do jornal “ Y... ”.

    “...Após várias interpelações que eu fiz ele respondia da mesma maneira, disse-lhe tem que desligar a máquina ao que me respondeu que não... mais uma vez informei que se não desligasse a máquina vou ter que o deter por desobediência... não desligo foi a resposta dele... voltei a questionar que o detinha se não desligasse... não desligou e dei-lhe voz de detenção... ”  IV. Das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pela testemunha B... , militar da GNR, conforme consta da data de fls. 175 a 180, cujo início ocorreu pelas 16:24:33 e o seu termo pelas 16:30:30, constata-se que o mesmo refere “...o meu colega disse ao senhor se tinha algum papel que o autorizasse a fazer filmagens ou gravações ao que ele dizia que era director do jornal “ Y... ”; “...o meu colega insistiu várias vezes a perguntar-lhe ao que ele só dizia que era director do jornal”; “...o meu colega disse-lhe para desligar a máquina e o Sr disse-lhe que não desligava... o meu colega disse-lhe que se não desligasse incorria no crime de desobediência... o meu colega deu-lhe voz de detenção...”.

    1. Para além das declarações prestadas pelas referidas testemunhas, bem como, do conteúdo do auto de notícia e documentos de fls. 3 a 15, facilmente se alcança que o militar da GNR que tomou conta da ocorrência, deu voz de detenção ao arguido e participou os fatos foi o Cabo da GNR C... e não B... .

    2. Tendo sido este militar que depois de se inteirar do que se estava a passar, interpelou o arguido no sentido de o mesmo dizer se tinha conhecimento da deliberação da Assembleia de Freguesia que o impedia de filmar, se tinha credenciação para filmar e se possuía credencial de jornalista, caso contrário teria de ser desligada a câmara.

    3. Pelo que, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, o ponto 14 dos fatos provados, deverá passar a conter a seguinte redacção “Chegados os elementos da GNR e após saberem dos motivos de serem chamados, pelo militar da GNR, Cabo C... , foi interpelado o arguido no sentido de saber se o mesmo tinha conhecimento da deliberação da Assembleia de Freguesia que o impedia de filmar, se tinha credenciação para filmar e se possuía credencial de jornalista, caso contrário teria de ser desligada a câmara ” IX. Relativamente ao ponto 16 dos fatos provados, verificamos que o mesmo também foi incorretamente valorado, atento o referido em III e IV.

    4. Conclui-se que quem interpelou o arguido e lhe deu voz de detenção foi o militar da GNR, Cabo C... , e não B... , conforme dado como provado no ponto 14.

    5. Pelo que, atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, o ponto 16 dos fatos provados, deverá passar a conter a seguinte redacção “Perante a insistência, múltipla, em responder “Sou o diretor do jornal Y... ”, C... , militar da GNR, disse-lhe que se não desligasse a câmara teria de o deter por desobediência”.

    6. Atenta a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir a fixação da matéria de fato dada como provada nos pontos 14 e 16, nos termos em que o foi...

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