Acórdão nº 0101/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Data14 Dezembro 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“A A…………. - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E JUVENTUDE, IPSS”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [«TAF/P»] a presente ação administrativa comum contra “B……………, SA”, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a condenação da R. “a reparar e eliminar os defeitos enunciados e constantes da carta de 19.05.2011, melhor identificados nos artigos 10.º, 14.º, 15.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º desta P.I., no prédio sito na Rua ………, …………, …………, Maia” e a “executar as obras e serviços que se elencam nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 24.º, 25.º e 26.º desta P.I. no prazo de 60 dias após o trânsito da sentença que os ordenar”, bem como “na sanção compulsória de 250 € dia, por cada dia de atraso no início ou conclusão dos trabalhos que lhe forem determinados”.

1.2.

O «TAF/P» veio a prolatar decisão, datada de 17.01.2014, julgando procedente exceção de caducidade e, em consequência, absolveu a R. do pedido [cfr. fls. 142/147].

1.3.

A A., inconformada, recorreu para o TCA Norte o qual, por acórdão de 02.07.2015, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 200/211].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a A., de novo inconformada com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 219 e segs. e fls. 376 e segs. após convite ao seu aperfeiçoamento por despacho de fls. 371/372], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. Por concurso público a ora Recorrente adjudicou à ora Recorrida uma obra para a construção de edifício para acolher crianças e jovens em risco que são retirados por ordem judicial provisoriamente aos pais, tendo sido assinado o contrato em 9/11/2005, com o prazo de conclusão de 365 dias.

  2. A receção provisória da obra só veio a suceder em 30 de março de 2007.

  3. Com o decurso do tempo foram surgindo diversos defeitos que foram sendo reparados pela Recorrida.

  4. Em 19/5/2011, por carta registada, a Recorrente denunciou à Recorrida diversos defeitos que esta, apesar de os ter reconhecido, não os reparou, tendo, em 21/3/2012 a Recorrente intentado uma ação judicial contra a Recorrida no Tribunal Cível da Maia, por defeitos na construção do edifício, que correu termos sob o n.º 1927/12.2TBMAI, no 2.º Juízo daquele Tribunal.

  5. Por sentença notificada via CITIUS em 16/4/2013, aquele Tribunal declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do litígio e absolveu a Ré da instância.

  6. Em 17/5/2013 foi intentada ação administrativa comum perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

  7. Este Tribunal sentenciou que o direito já havia caducado porquanto «o direito que se pretende reivindicar nos presentes autos teria de respeitar o prazo de 5 anos a contar da receção provisória da empreitada, sob pena de caducidade, o que aconteceu no caso dos autos».

  8. A ação foi instaurada no Tribunal Cível em 21/3/2012, ou seja, antes de decorrido o prazo de 5 anos após a receção provisória da obra que ocorreu em 30/3/2007.

  9. A sentença que se declarou materialmente incompetente foi proferida em 16/4/2013 e transitou em julgado em 20/5/2013.

  10. Os presentes autos tiveram início por ação instaurada pela Autora em 17/5/2013, ou seja, antes de decorrido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado pelo que se mantém os efeitos civis da interposição da primeira ação, nomeadamente, impedindo a verificação da caducidade (art. 331.º CC).

  11. Ora, o Autor pode aproveitar os efeitos civis da 1.ª ação (para efeitos de contagem do prazo de prescrição e caducidade) por mais 30 dias após o trânsito em julgado, interpondo nova ação, independentemente de lhe ser imputável ou não a absolvição da instância.

  12. Com efeito, o n.º 2 do artigo 289.º do CPC não prejudica os preceitos da lei civil, aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância. Proposta nova ação dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira ação mantém-se.

  13. De facto, a interpretação literal da norma do art. 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil impõe que se mantenham os efeitos civis por mais 30 dias desde que seja intentada nova ação nesse prazo! XIV. No caso dos autos não se verificou qualquer inércia ou conduta negligente da Autora/Recorrente, mas antes a dúbia interpretação de uma regra processual que delimita a competência dos tribunais pelas várias jurisdições.

  14. Por outro lado, com a reforma do Código de Processo Civil em 2013 (antes de ter sido intentada a ação dos presentes autos) o legislador consagrou no art. 99.º, n.º 2 do CPC, em caso de incompetência absoluta, a possibilidade de se requerer a remessa ao tribunal competente até 10 dias após o trânsito em julgado.

  15. O que vem reiterar que o legislador pretende fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, tanto que o preceito normativo do art. 279.º, n.º 2 do CPC (antigo 289.º, n.º 2) surgiu posteriormente ao artigo 327.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que a norma mais recente prevalece sobre a norma mais antiga! XVII. Outro entendimento seria inconstitucional por denegar o acesso à justiça consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

  16. Daqui se vislumbra que esta é uma questão deveras controversa e de particular relevância jurídica que merece melhor aplicação do Direito, pelo que se afigura essencial melhor clarificação jurisprudencial da aplicação das normas previstas no artigo 327.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil e no artigo 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil (antigo 289.º, n.º 2), especialmente pela importância que assume para a segurança das relações jurídicas.

  17. Devendo, consequentemente, decidir-se que o prazo previsto no artigo 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil é sempre aplicável, independentemente da atuação do Autor que levou à decisão de absolvição da instância.

  18. Por outro lado, foi alegado que a Ré reconheceu a existência de defeitos e a sua responsabilidade (vd. arts. 30.º e 40.º da contestação), admitindo a realização das reparações necessárias, como até então, aliás, vinha fazendo, assim como, admitiu o incumprimento do caderno de encargos, aplicando material substancialmente diferente nos vãos exteriores.

  19. Sendo o reconhecimento da sua responsabilidade causa de impedimento de verificação da caducidade ao abrigo do art. 331.º, n.º 2 do Código Civil a partir desse momento seria aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (e não um novo prazo de caducidade), ao abrigo do art. 309.º do Código Civil.

  20. Para tal apreciação judicial e, admitindo que nalgumas partes e nalguns defeitos, da leitura dos articulados resultaria ser matéria controversa, impunha-se a produção de prova.

  21. Porém, o Douto Aresto de que se recorre, entendeu que a Recorrida não teria reconhecido a responsabilidade dos defeitos, ou seja, pronunciou-se sobre matéria de facto sem que para tal tivesse havido recurso, pois este apenas estava limitado a questões de Direito, o que configura nulidade por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo do disposto no art. 95.º CPTA e 615.º, n.º 1, d) CPC.

  22. Também, foi invocado além da responsabilidade contratual, que a atuação da Ré configura ato ilícito por violação culposa de normas de proteção, nomeadamente, arts. 1.º, 15.º, 16.º, 23.º, 24.º e 128.º do Regime Geral das Edificações Urbanas, o que importaria a análise da sua conduta ao abrigo da responsabilidade aquiliana e respetivo regime que, como é consabido, diverge no que diz respeito aos prazos de prescrição e caducidade.

  23. Por outro lado, omitiu pronunciar-se sobre a questão da responsabilidade aquiliana que tem regime diverso da responsabilidade contratual, porquanto aquela consagra um prazo prescricional de 3 anos após o conhecimento dos defeitos, que ocorreu em maio de 2011 e a presente ação foi instaurada em 17 de maio de 2013.

  24. Tudo isto configura nulidade do Acórdão nos termos do disposto do art. 95.º, n.º 1 do CPTA e 615.º, n.º 1, d) CPC (ex vi 674.º, n.º 1, c)...

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