Acórdão nº 0870/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | ANA PAULA PORTELA |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1. O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO vem interpor recurso de revista do acórdão proferido no TCAS, em 4 de Maio de 2017, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa proferida em 2/2/2017, no âmbito da intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, que indeferira o pedido para consulta integral e completa de processo de concurso formulado por A………….
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O Recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma: “I. No caso em pauta, a questão que se coloca é saber se um candidato a um procedimento concursal, referente a um cargo de direção intermédia de 1.º grau da Administração Pública, tem direito à consulta de todo o procedimento concursal, sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, apesar de no requerimento, apresentado para esse efeito, não ter cumprido o ónus de justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais dos restantes candidatos; II. A relevância jurídica do presente recurso resulta, antes de mais, do facto de estarmos perante uma questão complexa do ponto de vista jurídico sobre a qual não se conhece nenhum Acórdão desta douta instância, apesar de se tratar de uma questão que se pode multiplicar em numerosos processos contenciosos; III. Na verdade, estamos perante uma matéria de especial relevância social, pois ninguém poderá duvidar que a matéria dos procedimentos concursais, e em especial no que se refere a cargos de direção intermédia, assume uma relevância fundamental para o funcionamento da Administração Pública e para a projeção da sua imagem na sociedade; IV. Ainda a matéria da proteção dos dados pessoais é de relevância fundamental para o legislador, quer a nível nacional quer a nível europeu; V. Pelas razões expostas impõe-se a admissão do presente recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA; VI. A documentação solicitada pela Recorrida, no seu requerimento de 2 de dezembro de 2016, contém dados pessoais dos outros candidatos ao concurso; VII. Não tendo a Recorrida no seu requerimento demonstrado, à luz das normas legais, que o seu direito à informação, através do acesso aos dados pessoais dos outros candidatos prevalecia sobre o direito de reserva e intimidade da vida privada dos restantes candidatos, não estava a entidade Recorrente obrigada a prestar tal informação; VIII. O douto acórdão recorrido afirma que “inexistem interesses ou direitos, liberdades e garantias dos restantes candidatos que prevaleçam sobre o interesse legítimo da Recorrente no acesso a tal identificação”; IX. Afigura-se-nos que esta interpretação dos normativos em causa, não pode proceder, porquanto se afasta da letra da lei, a qual determina a proteção legal dos dados pessoais, vide artigo 83.º, n.º 2, estando vedada a desproteção dos dados pessoais dos candidatos a um procedimento concursal da Administração Pública, perante a simples “curiosidade” de qualquer um dos outros candidatos; X. Do artigo 6.º, al. e) da Lei n.º 67/98 de 26 de outubro resulta para o terceiro que pretende fazer valer o seu direito à informação, através do tratamento de dados pessoais, o ónus de invocar e provar o consentimento inequívoco do titular dos dados, ou justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais, visto que uma coisa e outra não se pode presumir; XI. E esse ónus da prova impõe-se também porque caberá à entidade, detentora dos referidos dados, a ponderação entre os interesses legítimos do terceiro detentor do direito à informação e os interesses do titular dos dados e respetivo direito de reserva e intimidade da vida privada, bem como lhe cabe a decisão sobre qual daqueles direitos deve prevalecer in casu; XII. Uma vez que a Recorrida não fundamentou (de facto e de direito) o interesse subjacente à consulta dos documentos dos restantes candidatos ao concurso, pelo que só poderia ser considerado que o fazia por mera curiosidade, a qual não gozando de tutela jurídica, não poderia ser considerada numa perspectiva de ponderação de interesses conflituantes; XIII. Ainda assim, a Recorrente forneceu os documentos requeridos procedendo à sua anonimização ponderando por um lado a confidencialidade dos documentos e por outro o princípio da transparência que deve orientar a adequação da Administração; XIV. Mesmo que assim não se entenda, tendo em conta o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 64/2011, de 22/12, sob a epígrafe ‘Selecção e provimento dos cargos de direcção intermédia’ no seu n.º 6, neste momento apenas fará sentido a Recorrida colocar em causa a seleção da candidata, efetuada pelo júri, e relativamente a essa escolha, está na posse dos elementos bastantes para poder fazê-lo, pois que os mesmos são de conhecimento público em virtude da publicação do Despacho n.º 15280/2016.
XV. Por todo o exposto não se afigura que exista um interesse legítimo da Recorrida na consulta da documentação concursal sem ocultação da identificação dos candidatos.
Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por VV. Exas., deve o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente, assim se fazendo a costumada Justiça.
” 3. A Recorrida conclui as suas contra-alegações da seguinte forma: “I. Porque o objecto do presente recurso não cumpre os requisitos previstos no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA e II. também porque o Recorrente Ministério da Educação não fundamentou minimamente esta revista excepcional, não deverá o recurso interposto ser admitido e como tal ser rejeitado com todas as consequências legais.
III. O acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deve ser negado provimento ao presente recurso com todas as consequências legais Nestes termos e nos de direito, deve o presente recurso ser rejeitado ou caso assim não se entenda ser-lhe negado provimento, pois só assim se fará a Costumada e Verdadeira JUSTIÇA” 4. A revista foi admitida por acórdão de 14.09.2017, da formação deste STA, a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA, de onde se extrai: “(...) 4. No presente recurso está em causa o acesso à informação administrativa.
As instâncias, como se acabou de ver, proferiram decisões contraditórias sobre a essa matéria.
Deste modo, atenta a sua relevância jurídica e a importância social dessa questão, é muito importante saber o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre a mesma, isto é, sobre a latitude dos direitos dos cidadãos no acesso à informação em poder da Administração sobretudo, como é o caso, quando se sabe que essa informação pode ser decisiva para o exercício do seu direito impugnatório.
Justifica-se, pois, a admissão do recurso não só pela relevância jurídica da questão como pela sua utilidade, que ultrapassa o caso sujeito. “ 5. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº 1 do CPTA, foi emitido Parecer, pugnando pela improcedência do recurso, donde se extrai: “ (...) 7. Como é por demais sabido, o acesso aos documentos administrativos por parte dos cidadãos (quer no procedimento quer fora dele) é um direito inerente à própria existência de um Estado de Direito Democrático por oposição ao Estado Ditatorial ou de um homem só. Mas tal direito não é absoluto e cede perante outros interesses e...
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