Acórdão nº 161/15.4GBAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do Inquérito nº 161/15.4GBAGN que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Arganil – Procuradoria da Instância Local, em 6/1/2017, foi proferido despacho de arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do CPP.
Na sequência disso, em 2/3/2017, A...
, assistente nos autos, veio requerer a abertura de instrução, solicitando, por um lado, a declaração de nulidade do inquérito prevista no artigo 120.º, n.º 2, d), do CPP, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, e, por outro lado, a pronúncia do arguido, pela prática dos crimes de dano, abuso de poder e introdução em lugar vedado ao público.
Remetidos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – J3, em 3/4/2017, foi proferido o seguinte Despacho: “Inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público veio o Assistente requerer a abertura da instrução, a fls. 127 ss, contra o arguido B..., alegando , em síntese : - Existe nulidade de inquérito por omissão de formalidades essenciais já que foi solicitada a intervenção da APA, CCDR-C e dos Recursos Hídricos ; - Requer a pronúncia do arguido pelos crimes de dano , abuso de poder e introdução em lugar vedado ao público .
No que concerne nulidade invocada cumpre salientar que a nulidade por insuficiência de inquérito prevista no art.º 120º alínea d) do CPP se reporta apenas à situação de omissão de formalidades obrigatória por lei , como o interrogatório de arguido em caso de acusação .
Ora o requerido pelo Assistente não constitui qualquer acto obrigatório pelo que julgo improcedente a nulidade invocada .
Notifique No requerimento de abertura de instrução quanto aos factos em que o Assistente figura como ofendido, limita-se a descrever razões de factos e de direito de discordância dos fundamentos do despacho de arquivamento quanto aos crimes de dano, abuso de poder e introdução em lugar vedado ao público não construindo uma descrição encadeado no espaço, tempo e modo dos factos imputados . Igualmente em relação aos elementos subjectivos do ilícito em causa existe uma insuficiência dos mesmos , pois apenas descreve a consciência da ilicitude , quanto refere , que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei , omitindo os elementos factuais subjectivos , quando ao elemento volitivo e cognitivo do dolo .
No caso do crime de dano limita-se a invocar de modo genérico e abstracto danos mas não descreve factos que descrevam a sua concreta dimensão v.g. “repetiu as intervenções no açude , no rio com dano para a propriedade do Assistente “ – art.º 11º do RAI . Também não descreve a propriedade do Assistente e respectiva dimensão com vista a poder apurar-se o elemento alheio .
Igualmente em relação aos demais crimes se limita a considerações genérica e abstractas .
No caso de despacho de arquivamento proferido pelo MP, o requerimento de abertura de instrução constitui substancialmente uma acusação com as exigências elencadas no art.º 283º, n.º 3 do CPP.
Ora , e como já referido não se procede à narração dos factos imputados com especial enfase nos elementos objectivo e subjectivo dos crimes imputados , nos termos supra referidos.
Ora, dispõe o art. 287º nº 2 do C.P.P. que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre quer disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art. 283º nº 3 b) e c).
Três soluções possíveis se colocam : - o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, e não se verificando, terá o juiz que abrir sempre a instrução e depois será no debate instrutório onde não pronunciará (cfr. Ac. RL de 12-6-2001, rec. 3437/01); - o Juiz de Instrução deverá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento (cfr. Ac. R.E. de 16-12-1997, BMJ nº 472, p. 585, Ac. RL de 20-6-2000, C.J., 3º, p. 153); - não há base legal para o aperfeiçoamento, cfr. Ac. RL de 9-2-2000, C.J., t. 1º, p. 154, Ac. RL de 11-4-2002, C.J., t. 2º, p.147; Ac. STJ de 20-06-2002 , proferido no processo 7084/01- 5ª Secção, não publicado ; Ac. STJ de 11-04-2002 , proferido no processo n.º 471/02-5ª Secção; * 1. A figura do aperfeiçoamento encontra-se prevista no art.º 508º do CPC mas não têm aplicação «ex vi »do art.º 4º no CPP , pois trata-se de um acto perfeitamente anómalo em face de regras procedimentais do processo penal as quais são claras e transparentes mercê dos direitos em causa no âmbito do processo criminal.
O anómalo aperfeiçoamento a existir teria de ser concedido a tudo e a todos, o que implicava a existência de aperfeiçoamentos de acusações. O processo penal português tem, como refere o Prof. Figueiredo Dias (Princípios estruturantes do processo penal, in Código de Processo Penal, vol. II, t. II, p. 22 e 24, Assembleia da República), uma “estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação oficial”, estabelecendo-se por força do princípio da acusação que a entidade julgadora não pode ter funções de investigação e de acusação no processo antes da fase de julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites da acusação fundamentada e apresentada pelo Ministério Público ou pelo ofendido (lato sensu), onde se inclui o requerimento de abertura de instrução.
Ou, nas considerações de juristas, não menos eminentes – Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira , Constituição da República Anotada , 3ª edição , p. 206 «… A estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais , a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo . Daqui resulta que o juiz de instrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar , directamente ou por convite ao assistente requerente da abertura de instrução…»; A admitir o anómalo aperfeiçoamento da acusação ou do requerimento da abertura de instrução, constituiria uma violação do princípio do acusatório, ao ver a entidade julgadora a ter funções de investigação antes do julgamento, o que certamente, o actual C.P.P. não pretende. Por outro lado, como assinala o Ac. da Relação Lisboa nº 10685/2001, rel. Dr. Trigo Mesquita, "(...) o convite dirigido às partes, pelo juiz, para a correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa".
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Não tem aplicação , no caso a reparação oficiosa da irregularidade processual prevista no art.º 123º, n.º 2 do C:P, já que tal insuficiência não é susceptível de reparação oficiosa em virtude da violação do princípio do acusatório .
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Não pode, no caso, ter aplicação o disposto no art.º 288º, n.º 4 do CPP que refere que incumbe ao juiz investigar autonomamente os factos que constituem objecto da instrução , já que , o que está verdadeiramente em causa é a falta de factos ( os factos integradores subjectivamente do crime) ; O STJ veio a tomar posição quanto à questão no Ac. STJ de 7/2005 de fixação de jurisprudência entendendo que « Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução , apresentado nos termos do art.º 287º, n.º 2 do CPP , quando for omisso em relação à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido» , publicado no DR 1-A Série , de 4 de Novembro de 2005 .
Em suma , a "falta de indicação de factos pode gerar a inexistência do processo e consequente inadmissibilidade do requerimento por falta de objecto"(Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, verbo, vol. 3º, 2ª ed., p. 144 nota 3), como é o caso .
Assim, por inadmissibilidade legal, rejeito o requerimento de abertura de instrução (art. 287º nº 3 do C.P.P.) nos termos expostos e não admito a abertura da instrução.
Notifique **** Inconformado com tal Despacho, dele recorreu o assistente, em 15/5/2017, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Salvo melhor opinião, existe ausência total de fundamentação da decisão que recaiu sobre a nulidade invocada, como também errada interpretação do direito relativamente ao normativo em causa, sendo certo que o fundamento da decisão está em clara contradição com o fundamento da nulidade de inquérito suscitada.
2. Ou seja, o recorrente suscita a nulidade de inquérito com fundamento na omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material, e o tribunal a quo indefere a nulidade com fundamento de que não foram omitidos quaisquer atos obrigatórios por lei.
3. Nessa medida, e na modesta opinião do Recorrente, existe claramente uma contradição insanável da fundamentação e/ou entre a fundamentação e a decisão, ao abrigo do artigo 410.º, do CPP, uma vez que a fundamentação acolhida não corresponde à argumentação invocada pelo Recorrente.
4. O que, naturalmente, impõe a nulidade da decisão em crise, o que se invoca com todas as legais consequências.
5, Sem prescindir, o Recorrente narra novamente os factos que, em sua opinião, constituem indícios da prática dos crimes participados, e que mereciam uma investigação mais profunda e incisiva, tal como identifica devidamente o seu principal agente, enquadrando os factos no espaço e no tempo. O que, aliás, já resultava da queixa apresentada.
6. Salvo melhor entendimento, tais indicações não são meras considerações genéricas ou abstratas, pois referem-se a atos concretos praticados pelo...
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