Acórdão nº 01079/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A……………….., identificada nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando o sentenciado no TAF de Lisboa, julgou improcedente o pedido de intimação do Ministério da Educação e Ciência (MEC) – com vista a que admitisse a candidatura da recorrente ao ensino superior e criasse uma vaga num curso de Medicina – e absolveu do pedido a entidade demandada.

A recorrente findou a sua minuta de recurso alinhando as conclusões seguintes: DA ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS ADEQUADAS A EVITAR OU MINORAR OS DANOS DECORRENTES DO EFEITO DEVOLUTIVO AO RECURSO A. A atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso importa danos graves e irreparáveis para a Recorrente, uma vez que, na sequência da sentença do TAC de Lisboa, encontra-se matriculada no curso de Medicina, sendo irreparáveis os danos decorrentes da imediata suspensão desse curso.

  1. Por outro lado, a manutenção da Recorrente no curso de Medicina não causa qualquer prejuízo a ninguém.

  2. Pelo que, nos termos do n.° 3 do artigo 143° do CPTA, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, sem prejuízo de, se assim não for entendido, o Tribunal determinar as medidas cautelares adequadas, as quais devem passar por permitir a continuação da recorrente a frequentar o curso de Medicina até ao trânsito em julgado da presente intimação DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA D. Entende ainda a Recorrente que o acórdão recorrido está inquinado do vício de nulidade, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, porquanto o Tribunal a quo, na decisão proferida, não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar.

  3. Decorre das contra-alegações apresentadas pela ora Recorrente, em sede de recurso de apelação da decisão do TAC de Lisboa, o documento comprovativo da realização do exame de "Physics” (alegadamente em falta) já tinha sido entregue pela Recorrida à DGES, no passado ano de 2013, para instruir a candidatura desta ao curso de Bioquímica.

  4. Circunstância que, inclusivamente, consta da matéria de facto provada na decisão do TAC de Lisboa, bem como do acórdão proferido pelo TCA Sul.

  5. Tal situação foi invocada pela Recorrente com o intuito de explicitar nos autos que, sem margem para dúvida, o DGES sempre teve acesso ao documento alegadamente em falta.

  6. Sendo por isso manifestamente desproporcional uma decisão de indeferimento que se sustenta na alegada não entrega de um certificado.

    I. Ou seja, se a alegada situação tivesse sido considerada a decisão tomada pela Administração no sentido de indeferir a candidatura da Recorrente não poderia deixar de ser considerada ilegal.

  7. O TCA Sul ao revogar a sentença da primeira instância deveria ter apreciado as questões que lhe foram colocadas nas contra-alegações, (veja-se, a título de exemplo, o disposto nos artigos 42.° ou 47.° das contra-alegações de recurso), designadamente a que agora se volta a colocar, ou seja, a de saber se, mesmo sem a prova da entrega do documento, era legal o indeferimento tendo em conta que o mesmo documento já constava nos serviços da recorrida.

  8. Não o tendo feito, incorreu o acórdão em omissão de pronúncia, o que implica a sua nulidade, nos termos do art. 615°, 1, d) do CPC. Impondo-se a remessa do processo ao TCA Sul para conhecimento da mesma.

    DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA L. A Recorrente entende que se verificam preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da Revista, já que a decisão recorrida errou na interpretação e aplicação do direito, que importou uma séria alteração da matéria de facto assente, alteração esta que serviu de único sustento para o teor da decisão versada no acórdão recorrido, M. Com efeito, incorreu em erro de julgamento relativamente à matéria de Direito, no que respeita à distribuição do ónus da prova, e por considerar que o mesmo cabia à Recorrente.

  9. Não fosse esse o seu - errado - entendimento, deslocando-se para a Recorrida o referido ónus, teria o Tribunal a quo concluído de forma necessariamente diferente.

  10. A questão aqui é, portanto, saber se: o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, agindo contra o direito, quando decidiu a alteração da matéria de facto provada com fundamento no facto de ser à Recorrente que incumbia o ónus da prova; se sustentou na apreciação da matéria de facto fixada em função da errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova, tendo ainda desconsiderado o valor probatório de um documento autêntico, enquadrando-se por isso na parte final do n.° 4 do artigo 150.° do CPTA P. Por outro lado, também é certo que nos presentes autos foram proferidas duas decisões em sentido totalmente oposto.

  11. Assim, deve concluir-se que, à luz do artigo 150.° do CPTA, estão preenchidos os pressupostos para a admissão da presente revista, porquanto se constata a necessidade de uma melhor aplicação do direito pelo Tribunal ad quem.

    Sem prescindir, R. O valor probatório de um documento emitido pela entidade competente (documento autêntico) certificando a entrega dos documentos necessários para uma candidatura ao ensino superior, traduz uma questão geral que, além de ser suscetível de dizer respeito a um grande número de casos actualmente, suscita questões complexas e difíceis em matéria de direito probatório.

  12. Trata-se, por isso, de uma questão que pode vir a colocar-se com frequência e que a intervenção do STA pode clarificar e, desse modo, orientar os Tribunais Administrativos bem como a Administração.

  13. Por outro lado, saber em que termos deve ser repartido o ónus da prova perante situações em que a Administração certifica a receção de certos documentos que, mais tarde, não constam do processo instrutor é também uma questão de relevância jurídica fundamental na medida em que centra a discussão sobre o recorte preciso e rigoroso do ónus da prova em processo administrativo.

    Sem prescindir, U. Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de explicitar que a sua pretensão, que motivou a instauração dos presentes autos, se reconduz ao exercício do direito de acesso ao ensino superior, à liberdade de escolha e exercício de profissão e à igualdade.

    V. Assim, e estando em causa, em sede de decisão final, o reconhecimento e exercício dos direitos fundamentais que assistem à Recorrente, conforme supra referenciado, não deixa de ser patente a importância social fundamental do presente recurso.

  14. Assim, porquanto se constata a necessidade de uma melhor aplicação do direito, por ser evidente a ilegalidade do douto acórdão recorrido, tendo inclusivamente sido proferidas duas decisões em sentido oposto nos presentes autos, e demonstrada que está a importância jurídica e social fundamental do presente recurso, deverá o presente recurso de revista excecional ser admitido, nos termos do artigo 150.° do CPTA.

    DO MÉRITO DO RECURSO X. A Recorrente considera que o acórdão recorrido interpretou erradamente os artigos 371°, n° 1; 372°, n° 1 e 393°, n° 2 do Código Civil, uma vez que desprezou o valor probatório — força probatória plena — de um documento autêntico.

  15. O TAC de Lisboa, na decisão proferida, considerou provada a seguinte factualidade (alínea k) da matéria de facto): “Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B…………… os originais de documentos para instrução da candidatura referida em j), dentre os quais constavam quatro certificados a que se referem as alíneas a), b), d) e h), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa” (‘realce nosso).

  16. O TCA Sul, por sua vez, modificou a matéria de facto, passando a al. k) a ter a seguinte redação: “Aquando da candidatura no GAESUP, a requerente entregou a B……………….. os originais de documentos para instrução da candidatura referida em j), dentre os quais constavam três certificados a que se referem as alíneas a) d) e h), tendo este, por sua iniciativa, extraído cópias dos mesmos para instruir a referida candidatura, devolvendo os originais à requerente, colocando as cópias numa mesa” (realce nosso).

    AA. A diferença entre um e outro facto dado como provado reside no diferente entendimento dos dois Tribunais face ao teor probatório do comprovativo da entrega dos documentos que certificam a realização dos exames indicados na alínea b) da matéria de facto provada, que tem a seguinte redação: “A requerente, em Junho de 2012, realizou os exames finais das disciplinas trianuais da Universidade de Cambridge, exigidos para o ingresso no ensino superior no Reino Unido, as quais foram posteriormente objeto de equivalência e de conversão para o sistema de classificação português, para efeito de acesso ao ensino superior português” BB. A prova da apresentação do documento comprovativo do facto supra indicado, deve ter, antes de mais, em linha de conta o documento, cuja cópia foi transposta para a alínea m) dos factos provados, e de onde consta, além do mais, que foi recebido o documento comprovativo da equivalência do exame estrangeiro ao ensino secundário português, incluindo a conversão da classificação final do curso para a escala de 0 a 20.

    CC. O documento transcrito na al. m) foi emitido por um funcionário público, competente, no exercício das suas funções com a finalidade de atestar a entrega dos documentos ali referidos, tendo inclusivamente um carimbo da respetiva instituição.

    DD. Trata-se, portanto, para efeitos probatórios de um documento autêntico nos termos do n° 1 do artigo 369.° e do n° 2 do artigo 370°, ambos do Código Civil.

    EE. Esta qualificação jurídica presume-se (370.°,1 do Código Civil), sendo ainda certo que no presente caso a referida presunção não foi ilidida.

    FF. Estranhamente, porém, o Tribunal a quo não encarou o documento em causa como um documento autêntico.

    GG. Olvidando que “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela...

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