Acórdão nº 93/08.2PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 399 - FLS 219.

Área Temática: .

Sumário: Em conformidade com uma consolidada jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso do Tribunal Superior modificar os factos provados e, em consequência disso, revogar a sentença absolutória da 1ª Instância, substituindo-a por uma sentença condenatória, nada impede – antes a exigível eficiência no sistema judicial de recursos o impõe – que, assegurado que seja o direito de defesa do arguido, a ouvir em audiência pública, o mesmo Tribunal aplique a pena correspondente ao crime que dá como praticado.

Reclamações: Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 93/08.2PBMTS.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 2 de Dezembro de 2009, o seguinte AcórdãoI - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 93/08.2PBMTS, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, em que são arguidos B………., C………. e D………., foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 456]: «(…) Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo acordam em: Absolver os arguidos B………., C………., e D………., do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, al. a), do C. Penal, de que vêm acusados.

Absolver o arguido B………., do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art° 256°, n°s 1, als. b), d), f) e 3, com referência ao art° 255°, do citado diploma legal de que vinha também acusado.

(…)» 2. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 483-485]: «(…) 1. O Tribunal Colectivo, face à prova testemunhal produzida por E………. - minutos 00:40 a 04:15, 04:53 a 07:52 e 11:18 a 11:31 da gravação - e por F………. - minutos 00:18 a 00:55 e 01:05 a 01:24 da gravação - deveria ter assente como provado que a viatura em apreço havia sido subtraída ao proprietário na madrugada de 19 de Janeiro de 2008. E ainda que o arguido B………. deteve o veículo durante cerca de uma semana até ser surpreendido pela PSP na referida madrugada de 26 de Janeiro de 2008.

  1. As alterações proposta devem ser atendidas porque vão permitir a realização de um juízo alternativo mais claro e convincente do que aquele que foi proferido pelo Tribunal "a quo", 3. Para além da prova directa do facto - em apreço, recorde-se, o crime de falsificação de documento - a apreciação do Tribunal pode e deve assentar na denominada prova indirecta ou indiciária que se faz vingar através de presunções simples ou naturais.

  2. Tem como ponto de partida um facto conhecido (no caso a existência de um documento de identificação viciado) para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (a autoria, por si ou por interposta pessoa, da aludida falsificação).

  3. O recurso a prova por presunções é permitido em processo penal. Desde logo por não constituir prova "proibida por lei" como afirma o Art. 125.º do CPP, sendo certo que o estipulado nos Art. 126.º e 127.º daquele diploma legal podem e devem ser interpretadas por forma a provar factos sem que exista uma prova directa deles. O ponto é que tais provas, por um lado, mereçam credibilidade e, por outro lado, sejam apreciadas em função das regras da lógica e princípios da experiência, exigindo assim um esforço de racionalidade por parte do julgador.

  4. E apelando às tais regras da experiência comum, valorizando toda a prova produzida, seja testemunhal seja documental, na sua globalidade deve o Tribunal " ad quem " concluir que: o arguido B………., por si ou por outrem cuja identidade se ignora, mas com o seu conhecimento e consentimento, colocou a sua fotografia no local próprio do Bilhete de Identidade n.º ……. de que era titular G………., por forma a poder fazer-se passar como se fosse o verdadeiro titular de tal documento e assumir a identificação de G……….; 7. E ainda que o arguido B………., que bem sabia que se estava a falsificar documento de identificação alheio e que pretendia fazer-se passar pelo verdadeiro titular, pôs em causa a fé pública que tais documentos merecem causando prejuízo ao Estado, actuando de forma deliberada livre e consciente, apesar de bem saber que tal conduta não lhe era permitida.

  5. E fazer ainda constar que, de acordo com o CRC de fls. 121 e ss. o arguido B………. já havia sido condenado em 23/04/2002 por crime de dano cometido em 01/09/1998, em 07/02/2003 por crime de furto simples praticado em 22/05/2001, em 25/10/2004 por crime de furto simples cometido em 03/02/2004, em 13/06/2005 por crimes de furto simples, abuso de cartão de garantia ou de crédito e de falsificação de documento praticados em 07/09/2004.

  6. Daí que deve ser alterada a matéria de facto assente como provada nos termos agora propostos.

  7. Por isso, da prova produzida ressalta a prática pelo arguido B………. do crime de falsificação p. e p. pelo Art. 256.º n.º 1 al. b) e n.º 3 do C.Penal, pelo que violou o Tribunal Colectivo estas normas legais.

  8. Ao absolver o arguido B………. relativamente à prática do crime de falsificação, da forma como o fez, o Tribunal "a quo" violou o disposto no Art. 127.º do C.P.P., por ter omitido na análise dos factos circunstâncias relevantíssimas que deveriam ter sido valoradas de acordo com as regras da experiência comum, violou o disposto no Art. 410.º n.º 2 al. a) do CPP. por se ter bastado com insuficiente matéria de facto e fez incorrecta apreciação dos princípios jurídicos em matéria de apreciação penal.

    Termos em que deverá a matéria de facto ser alterada nos termos propostos, bem como o acórdão recorrido, por forma a condenar o arguido B………. pela prática daquele crime de falsificação, p. e p. pelo Art. 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, C.Penal, em pena justa, equilibrada e adequada. JUSTIÇA.

    (…)» 3. Na resposta, o arguido B………. refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 499-502].

  9. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto manifesta concordância com a motivação do recurso [fls. 522].

  10. Colhidos os vistos, realizou-se uma conferência – em que se decidiu a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto. Tal modificação implica a culpabilidade do arguido relativamente ao crime que é objecto da motivação do recurso. Consequentemente, com vista à aplicação da pena e com o objectivo claro de assegurar a audição prévia do arguido, determinou-se a realização de uma audiência para a qual foram convocados, além dele e do seu Defensor, o Ministério Público.

  11. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 450-455]: «(…) Factos provados da Acusação: 1- No dia 26 de Janeiro de 2008, cerca dos 03.00 horas, os arguidos foram detectados no interior do veículo automóvel com a matrícula ..-..-ST, da marca Mitsubishi, modelo ………., pertença de H………., com o valor declarado de 7.000,00€, por uma patrulha da Polícia de Segurança Pública, na Rua ………., no Porto.

    2- O veículo foi apreendido e entregue ao proprietário.

    3- Em revista efectuada aos arguidos, na posse do arguido B………. foram detectados os objectos e documentos mencionados a fls. 12 dos autos, os quais foram remetidos para os devidos inquéritos: o BI e papel com identificação de beneficiário de I………. e o cartão de beneficiário e de multibanco de J………. .

    4- No interior do veículo encontrava-se ainda o bilhete de identidade n° ……., emitido a 21.10.1997, em Vila Real, pertença de G………., falecido a 2 de Novembro de 2002, conforme consta da certidão de nascimento deste.

    5- Naquele bilhete de identidade constava, no local destinado à fotografia do seu titular, a fotografia do arguido B………., titular do bilhete de identidade n°…….. .

    Factos não provados: Não ficou provado: 1. Que no período compreendido entre as 00.00 horas e as 08.00 horas do dia 19 de Janeiro de 2008, os arguidos tenham avistado o veículo automóvel com a matrícula ..-..-ST, da marca Mitsubishi, modelo ………., pertença de H………., com o valor declarado de 7.000,00€, que se encontrava estacionado na ………., em Matosinhos.

    2- Que de imediato tenham formulado o propósito de dele se apoderarem.

    3- Que tenham entrado no veículo e que tenham posto o seu motor em funcionamento, por forma não apurada.

    4- Que um dos arguidos tenha tripulado o dito veículo para lugar desconhecido.

    5- Que o bilhete de identidade n° ……., estivesse na posse do arguido.

    6- Que o arguido B………., titular do bilhete de identidade n°…….., por forma e em local não apurado, tenha retirado a fotografia daquele bilhete de identidade, relativa ao seu titular, G………., e no local tenha colocado a sua fotografia, por forma a fazer-se passar pelo verdadeiro titular do bilhete de identidade, assumindo dessa forma a identificação de G………. .

    7- Que os arguidos tenham tido o propósito de fazerem seu o veículo automóvel supra mencionado, contra a vontade do seu legítimo dono.

    Motivação da decisão de facto: A prova dos factos dados como provados (e não provados) resultou das declarações dos arguidos B………. e D………. (únicos presentes em audiência), e do depoimento das testemunhas de acusação, H………., K………., L………., M………., e N………. (este por iniciativa do tribunal).

    O arguido B………. confirmou ao tribunal que foi interceptado pela polícia, na rua ………., no Porto, na posse da viatura Mitsubishi, juntamente com os dois arguidos dentro da mesma, a consumir produto estupefaciente.

    Nega que a tenha furtado ou que a mesma tenha sido furtada por qualquer um dos restantes arguidos.

    Sobre a forma como a viatura lhe veio parar às mãos, disse que conhece um indivíduo de Matosinhos, de apelido “O……….”, residente na ………., com quem costuma consumir droga, e que tinha na sua posse a referida viatura. Cerca de uma semana antes de ter sido abordado pela polícia, tal indivíduo deu-lhe boleia do Porto para sua casa, em ………...

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