Acórdão nº 0880/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… e B…………, ambos com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios, tudo relativamente ao ano de 2006 e no montante global de 17.396,99 Euros.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: A. Pretende o Tribunal de 1ª instância ser admissível aqui aplicar as regras contidas no art. 31°-A do Código do IRS, atinentes à determinação do rendimento tributável originado pela transmissão onerosa de imóveis, por forma a obviar à pretensa desigualdade na tributação de rendimentos provenientes da mesma fonte.

  1. Ora os rendimentos que o tribunal a quo pretende aproximar não têm a mesma natureza, nem a mesma fonte, sendo característica das mais-valias o não se considerarem rendimentos empresariais e profissionais (art. 10°, n° 1 do Código do IRS), sendo ainda distinta a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial, daquela resultante do incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio.

  2. Distintas são também as regras para a determinação do rendimento colectável sujeito à tributação do IRS, feita com base no regime simplificado ou na contabilidade (art. 28° do Código do IRS) na Categoria B, enquanto as mais-valias da Categoria G originadas pela alienação de imóveis são apenas consideradas em 50% do seu valor (art. 43°, n° 2 do Código do IRS).

  3. Recorta-se assim com clareza que nada no Código do IRS convida ou admite a aproximação entre uma e outra categoria de rendimentos, como desavisadamente fez a sentença recorrida.

  4. Para além destas distinções conceptuais e sistemáticas, também as regras a que obedece a hermenêutica das normas do Direito Tributário repudiam a exorbitante aproximação advogada no aresto impugnado.

  5. Atentando aos artigos e 10° do CC, aqui aplicáveis por reenvio expresso do art. 11° da LGT, o intérprete deverá respeitar a correspondência entre a letra da lei e o pensamento legislativo, o qual se presume expresso da forma mais adequada.

  6. Donde, a solução consagrada no art. 44° do Código do IRS corresponde à volição e expressão do legislador fiscal, pois onde os impugnantes e, por arrastamento, o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância vislumbram presunção passível de ilisão, vê-se antes regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS.

  7. E ainda que fosse de admitir a existência de lacuna no referido normativo, não seria a mesma passível de integração mediante o recurso à disciplina contida no art. 31°-A, os n° 5 e 6 do Código do IRS, quanto está em causa um facto tributário ocorrido em 2006.

    I. Pois tal formulação da norma só surge no ordenamento jurídico e entra em vigor em 2007-01-01, por via das alterações ao Código do IRS contidas na Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).

  8. Apenas a partir daquela data se conferiu aos titulares de rendimentos da Categoria B a faculdade de suscitar, com as necessárias alterações, o procedimento previsto no art. 129° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).

  9. Carece de suporte a apontada desigualdade na tributação de rendimentos gerados pela transmissão onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, conforme ocorresse no âmbito da Categoria B ou da Categoria G, pois em 2006 eram semelhantes as estatuições contidas no art. 31°-A, n° 1 e no art. 44°, n° 2 do Código do IRS e em nenhuma delas se previa forma do contribuinte fazer prova do valor de realização efectivo.

    L. Igualmente, resulta a manifesta impossibilidade de aplicar analogicamente as disposições contidas nos nº 5 e 6 do art. 31°-A do Código do IRS ao regime definido pelo art. 44° do mesmo diploma, na medida em que as mesmas não estavam ainda consagradas no ordenamento jurídico à data da ocorrência do facto sub judice.

  10. Não pode merecer acolhimento o juízo que sindica a valia e bondade da actuação da AT empreendida no ano de 2006, à luz de um quadro normativo que só surge com a entrada em vigor da Lei n° 82-E/2014, de 31 de Dezembro, ocorrida em 2015-01-01.

  11. Pois à AT apenas pode, e deve, exigir-se actuação conforme com o princípio da legalidade (art. 55° da LGT), sendo óbvio que este se refere ao feixe de normas de direito material vigentes e não às hipotéticas normas que integrem o ordenamento jurídico do futuro.

  12. Na realidade, a entrada em vigor da Lei n° 82-E/2014, de 31 de Dezembro, nada “clarificou” quanto ao regime da determinação do valor de realização contido no art. 44° do Código do IRS, outrossim alterou-o e matizou a relevância até então dada ao valor patrimonial tributário do imóvel e/ou ao valor do mesmo utilizado para a liquidação definitiva de IMT.

  13. Do singular entendimento propalado pelo Tribunal a quo resulta que, para um mesmo facto tributário (a venda do imóvel), para os recorridos tal valor seja de € 200.000,00, para efeitos de tributação em sede de IRS, e para o adquirente do imóvel tal valor é de € 264.100,00, aqui para efeitos de pagamento de IMT.

  14. Defende-se que o cerne da tributação efectuada aos impugnantes não radica tanto na interpretação da regra do n° 2 do art. 44° do Código do IRS, ou com a possibilidade da aplicação analógica do disposto no art. 31°-A do mesmo diploma ao caso em apreço, mas antes na postura inerte por eles adoptada face à notificação da avaliação tributária do imóvel alienado em 2006.

  15. Ficou então na sua disponibilidade contradizer o resultado da avaliação, demonstrando o seu excesso (art. 76°, n° 8 do Código do IMI), pelo que não tendo requerido a realização do procedimento de segunda avaliação (art. 76°, n° 1 do Código do IMI), o valor patrimonial tributário do imóvel em causa consolidou-se na ordem jurídica como “caso resolvido”.

  16. Tal é a eloquente expressão utilizada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. n° 04603/11, de 2011-11-09), de que se respiga a relevante conclusão: «VII) Estando em causa a liquidação do IRS, como bem se aduziu na sentença recorrida, decorre do disposto no n° 1, do art. 15°, conjugado com a alínea a), do n° 1, do art. 27°, do Dec.-Lei n° 287/2003, de 12.11, que sendo tais prédios objecto de transmissão após 1 de Janeiro de 2004, o valor de avaliação releva, não só para efeitos do IMI e do IMT, como também e por força do referido preceito do IRS, para efeitos de determinação do ganho resultante do valor de realização, e sendo assim é forçoso concluir que, fixado em auto de avaliação o valor do prédio e não tendo o impugnante requerido 2ª avaliação, o valor ficou definitivamente fixado, sendo vedado ao tribunal colocá-lo em causa.» T. Apartando-se decisivamente de tal quadro norteador, e pronunciando-se nos moldes em que o fez, incorre a decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal em error in judicando, denegando a judiciosa aplicação das pertinentes normas contidas nos Códigos do IRS, do IMT e do IMI à questão controvertida, no que se suporta o pedido de revogação da sentença judicial ora deduzido.

    Termina pedindo o provimento do recurso, com consequente revogação da sentença recorrida e improcedência da impugnação.

    1.3.

    Contra-alegando, os recorridos terminam com a formulação das Conclusões seguintes: 1ª - A questão a decidir consiste em saber se o valor de realização para efeitos de mais-valias em sede de IRS deve ser o valor patrimonial tributário resultante da avaliação em sede de IMI, quando superior ao valor declarado pelo sujeito passivo do imposto como preço de transmissão do prédio urbano, ou se, deverá ser conferida ao sujeito passivo a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante a prova do preço da transmissão efetivo.

    1. - No IRS a incidência pressupõe a realização da mais-valia.

    2. - Tal regra está em linha com o princípio da tributação do rendimento real em que assenta a tributação do rendimento (art. 104° da CRP e art. 4º n° 1 da LGT).

    3. - Para o caso das mais-valias prediais, a Lei, no art. 44° n° 2 do CIRS, faz prevalecer como valor de realização “os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT, ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.” 5ª - O art. 44º n° 2 do CIRS tem que ser interpretado no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção, a qual cede perante prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT.

    4. - O art. 44º n° 2 do CIRS é materialmente uma norma de incidência.

    5. - Neste sentido, vide, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 446: “Ora a Lei Geral Tributária, como é sabido, estabelece que as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Posto que o n° 2 do artigo 44° se inclua, na sistemática do CIRS, no capítulo da determinação da matéria tributável e não no capítulo da incidência, é materialmente uma norma de incidência, porque determina afinal, em última análise, o valor que há-de ser submetido a imposto.” 8ª. - No mesmo sentido, vide, Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, Teoria Geral, 2ª Ed., Actualizada e Aumentada, Coimbra, 2008, pp. 102-103: “Aderimos à posição do Tribunal Constitucional e da doutrina coincidente nesta matéria, concluindo que as normas que definem o montante a tributar, apesar de serem formalmente normas de determinação da matéria colectável, são, do ponto de vista do princípio da legalidade tributária, normas de incidência. São, substancialmente, normas de incidência real e como tal devem ser tratadas.” Acresce que, 9ª - Ainda, neste mesmo sentido vide, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 446 e 447: “não se...

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