Acórdão nº 444/16.6T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Data12 Setembro 2017
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A...

, residente no (...) Guarda, Intentou a presente ação comum contra B...

, residente em (...) , Guarda, peticionando a sua condenação no pagamento do seu crédito no valor de 12.711,43, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a interpelação.

Alega, em suma, (aqui se incluindo o alegado após o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido) que tiveram um relacionamento amoroso e, idealizando uma vida familiar em comum, decidiram construir uma casa num terreno que já pertencia à Ré.

Para financiarem a construção, contraíram, conjuntamente, um empréstimo bancário (credito hipotecário). Uma vez que pretendiam iniciar a obra e a primeira tranche do financiamento não estava disponível o Autor foi adiantando dinheiro seu para despesas e encargos com a obra no valor global do montante peticionado, na condição e expectativa de que as mesmas lhe seriam reembolsadas com os montantes mutuados pelo banco.

Tais montantes que adiantou destinaram-se à fase inicial da construção, nomeadamente ao pagamento ao empreiteiro para a execução da moradia, pagamento de materiais de construção, como por exemplo pedra e outros, que discrimina.

Sucede, porém, que a relação entre ambos terminou e o Autor deixou de ter a posse e direcção da obra e nunca veio a beneficiar da moradia.

Solicitou à Ré a restituição do dinheiro, já que o dinheiro do mútuo bancário foi sendo recebido por ela, o que não sucedeu até à data.

Contesta a Ré dizendo (aqui incluindo o requerimento de resposta à p.i aperfeiçoada) que todas as despesas com a construção da casa foram pagas por si, admitindo apenas que o A. possa ter pago alguma despesa de pequena monta; nunca chegaram a residir juntos, a construção da casa não foi uma decisão conjunta mas pessoal e exclusiva sua, tendo sido ela quem decidiu e pagou tudo quanto esteve relacionado com a construção da casa, não lhe devendo, com certeza, os valores peticionados.

Impugna o pagamento da pedra, já quem tratou de tudo foi o empreiteiro por si contratado e bem assim o pagamento ao empreiteiro, já que era ela quem pagava e se relacionava com o mesmo.

* Como já se referiu, foi dirigido ao A. um convite a aperfeiçoamento da p.i e para juntar documentos, seguindo-se o contraditório.

* Realizou-se audiência prévia, na qual, além do mais foi elaborado saneador, fixado o objeto do litígio, factos assentes e temas da prova – vide fls 92 e segs.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 129 a 143, na qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, o tribunal decide julgar a ação parcialmente provada e procedente e em consequência condena a Ré a pagar ao A. a quantia de 9.019,86€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação (19/11/2014).

Condenam-se o A. e R. nas custas do processo, na proporção do decaimento – art.º 527º do CPC e art.º 6º do RCP.

* Mais fica a Ré notificada para, em 10 dias se pronunciar quanto à litigância de má-fé Após, conclua para decisão, a qual fará parte integrante desta sentença.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré B... , recurso, esse, admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 174), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal Judicial da Guarda, em 29 de Março de 2017, a qual decidiu julgar a ação parcialmente provada e procedente e em consequência condenar a Ré (ora Recorrente) a pagar ao Autor a quantia de € 9.109,86 (nove mil cento e nove euros e oitenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de interpelação – 19 de Novembro de 2014.

  1. Para sustentar tal pretensão foi alegado pelo Autor que manteve um relacionamento amoroso com a Recorrente até finais do ano de 2011 e que idealizando uma vida familiar em comum decidiram edificar uma casa um terreno que já era pertencia à Ré para no futuro instalarem a casa morada de família.

  2. Terminado o relacionamento amoroso pretende o Autor que lhe seja restituído o montante que despendeu e configura tal crédito como sendo crédito por benfeitorias, nos termos do artigo 1273.º do Código Civil.

  3. Contudo, à margem de tal entendimento e com arrimo no disposto no nº3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil - “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” - a MM. Juiz do Tribunal a quo não perfilhou do enquadramento jurídico feito pelas Partes de que o direito de crédito do Autor seria um crédito de por benfeitorias.

  4. Antes sim, que tinha sido celebrado entre o Autor e a Ré de um contrato atípico com figuras de mútuo e de cláusula de compensação entre dinheiro próprio e comum e que seria o seu incumprimento a fonte de tal crédito.

  5. O que representou uma verdadeira “decisão surpresa” na medida em que as partes assentaram ao longo do processo o seu enquadramento jurídico-factual de forma totalmente diversa da plasmada na sentença.

  6. Ora, estabelece o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil que: "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".

  7. Pondo o enfoque no plano das questões de direito, a norma proíbe, desde logo, as decisões-surpresa, isto é, as decisões baseadas "em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes".

  8. Propendemos a entender que a sentença não poderia ter decidido a questão do crédito do Autor com um fundamento frontalmente diverso e não ponderado, por qualquer forma, pelas partes nos seus articulados, sem antes ter convidado a Recorrente a pronunciar-se e tomar posição sobre essa questão de direito.

  9. Note-se que confrontando a petição inicial não podemos deixar de concluir que o Autor indica expressamente que o seu direito a receber da Ré determinado montante deriva do seu crédito por benfeitorias.

  10. De modo que, não podia o Tribunal a quo julgar procedente a ação com base no incumprimento de um contrato atípico com figuras de mútuo e com uma cláusula de compensação, quando o Autor não configurou a ação como sendo uma situação de mútuo mas sim de crédito por benfeitorias.

  11. A sentença baseou a decisão num fundamento que não foi previamente considerado pela Recorrente (nem pelo Autor). E, dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua não observância pelo tribunal é suscetível de influir no exame ou decisão da causa. Assim, a omissão do convite às partes para tomarem posição, gera a nulidade da decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil.

  12. Não obstante a alegada nulidade da sentença, por razões de mera cautela de patrocínio, importa passar à abordagem do enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo, em relação ao qual não podemos deixar de mostrar a nossa discordância.

  13. Entendeu a Mmª Juiz do Tribunal a quo que estaríamos perante uma situação de incumprimento contratual, porquanto no âmbito da liberdade contratual das partes, legalmente consagrada no artigo 405.º do Código Civil, tinha sido celebrado um contrato atípico com figuras do contrato de mútuo e de cláusula de compensação entre dinheiro próprio e comum e, portanto, seria este contrato, rectius, o seu incumprimento o facto constitutivo do direito de crédito do Autor.

  14. A Recorrente discorda da subsunção dos factos ao direito operada pelo Tribunal a quo na medida em que não vislumbra os traços ou elementos constitutivos de um verdadeiro acordo de partes bilateral em que se consubstanciaria o dito contrato atípico com figuras de mútuo e de cláusula de compensação.

  15. Movendo-nos no âmbito do contrato de mútuo verificamos que o primeiro elemento constitutivo do contrato de mútuo está prejudicado - a entrega -, o que torna impossível a verificação do segundo elemento a restituição, pois só se pode restituir o que efectivamente se recebeu e nada foi entregue, o que fragiliza de imediato o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo.

  16. De facto, não tendo havido a entrega desse dinheiro à Ré a mesma nunca ficaria obrigada a proceder à sua restituição, nem tão pouco podia entender-se que foi fixada uma cláusula de compensação que adiantou as quantias que deveriam ser suportadas por dinheiro comum.

  17. Analisada a sentença, em momento algum da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo se retira a existência de um contrato ou acordo de vontades bilateral entre Autor e Ré que é pressuposto da solução jurídica definida na sentença.

  18. A sentença é omissa quanto ao acordo da Ré à...

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