Acórdão nº 16/12.4GFCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 16/12.4GFCVL,da Comarca de Castelo Branco, Covilhã – Inst. Local – Secção Criminal – J1, foram pronunciados os arguidos A...

, solteiro, engenheiro civil, nascido em 10.02.1952, natural de (...) - Guarda, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) Guarda e B...

, casado, empresário, nascido em 18.05.1965, natural de (...) - Sabugal, filho de (...) e de (...) , residente na (...) Bendada, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado morte p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.º, nºs 1 alíneas a) e b) e 2 e 285.º ambos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença datada de 16-01-2015, depositada em 08-05-2015 ( cfr. fls 614), o tribunal decidiu absolver os arguidos da prática do imputado crime.

3. Inconformado recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: 1. Conforme consta dos autos, ocorreu, em 16 de Janeiro de 2015, a leitura da sentença, nasala de audiências deste Tribunal, sem que a mesma tenha sido depositada de imediato, em clara violação do disposto no art. 312°, n.º 5 do C. P. Penal. Isto mesmo resulta da declaração de depósito que se encontra a fls. 564, onde consta assinado pelo Sr. Secretário Judicial que a Sentença só foi depositada em 8.05.2015.

2. Deste modo, e de acordo com Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do Ac. RP de 5 de Fevereiro de 2003, Proc. 0242573, Rel. Isabel Pais Martins e na CJ, XXVIII, T. I, pág. 214, no Ac. RL de 12 de Janeiro de 2005, Proc 8439/2004 - 3a, Rel. Mário Morgado, e Ac. RL de 23 de Junho de 2005, Proc. 4544/05-9a, Rel. João Carrola e na CJ, XXX, T. III, pág. 139, tais sentenças são inexistentes e nulas.

3. Assim, verifica-se que o caso dos presentes autos se pode e deve enquadrar na situação supra descrita, correspondendo a uma sentença nula, por ter sido violado o disposto no art. 372°, n.º 5 do C. P. Penal, devendo ser declarada a inexistência da referida sentença, e ser ordenada a repetição do julgamento.

4. No que respeita à sentença absolutória proferida nos autos, e segundo consta da matéria de facto dada como não provada (factos a) a mn)), foi relevante a valoração que o Tribunal “a quo’’’ fez da prova produzida em audiência de julgamento, que consta da respectiva motivação. Segundo consta da sentença que ora se recorre, os factos dados como não provados, segundo a motivação, resultam da sentença ora recorrida, e constam de uma singela página da mesma sentença, a fls. 559 dos autos, o que entra em gritante contradição com a fundamentação da decisão instrutória que decidiu pela pronúncia dos arguidos, e que tem, só de motivação, 21 páginas (de fls. 487 a 508 dos autos).

5. Efectivamente, resulta da motivação da sentença que ora se recorre, que os factos dados como não provados, advém da (e passa-se a citar): « (...) Não se deram como provados os factos vertidos nesta sede, com fundamento nas declarações da testemunha C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes; depoimento conjugado com o prestado pela testemunha Eng. D... , que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas; e, ainda relatório por si elaborado junto fls. 468, nomeadamente de fotografias de fls. 470 a 473, e conclusões de fls. 460 de onde resulta evidenciado que, naquela concreta obra estavam a ser respeitadas as regras de segurança.». E aqui chegados, a pergunta que se faz é a seguinte: Mas de onde resulta que as regras de segurança estavam a ser respeitadas? Do depoimento da testemunha C... ? Mas como? Tal não é explicado na douta decisão recorrida, nomeadamente no que respeita à motivação da matéria de facto, na medida em que se fica sem perceber em que medida o depoimento da testemunha C... , que segundo essa mesma motivação, referiu que (e passa-se a citar a motivação da douta sentença): “no momento do acidente estavam a desmontar andaimes para fazer a limpeza; que as pedras tinham acabado de ser retiradas das paredes”, de per si, significa que as regras de segurança se encontravam implementadas, e estavam a ser respeitadas.

6. Por outro lado, também se fica sem saber em que medida é que o depoimento do Eng. D... , que, ainda segundo a motivação da douta sentença, (e cita-se): “que foi ao local e verificou que não havia andaimes montados; que as mesas no local se destinavam a suportar os prumos utilizados na cofragem das vigas’’, permite, conjugado com o depoimento da testemunha C... , concluir o Tribunal pelo respeito e implementação das regras de segurança no local onde o acidente e a morte ocorreram. Ou seja, aquilo que se pretende dizer é que, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não efectuou uma análise crítica da prova, de forma a se poder aferir da sua razoabilidade e do fio condutor de raciocínio que permita dar como provados os factos constantes da douta sentença, e no caso concreto que agora nos preocupa, como permite dar como não provados os factos a) a mn).

7. Continuando nesta linha de argumentação, e continuando a analisar a fundamentação, temos que, e passa-se a citar: “não havendo qualquer nexo causal entre uma eventual conduta contra-ordenacional e perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores”. Aqui chegados, impõe-se perguntar, mas esta conclusão decorre de onde? De que factos, testemunhos ou documentos? Não sabemos.

8. Depois, escreve-se: “... e depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou; a versão foi corroborada pela testemunha C... , que trabalhava no local, que descreveu os factos de forma sentida; tais depoimentos são corroborados pelas fotografias de fls. 7, 33 de onde se colhe que não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores antes a suportar prumos de suporte à cofragem da viga; a existência da escada em alumínio aludida pelas testemunhas colhe-se das fotografias de fls. 392; ” Aqui chegados, mais uma vez, fica-se sem se perceber o que significa, nas palavras do Tribunal “a quo”, que a testemunha C... descreveu os factos de forma sentida. Mas que factos? Igualmente se desconhece.

9. Deste modo se constata que estamos perante um vício de erro notório na apreciação da prova, por insuficiência de fundamentação, na medida em que o Tribunal “a quo” não fez um juízo crítico e minimamente entendível sobre a forma como chegou a dar como não provados a maioria dos factos constantes da decisão instrutória.

10. No que respeita à sentença absolutória proferida nos autos, existe ainda uma outra questão que se prende com a manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada, e a respectiva fundamentação da matéria de facto.

11. Se o tribunal “a quo” deu como provado no ponto 12) da matéria de facto que (e passa-se a citar): No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior", como pode escrever-se na fundamentação da matéria de facto que “... não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores”? Ficando-se na incerteza sobre se, afinal, existiam andaimes ou não na obra, se os mesmos foram ou não montados.

12. Assim, se o tribunal “a quo” deu como provado no ponto 12) da matéria de facto que (e passa-se a citar): “No dia e hora referidos em 11, o sinistrado e demais trabalhadores procediam à desmontagem dos andaimes e limpeza do interior”, tal entra em flagrante contradição com o que resulta da fundamentação da matéria de facto quando se refere que “... não havia andaimes destinados à circulação os trabalhadores’’, e, quando se refere às declarações da testemunha C... , à qual deu credibilidade (embora tal não se mostre textualmente escrito, mas que se infere da leitura da motivação da matéria de facto), referiu (e passa-se a citar): “ C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza”.

13. E, quando se refere às declarações da testemunha C... , à qual deu credibilidade (embora tal não se mostre textualmente escrito, mas que se infere da leitura da motivação da matéria de facto), referiu (e passa-se a citar): “ C... que disse que no momento do acidente estavam a desmontar os andaimes para fazer a limpeza ”, ficando-se na incerteza sobre se, afinal, existiam andaimes ou não na obra, se os mesmos foram ou não montados.

14. Além disso, o Tribunal “a quo”, ao dar como não provado o facto de o trabalhador falecido subiu ao andar superior do andaime existente no interior da edificação, a cerca de 4,5 metros do solo, para pegar no balde que aí se encontrava, (facto vertido na al. c) dos factos não provados), e que se encontrava a subir a uma mesma do andaime, E... desequilibrou-se, facto vertido na al. d) dos factos não provados, foi dado como não provado, e a motivação da sentença refere que (e passa-se a citar): depoimento prestou a testemunha I... que chegou ao local imediatamente após o acidente e disse que o sinistrado tinha ido buscar um balde de pregos que esquecera em cima da porta; que utilizou uma escada extensível e se desequilibrou”, o que entra em frontal contradição com a fundamentação.

15. Existe, assim, um claro vício da sentença recorrida, previsto no art. 412°, n.° 2, al. c) do C. P. Penal, e que respeita à invocada contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão quanto à matéria de facto.

16. Com estas contradições, o Tribunal “a quo”, não contribuiu para a boa administração da Justiça.

17. Ora, não sendo minimamente aceitável...

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