Acórdão nº 96/14.8TBVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução25 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório I (…), com os sinais dos autos, intentou ([1]) a presente ação declarativa comum contra “S (…) & Filhos, S. A.

”, também com os sinais dos autos, pedindo que seja a R. condenada a: «

  1. Realizar no prédio identificado no art.º 1.º da petição as obras necessárias e adequadas a repor as condições de habitabilidade do rés-do-chão, nomeadamente, a reparação e/ou substituição do telhado por forma a que evite qualquer infiltração de água ou humidade no rés-do-chão, reparação e/ou substituição das janelas e portadas exteriores por forma a assegurar um adequado isolamento térmico, acústico e de luminosidade e reparação geral das paredes, tetos e soalho do arrendado por forma a eliminar as anomalias causadas pelas infiltrações de águas, substituindo os rebocos caídos e podres, reparando as paredes, pintando as paredes e tetos, etc. e entregando o arrendado à autora em condições de habitabilidade, tudo no prazo de 30 dias a contar da sentença; b) pagar à autora a quantia de € 150,00 por cada mês, contados desde 15 de abril de 2014, correspondentes ao montante das rendas que a autora paga pelo arrendado do apartamento referido nos artigos 28º e 29º (…) até que a ré efectue as obras referidas em a) e disponibilize à autora o arrendado em condições de habitabilidade, acrescido dos juros legais contados desde a data de liquidação de cada uma das rendas até integral pagamento da ré à autora; c) pagar à autora o montante que se vier a liquidar em execução de sentença relativo aos prejuízos causados com a deterioração e inutilização dos móveis, electrodomésticos, livros e tudo o mais existente no arrendado, propriedade da autora, em consequência das infiltrações de água, a liquidar em execução de sentença; d) pagar à autora a quantia de € 5.000,00 a título de danos morais».

    Para tanto, foi alegado, em síntese, que: - no âmbito de contrato de arrendamento para habitação celebrado em 01/09/1976, relativo ao rés-do-chão de identificado prédio urbano – de construção anterior a 1940 –, tendo a A. passado a ocupar a posição do primitivo arrendatário (marido, entretanto falecido, da demandante), e sendo, nos termos contratuais, as obras exteriores a cargo do senhorio, nunca a R. efetuou obras de conservação, o que ocasionou infiltrações de água pelo telhado, atingindo também o locado, com inerentes danos, seja no espaço locado, seja em bens que a A. ali mantinha e ali continuam, por não ter outro espaço para onde os mudar; - perante tal situação, a A. teve de abandonar o locado, por falta de condições mínimas de habitabilidade, o que foi comunicado à R., que ignorou os apelos daquela, vendo-se a demandante na necessidade de procurar provisoriamente outra habitação, pelo que veio a celebrar, com início em 15/04/2014, contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo de um ano, de um apartamento mobilado, com um montante de renda mensal de € 150,00, que passou a pagar; - a R. continua a recusar-se a realizar as obras necessárias, querendo desde há muito que o inquilino abandone o arrendado, sendo que a conduta daquela causa à A., com 75 anos de idade, grande transtorno e desorientação, bem como medo e depressão, devendo tais danos morais ser objeto também de reparação.

    A R. contestou, impugnando diversa factualidade alegada pela A. e alegando que: - à data da celebração do contrato a renda mensal era de valor correspondente a € 9,98, recentemente atualizada para € 50,00, sendo que ao longo dos 38 anos de relação contratual a A. nunca comunicou à R. qualquer necessidade de obras; - as obras exigidas podem ascender ao montante de € 100.000,00 sendo manifestamente abusivo a A. vir peticioná-las face ao montante de renda pago mensalmente; - a R. não pode ser responsabilizada pelo estado dos bens móveis pertença da A..

    Conclui, assim, pela improcedência da ação e consequente absolvição total da demandada.

    Na audiência prévia, tendo a A. exercido o contraditório, pugnando pela inexistência de abuso do direito, foi proferido despacho saneador, seguido de enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

    Realizada perícia, deduziu a A. incidente de liquidação, que foi admitido, peticionando, quanto à al.ª c) do pedido originário, a condenação da R. no pagamento da quantia de € 12.000,00, a que a demandada deduziu oposição, pugnando pela improcedência da matéria incidental.

    Realizada audiência final, foi proferida sentença, com decisão da matéria de facto e de direito, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição total da R..

    Da sentença veio a A., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes (…) Contra-alegou a R., pugnando pela manutenção, por bem fundada, da sentença recorrida.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi mantido o regime e efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito da apelação Perante o teor das conclusões formuladas pela parte apelante – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –, importa saber:

  2. Se deve alterar-se a decisão de facto da 1.ª instância, por erro de julgamento (supressão de parte dos pontos 12, 13, 14 e 17, bem como da totalidade do ponto 26, todos da factualidade dada como provada; aditamento aos pontos 11 e 18, da mesma factualidade; e inclusão na factualidade provada do alegado no art.º 26.º da petição inicial e ainda que “Os factos ocorridos causaram à autora grande transtorno e desorientação, andando triste e deprimida”).

  3. Se ocorre abuso do direito na exigência de obras; c) Se estão verificados os pressupostos de procedência dos pedidos da ação.

    *** III – Fundamentação

    1. Impugnação da decisão da matéria de facto 1. - A Recorrente, inconformada com a sentença absolutória proferida, começa por impugnar a decisão de facto, pretendendo, desde logo, que se proceda, pela via recursória, à supressão de parte dos pontos 12, 13, 14 e 17, todos da factualidade dada como provada.

      Assim, pugna pela eliminação dos seguintes segmentos fácticos a considerar: - “já em 1976 o imóvel apresentava sinais de que carecia de intervenção a nível de obras de conservação” (ponto 12); - “nem a autora ou seu marido efectuaram obras no interior do locado” (ponto 13); - “… pelo telhado do prédio aludido em 3…” (ponto 14); - “… o aludido em 16 ficou a dever-se à pluviosidade intensa que nessa altura do ano se fez sentir, e provocou a queda de parte do telhado…” (ponto 17).

      E pela eliminação total do ponto 26, de que consta que “o aludido em 25) ocorre em virtude de não ser possível substituir ou repor as telhas sem proceder a obras de recuperação do imóvel, atento o seu estado avançado de degradação”.

      1. - Em primeiro lugar, esgrime a Apelante que os factos dos pontos 12, 13, 17 e 26 não foram alegados e não são (meramente) instrumentais, antes se tratando de factualidade essencial (pelo seu extremo relevo para a decisão da causa), relativamente à qual não foi exercido o princípio do contraditório.

        Haverá, então, violação do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., como pretende a impugnante? Dispõe este normativo legal que cabe às partes o ónus de alegar os factos essenciais constituintes da causa de pedir e fundantes das exceções deduzidas (n.º 1), acrescentando serem ainda considerados pelo tribunal (n.º 2), para além de outros, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (al.ª a)), bem como os (essenciais) que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham as partes tido a possibilidade de se pronunciar (al.ª b)).

        Como refere Abrantes Geraldes ([3]), «importa reflectir nas modificações operadas em sede de delimitação dos “temas da prova”, por contraposição com o anterior sistema assente em “pontos de facto da base instrutória” ou com o anacrónico sistema dos “quesitos”, impondo-se agora se atenuem os efeitos de um determinado e frequentemente excessivo rigorismo formal, já criticável perante o sistema anterior», determinando o novo sistema «que a produção de prova em audiência tenha por objecto “temas da prova”(art. 596.º) enunciados na audiência prévia, em vez de incidir sobre “factos” sincopados, tendo-se optado por inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença (art. 607.º, n.º 3)», perante o que será de admitir «uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal» ([4]).

        E o próprio CPCiv. revogado – já desde a redação dada pela Lei n.º 180/96, de 25-09 – previa a “consideração, mesmo oficiosa, de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” (respectivo art.º 264.º, n.º 2), bem como dos “factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório” (n.º 3 do mesmo normativo).

        Como vem entendendo o STJ ([5]): «Com as últimas reformas do processo civil, porém, as partes, por um lado, perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e, por outro, o Tribunal passa a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio que é...

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