Acórdão nº 579/13.7TXCBR-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido pela Mmª Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, em 17-10-2015, que indeferiu a promovida emissão de mandados de detenção europeus contra o condenado A... , e que, tendo designado dia para a audição deste, nos termos do disposto no artigo 185º, n.º 2, aplicável ex vi do estatuído no artigo 188º, n.º 7, ambos do CEP, ordenou a expedição de carta rogatória para notificação do condenado, com a advertência a que alude o n.º 4 do artigo 185º do mesmo diploma.

E, da motivação extraiu as seguintes conclusões: 1°. A situação de um condenado colocado em adaptação à liberdade condicional não é a mesma do condenado a quem foi concedida a liberdade condicional. Na adaptação, o condenado não está livre; está a ser testado para a eventual e futura liberdade condicional, e está necessariamente sujeito, por exigência da lei, à obrigação de permanência na habitação e à vigilância electrónica. Ou seja, o condenado está ainda preso, embora numa residência, tal como se retira, entre os demais condicionalismos enunciados c a título de exemplo, do artigo 23º, n.º 4, da lei 33/2010, de 2/09, ao prever a possibilidade de continuação do RAVE (regime aberto voltado para o exterior), pensado para situações de execução de pena na prisão.

  1. Se fugir, se se eximir ao cumprimento da pena nessa condição, violando as regras impostas, comete um crime de evasão - artigo 3520 do código penal: "Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até 2 anos." - que se consuma logo que o sujeito fica fora do alcance da entidade que lhe limita a liberdade.

  2. E quando um condenado em reclusão se evade (em regra, do estabelecimento prisional) são emitidos mandados de detenção para que continue a cumprir a pena que lhe foi aplicada, como impõe o artigo 97° do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, sob a epígrafe Evasão ou ausência não autorizada - "Qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de segurança tem o dever de capturar e conduzir ao estabelecimento prisional qualquer recluso evadido ou que se encontre fora do estabelecimento (no caso, da residência) sem autorização." 4°.

    A detenção de um condenado que se eximiu ao cumprimento da pena, estando a cumpri-la em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, e a sua condução ao estabelecimento prisional, não posterga qualquer direito fundamental constitucionalmente consagrado, desde logo porque ele está consciente das consequências da violação das condições impostas, designadamente se se ausentar para parte incerta, depois de retirar ou danificar o equipamento de monitorização, como sucedeu no caso sub judice.

  3. A situação do condenado na adaptação à liberdade condicional, que mais não é do que uma autêntica reclusão domiciliária, é bem distinta daquela em que um condenado foi libertado condicionalmente e vem, depois, a infringir regras e injunções - este infringiu, desobedeceu, mas não se evadiu.

  4. Daí que se imponha a sua captura, não se compadecendo esta situação com a rigorosa e absoluta observância da tramitação do incumprimento de liberdade condicional, na qual o sujeito foi libertado, embora com imposições de regras de conduta, aqui, sim, fazendo sentido aferir previamente das razões da infracção das regras impostas e só posteriormente emitir mandados de condução ao estabelecimento prisional, se revogada essa liberdade.

  5. A aplicação do regime do incumprimento da liberdade condicional ao regime de incumprimento da adaptação deve ser feita mutatis mutandis, consideradas as especificidades dos casos - liberdade, no primeiro; prisão em obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, no segundo.

  6. A detenção e condução do condenado ao estabelecimento prisional não torna a tramitação e a decisão final do incidente de incumprimento “supervenientemente inútil”, porque ele sempre terá de ser ouvido sobre o caso, devendo proferir-se decisão final que, na melhor mas muitíssimo remota das hipóteses, será a da manutenção da sua prisão no domicílio, sendo que até lá nenhum direito foi postergado.

  7. Veja-se que a lei 33/2010, de 2/09 (regime de utilização de meios técnicos de controlo à distância), prevê no artigo 10°, n.º 3, que o relatório que dê conhecimento de incidentes susceptíveis de comprometer a execução da medida ou da pena devem ser apresentados de imediato ao juiz, que decide as providências que se afigurarem necessárias, nomeadamente a revogação da vigilância electrónica; e uma das providências imediatas será exactamente a ordem de detenção do condenado que se materializa no respectivo mandado, o que, aliás, é imposto pelo n.º 2 do artigo 12° deste diploma que estipula que "qualquer autoridade judiciária ou força de segurança tem o dever de capturar e conduzir ao local de vigilância electrónica qualquer arguido ou condenado que se ausente, sem autorização, deste local, sem prejuízo da decisão do juiz ao abrigo do disposto do n.º 3 do artigo 10°".

  8. Procedendo-se à detenção, naturalmente que o condenado terá de ser levado para o estabelecimento prisional onde antes se encontrava e não novamente para a residência de onde facilmente se evadiu, retirando a pulseira electrónica que lhe havia sido colocada, desde logo pelo risco iminente de o mesmo voltar a acontecer. Outra solução seria absurda e incongruente com a unidade do sistema jurídico.

  9. É, pois, pelo recurso às normas de interpretação da lei que a solução deve ser buscada - artigos e 10º do código civil -, sempre com a premissa de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e pelo recurso ao caso análogo, sendo que, na falta dele, a situação deverá resolver-se segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, sob pena de não se ultrapassar o impasse processual criado com o decidido.

  10. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 97° e 138°, n.º 4, alínea t), do código da execução das penas e...

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