Acórdão nº 243/15.2GASPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução14 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de inquérito que, sob o número 243/15.2GASPS, correram termos pelos Serviços do DIAP de S. Pedro do Sul, da Comarca de Viseu, a encerrar aquela fase processual, a assistente A....

formulou acusação particular contra B.....

, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de injúria, p.p. pelo artº 181º, 1, do Código Penal.

Por entender não serem suficientes os indícios recolhidos, o MP não acompanhou a acusação particular.

Remetidos os autos a juízo, com vista ao seu julgamento em processo comum e distribuídos pela Secção de Competência Genérica, da Instância Local de S. Pedro do Sul – J1, daquela referida comarca de Viseu, viria a ser proferido despacho do seguinte teor: «Fls. 72/74: comunique, outrossim, à delegação distrital da OA a cessação de funções da Dra.C.... (cfr. fl. 66).

Autue como processo comum, com intervenção do tribunal singular.

O tribunal é competente e o processo válido. Instância regular.

Têm os presentes autos, como objecto, o conteúdo da acusação particular de fls. 50/51, deduzida pela assistente A.... contra o arguido B.....

Em parecer plasmado a fls. 57 a 59, a Digna Magistrada do MP não acompanhou aquela referida acusação por entender, em síntese, que os factos nela vertidos não configurariam a prática de qualquer crime, incluindo por isso o crime de injúria.

Ora, adiantando conclusões, afigura-se-nos assistir razão e bom fundamento à posição assumida pelo MP.

Assim, dispõe o artº 311º, nº 2 do CPP (diploma ao qual pertencerão as ulteriores menções legislativas sem indicação de origem) que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente tem a possibilidade “a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”, sendo que tal peça considera-se como tal, ou seja, manifestamente infundada quando, além de outras causas prevenidas na lei, os factos não constituírem crime – artº 311º, nº 3, al. d).

Vejamos por isso esses factos: acusa a assistente o arguido de, numa via pública desta cidade de S. Pedro do Sul, se lhe ter dirigido e, referindo-se a si, assistente, ter proferido as seguintes expressões: “Estás cada vez melhor! Comia-te toda! És toda boa! Pagavas o que me deves!”. Em função de tal alegada conduta imputa ao arguido a prática de um crime de injúria, da previsão do artº 181º, nº 1 do CP, o qual dispõe que é punido aquele que “… injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração…”.

Na decorrência da ausência de qualquer restrição legislativa, tem-se entendido o bem jurídico-penal protegido pela norma incriminadora, precisamente plasmado no conceito de honra, como assumindo uma natureza complexa, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua fundamental dignidade, quer a sua reputação ou consideração exterior – cfr. o Comentário Conimbricense do CP, t. I, 607.

De uma forma mais lata a honra consiste numa síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo, e pelos demais valores espirituais e morais que em si existem e que lhe determinam a sua forma de pensar, de viver e de conviver, fazendo de cada qual um ser dotado de concretos atributos, capacidades e qualidades que se reflectem, também, no mundo exterior – cfr. Capelo de Sousa, in O Direito Geral de Personalidade, 303; ainda António Jorge Oliveira Mendes, in O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 18.

Honra esta que se poderá perspectivar enquanto estima pessoal, ou seja, enquanto resultado do auto-reconhecimento ou da auto-avaliação daqueles apontados valores e qualidades, como consciência daquilo que se é ou daquilo que se vale, ou pelo menos daquilo que se pensa ser ou valer. Nesta perspectiva desponta o conceito de honra como dignidade pessoal, de estima que cada qual tem por si mesmo. É aquilo que se costuma identificar como honra interna.

Mas também, como contraposição àquela, e muitas das vezes não coincidente com a mesma, podemos falar na honra externa, não já enquanto estima ou dignidade pessoal, mas antes como imagem ou percepção, pelos outros, daquele conjunto de valores ou qualidades, emergindo então dessa imagem ‘externa’ a reputação e o bom nome, ou seja, a consideração social em que se é tido – do que se vem de expor vide António Jorge Oliveira Mendes, idem, 18 a 21.

Aquela honra, enquanto ‘substância’ que se acabou por sintetizar, é susceptível dos mais variados danos ou ameaça de dano. A sua lesão – a desonra –, quando incidente sobre a honra interna, isto é, o apontado sentimento de estima pessoal, traduz-se fundamentalmente numa perturbação, numa perda da paz ou da tranquilidade individuais – cfr. Capelo de Sousa, idem, 302. Quando da perspectiva da honra externa, traduz-se a desonra na diminuição da consideração com que se é tido pelos outros e pela comunidade em geral.

Conforme a propósito expende Pedro Pais de Vasconcelos, in Direito de Personalidade, 76, “É a honra um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou a diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade. As causas de perda ou detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou que lhe sejam imputadas, e que sejam considerações reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade”.

* Feito este excurso a propósito da honra, poder-se-á concluir, em face das palavras alegadamente dirigidas à assistente pelo arguido, que aquela perdeu ou viu prejudicados aquele conjunto de valores ou qualidades, isto é, que perdeu e diminuiu o respeito que tivesse e/ou tenha por si própria, ou que gozasse e/ou goze na comunidade? Neste ponto cumpre lançar a debate dois relevantes aspectos.

Por um lado a circunstância de a integração dos elementos do tipo de injúria não poder ficar ao critério subjectivo de cada um (maxime do ofendido ou do julgador), sob pena de se cair na mais completa arbitrariedade. E embora se possa partir de considerações de ordem subjectiva, tal critério pode e deve ser temperado por um critério objectivo, em última instância reconduzível ao sentimento médio de honra (naquela) comunidade em concreto. Como apontado por Beleza dos Santos, citado no Ac. da RG de 30.6.14 (processo 377/13.8GCBRG.G1), in www.dgsi.pt, “… não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores” relacionados com a honra.

Por outro lado, cumpre não olvidar que nos encontramos em ‘ambiente penal’, cuja intervenção, reconhecidamente, constitui a ultima ratio da política social tendente à defesa da livre realização da personalidade de cada um na comunidade.

Vem este segundo aspecto a propósito do princípio da proporcionalidade que inere ao conceito do próprio Estado de Direito, e do qual se extraem duas emanações, dois princípios relacionados com a intervenção penal, que acabam por derivar da norma constitucional do artº 18º, nº 2, 2 parte (“devendo as restrições – aos direitos, liberdades e garantias – limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”): por um lado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT