Acórdão nº 339/13.1TBSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. A (…) E (…) instauraram contra JA (…) e LA (…) , ação declarativa, de condenação, com processo comum.

    Alegaram: São proprietários do prédio rústico descrito no artigo 1.º a P.I., com a configuração existente no levantamento topográfico junto aos autos.

    Em Janeiro de 2011 os réus cortaram pinheiros numa área de cerca 1730 m2 integrada naquele prédio, causando-lhes com isso inúmeros danos patrimoniais e não patrimoniais.

    Pediram: A condenação dos réus: i) a reconhecer os autores como legítimos donos e proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da P.I.; ii) a reconhecer que a linha divisória do prédio a Poente é a indicada no levantamento topográfico junto à PI, aí repondo, em prazo doutamente fixado, nos locais aí assinalados os marcos de delimitação; iii) a restituir aos autores a parcela de terreno que ilegitimamente se têm vindo a apropriar; iv) a absterem-se da prática de atos que induzam terceiras pessoas a considerá-los ou a confundi-los com proprietários da citada faixa de terreno e, finalmente, v) em caso de incumprimento, no pagamento de uma sanção pecuniária diária não inferior a 50 €, bem como no pagamento da taxa de justiça e custas de parte.

    Contestaram os réus: Disseram que, há mais de 30 anos, são proprietários de um prédio confinante com o prédio reivindicado por aqueles, com a área de 15 150 m2 e a configuração constante de um levantamento topográfico que posteriormente juntaram, tendo sido nesse prédio que efetuaram o corte de pinheiros embargado pelos autores.

    A parcela de terreno em litígio pertence-lhes, assim como lhes pertence o prédio descrito no artigo 2.º do seu articulado, onde aquela está integrada.

    Pediram: A improcedência da ação.

    E, em reconvenção, impetraram: i) se reconheça que os réus/reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito em (...) ou (...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , o qual confronta a norte com (...) , sul com (...) , nascente com (...) e poente com estrada, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...) , concelho da (...) sob o artigo 2.905 e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 5613; ii) se declare que o referido prédio tem a área de 15 150 m2 e confina com o prédio dos autores numa estrema composta por 6 marcos; iii) condene os autores/reconvindos a retirarem do referido prédio toda a madeira que colocaram a poente do referido imóvel e junto à estrada, bem como a absterem-se de toda e qualquer conduta que colida com o direito de propriedade dos réus sobre o imóvel descrito; iv) se condenem os autores a indemnizarem os réus na quantia de três mil euros a título de danos não patrimoniais acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, finalmente, v) se ordene a retificação da área do prédio descrito em a), quer perante o Serviço de Finanças da (...) , quer perante a Conservatória do Registo Predial de modo a que onde se lê 13.380 m2 passe a constar 15.150 m2.

  2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, reconheço aos autores (…) a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2906 e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2429, condenando os réus (…) a reconhecer tal direito e absolvendo-os dos demais pedidos formulados; B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção deduzida e, em consequência, reconheço aos réus/reconvintes (…) a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2905 e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5613, condenando os autores/reconvintes (…) a reconhecer tal direito e absolvendo-os dos demais pedidos formulados; * Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos.» 3.

    Inconformado recorreram autores e réus, estes subordinadamente.

    3.1.

    Conclusões dos autores: (…) 3.2.

    Conclusões dos réus: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - (Im)procedência da ação e/ou da reconvenção.

  3. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p.

    6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

    Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

    Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

    Como corolário deste princípio: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual...

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