Acórdão nº 01327/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução21 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 1.1.

A………………. intentou, no Tribunal Tributário de Lisboa, ação administrativa especial (fls. 25) contra a Diretora dos Serviços de IRS, peticionando a revogação do despacho de deferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS/2004 * 1.2.

Aquele Tribunal, por sentença de 17/03/2014 (fls. 76/85), julgou a ação procedente e anulou o ato impugnado.

* 1.3.

Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul foi proferido acórdão que, em 29/06/2016, (fls. 157/164), decidiu julgar findo o presente recurso jurisdicional por não haver que conhecer do seu objeto.

* 1.4.

É deste acórdão que a recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido no seguinte quadro conclusivo: «1. O presente recurso de revista vem interposto do Douto Acórdão proferido em conferência pelo TCA Sul em 29-06-2016; 2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que esse acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.

  1. Nos presentes autos foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 17-03-2014, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso – em que estava em causa uma acção administrativa especial em matéria tributária da competência e a correr termos num tribunal tributário – o regime previsto no art.º 40.º n.º 3 do ETAF (para os tribunais administrativos de círculo) e, por isso, ser também aplicável ao caso a alínea i) do n.º do artigo 27.º do CPTA.

  2. Em consequência do que se decidiu que o meio de reacção adequado deveria ter sido a reclamação nos termos do n.º 2 do citado artigo 27.º do CPTA e não aquele recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado por intempestividade.

  3. A questão relevante controvertida nestes autos consiste, essencialmente, em saber se nas circunstâncias do caso, numa sentença proferida numa acção administrativa especial em matéria tributária, proferida num Tribunal Tributário, por juiz singular (como não podia deixar de o ser), o TCA, ao aplicar a alínea i) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, e isso por entender ser também aplicável o art.º 40.º n.º 3 do ETAF procedeu a uma incorrecta aplicação do direito.

  4. A questão enunciada é fundamental para garantir uma correcta e melhor aplicação do Direito e tal, note-se, numa matéria em constante aplicação nos tribunais.

  5. E isso, além do mais, dado que, aquando da interposição, nos presentes autos, do recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário para o TCA Sul, a opção jurisprudencial que se encontrava firmada era no sentido de que das sentenças proferidas em primeira instância pelos tribunais tributários cabia sempre imediato recurso jurisdicional, a interpor no prazo de 30 dias após a notificação das mesmas, em conformidade com o n.º 1 do artigo 144.º do CPTA, pelo que a sua rejeição constituiu uma decisão totalmente imprevisível.

  6. Apenas agora houve uma inflexão na jurisprudência respeitante às acções administrativas especiais em matéria tributária tendo os tribunais tributários e os TCA começado a decidir que das sentenças proferidas pelos tribunais tributários cabe reclamação, nos termos do artigo 27.º n.º2 do CPTA, e não recurso.

  7. Face ao que se impõe reconhecer, in casu, a importância jurídica da questão e a sua relevância excepcional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça, situação em que a Revista é essencial.

  8. Em abono do referido veja-se o entendimento acolhido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido no processo n.º01360/13 de 12-09-2013, que supra se transcreveu e que, atenta a sua bondade manifesta, damos como reproduzido, salientando-se aqui que, como aí se refere: «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditório, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. (…)».

  9. Termos em que, por estarem verificados os respectivos pressupostos legais, deve a Revista ser admitida.

  10. No caso em apreço estamos perante uma acção administrativa especial cujo objecto consiste num acto administrativo em matéria tributária (que não comporta a apreciação do acto de liquidação – cf. 97, nº1 alínea p) e n.º2 do CPPT).

  11. A competência para conhecer desses actos administrativos respeitantes a questões fiscais (que não comportem a apreciação do acto de liquidação) foi atribuída aos tribunais tributários pelo artigo 49.º, n.º 1-a)-iv do ETAF.

  12. Em conformidade com essa norma, os recursos contenciosos - hoje acções administrativas especiais - em matéria tributária correm termos, em primeira instância, nos tribunais tributários.

  13. A competência, organização e funcionamento dos tribunais tributários vem regulada no ETAF, no Capítulo VI desse diploma.

  14. No que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais tributários, rege o artigo 46º do ETAF, decorrendo dessa norma que os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só assim não sendo por decisão do presidente do tribunal tributário em causa e na situação específica prevista no respectivo nº 2.

  15. E, salvo o devido respeito, contrariamente ao que o TCA entendeu nos presentes autos, o entendimento da ora recorrente, acima expresso, não é posto em causa pelo regime constante nos artigos 9.º-A e 49.º-A, aditados ao ETAF pelo Decreto-Lei n.º 166/2009 de 31-7.

  16. Da interpretação sistemática do referido artigo 49.º-A e atendendo ao Capitulo do ETAF onde está integrado, a conclusão a retirar é que não poderá aplicar-se ao juízo de pequena instância a norma do ETAF prevista no n.º 2 do artigo 46.º.

  17. Assim, reiterando o que já havíamos concluído – contrariamente ao que acontece com os tribunais administrativos de círculo - por imposição expressa do artigo 46.º n.º 1 do ETAF os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular, só não sendo assim na situação específica prevista no n.º 2 do mesmo preceito.

  18. Diversamente do que acontece com os tribunais tributários, a organização, competência e funcionamento dos tribunais administrativos de círculo vem regulada no ETAF, no Capítulo V desse diploma e, dentro deste, no que especificamente respeita ao funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, no artigo 40.º.

  19. O acórdão recorrido apela, em defesa da sua tese, para o n.º 3 desse artigo 40.º do ETAF, porém esse n.º 3 (bem como, de resto, os números 1 e 2 do mesmo preceito) aplica-se apenas à jurisdição administrativa.

  20. Deste modo, as acções administrativas especiais que aí se referem são as que correm termos nesses tribunais administrativos de círculo e não aquelas que o legislador entendeu serem da competência e deverem correr termos nos tribunais tributários, como acontece com a acção administrativa especial sub judice.

  21. Decorrendo das normas referidas que, por opção do legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais tributários são, por regra, julgadas por juiz singular e que, por opção do mesmo legislador, as acções administrativas especiais que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, se de valor superior à alçada, por regra, são julgadas por tribunal colectivo.

  22. Matéria que foi claramente explicitada, em termos que consideramos ser de acolher integralmente, pelo ilustre Conselheiro Lúcio Barbosa, no voto de vencido que proferiu no já atrás mencionado Acórdão desse Supremo Tribunal de 2-5-2001, Processo n.º 01126/06 e mais recentemente pelo Ac. Proferido pelo TCA Sul de 08/10/2015 no Rec. 07554/14.

  23. Sendo ainda de ter presente, a propósito, que, com também vimos nas presentes alegações, o legislador previu aquele particular regime das acções administrativas especiais da jurisdição administrativa, que correm termos nos tribunais administrativos de círculo, com um objectivo específico.

  24. Poderia, também, o legislador ter considerado ser necessária, por quaisquer razões, a intervenção do colectivo de juízes nas acções administrativas especiais no contencioso tributário, porém não o fez, não cabendo ao intérprete e aplicador do direito substituir-se ao legislador, sob pena de usurpação de poderes.

  25. Do supra exposto decorre também, contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, a inaplicabilidade ao caso em apreço do regime estabelecido no artigo 27.º, n.º1, alínea i) do CPTA.

  26. Funcionando os tribunais tributários, por determinação expressa da lei, com juiz singular, carece de sentido a atribuição de uma competência (ao juiz singular) para proferir despacho em ordem a afastar a necessidade de intervenção de colectivo.

  27. Por outro lado, os tribunais tributários, como também já vimos, só funcionam em colectivo quando se verifica a situação prevista no n.º 2 do artigo 46.º e, nessa situação, não se coloca, também, naturalmente, a hipótese de poder, depois, vir o relator proferir decisão nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA.

  28. Não sendo esse artigo 27.º, n.º 1, alínea i) susceptível de aplicação no âmbito dos processos de acção administrativa especial em matéria tributária que correm termos nos tribunais tributários, o seu n.º 2 também não é susceptível de ter aplicação nesse âmbito.

  29. E, deste modo – contrariamente ao que se entendeu no acórdão recorrido, que procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação de todos os preceitos acima citados –, não cabia interpor qualquer reclamação, mas antes recurso jurisdicional, nos termos...

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