Acórdão nº 01458/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

O Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais (SNBP), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 17.06.16, que decidiu, “ainda que com base em divergente fundamentação, negar provimento ao Recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1.ª instância”.

Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF de Viseu, de 28.11.14, que decidiu julgar “improcedente a presente acção administrativa especial” e, consequentemente, absolver a entidade demandada dos pedidos formulados pelo Autor”.

Nessa AAE de condenação à prática de acto devido, o SNBP, em representação de 20 associados, todos bombeiros municipais do Município de Viseu (MV), pediu ao TAF de Viseu, entre outras coisas, que condenasse o R. MV a pagar aos AA. o acréscimo remuneratório correspondente a 25% das horas de trabalho extraordinário realizado, a título de descanso compensatório, bem como o seu trabalho extraordinário prestado com o acréscimo remuneratório legalmente previsto, correspondente a 50% da remuneração na 1.ª hora e 75% da remuneração das horas ou frações subsequentes, bem como os juros de mora sobre as referidas importâncias a contar da sua citação e até efectivo e integral pagamento”.

  1. O recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 539 a 540): “I – O presente recurso preenche todos os requisitos de admissibilidade, tanto no que diz respeito ao conceito de relevância jurídica como no que concerne à relevância social; II – A relevância jurídica da questão sub judice é patente se atentarmos no facto de, até ao presente, se desconhecer qualquer decisão do STA sobre se assistirá ou não aos trabalhadores da administração pública o direito a auferir qualquer pagamento extraordinário, por força do serviço prestado no horário de trabalho que lhes está superiormente estabelecido, mas que ultrapassa o limite semanal legalmente estabelecido.

    III – A presente situação tem ainda todas as características para se reiterar necessariamente nas relações jurídicas de emprego público reguladas pelas leis sucessivas, basta ter em conta o disposto nos artigos 212º, nº 5, do RCTFP, e 162.º, n.º 5, da LGTFP; IV – Pelo que são evidentes as repercussões para o futuro que a questão em análise poderá ter e manifesta a importância dos interesses já referidos, o que por si só denota a particular relevância da questão.

    V – Os arestos proferidos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e pelo Tribunal Central Administrativo Norte violaram assim o disposto no art. 212º e o art. 163º, nº 1 e nº 2 ambos da lei nº 59/08, de 11 de Setembro por considerar que não obstante ter sido determinado aos bombeiros, trabalhadores da administração pública, um horário de trabalho pelo executivo camarário cuja carga semanal pode chegar, dependendo dos turnos, a 48 horas semanais, o excesso de horas que os referidos trabalhadores efetuam semanalmente não poderão ser qualificadas como extraordinárias em termos de acréscimos remuneratórios; VI – Isto porque conforme já referido pelo Acórdão do STJ proferido no processo nº 2375/08.4TTLSB.L1.S1, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu e que foi efetuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal, os factos demonstram que igualmente o aqui Recorrido tinha conhecimento desse trabalho e tomou-o sem se opor à respetiva prestação; VII – É incontornável que, por força da determinação do executivo camarário os sócios do Recorrente estavam sujeitos a um horário desconforme à Lei, algo que jamais poderia ser assacado aos próprios trabalhadores que apenas cumpriam o que lhes foi superiormente determinado porque nunca lhes competiu por iniciativa própria estabelecer os horários segundo os quais prestariam o seu trabalho; VIII – Os órgãos e entidades competentes do Recorrido optaram por manter os sócios do Recorrente sujeitos ao mesmo horário, daqui decorrendo não ser curial falar da ausência de um ato autorizando o trabalho suplementar, quando o que se verificou foi a manutenção esclarecida do horário em desconformidade com o legalmente estabelecido, ou seja, não se tratou de autorizar trabalho para além do regulamentar mas sim de impor que se perpetuasse o anterior.

    IX – Se os órgãos e entidades competentes do Recorrente mantiveram os sócios do Recorrido sujeitos ao horário desconforme Lei, a autarquia recebeu e beneficiou do trabalho prestado para além do horário legalmente permitido, não havendo margem alguma para sustentar a oposição desta ao trabalho suplementar.

    X – Pelo que o douto acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação da lei, designadamente das normas constantes dos artigos 59º, nº 1 alíneas a) e d), da CRP, 28º, nº 5, e 34º, nº 1, do DL nº 259/98, 212º, nº 5, do RCTFP, e 162º, nº 5, da LGTFP, razão pela qual a intervenção deste STA é fundamental para uma melhor aplicação do direito, contribuindo assim para uma interpretação mais segura do quadro normativo aplicável, tanto mais que são situações de inegável importância, enquanto ligadas a interesses particularmente relevantes da comunidade que requerem um acentuado labor interpretativo, pelo que se justifica a admissão da revista excecional.

    Termos em que, e nos melhores de Direito, deve julgar-se o presente recurso totalmente procedente, de acordo com as conclusões supra alinhadas e, em consequência, anular-se ou revogar-se o douto Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

    Assim decidindo, farão V. Exas. a habitual e sempre esperada Justiça!”.

  2. O recorrido Município de Viseu (MV), devidamente notificado, não produziu contra-alegações.

  3. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 09.02.17 (fls. 553 a 555), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos: “(…) 3.2. A questão discutida nestes autos emerge do facto dos representados pelo Sindicato autor (Bombeiros a prestar serviço no Município de Viseu), nos meses de Janeiro a Junho, estarem sujeitos a um horário de trabalho integrados em quatro piquetes mensais, os quais determinavam para os mesmos a prestação de 12 horas de serviço seguidas de 24 horas de descanso, alternadamente, com 12 horas de serviço seguidas de 48 horas de descanso”. Deste regime resultava que a carga horária semanal pudesse chegar às 48 horas. Ora, nos termos do art. 23º, n.º 1, do Dec. Lei 106/2002, de 13 de Abril (que estabelece o regime jurídico dos bombeiros profissionais da administração local) “Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efectuarem doze horas de trabalho contínuas”.

    Deste modo e perante a possibilidade (dependendo dos turnos) dos trabalhadores em causa poderem ultrapassar as 35 horas semanais, impõe-se saber se esse trabalho na medida em que ultrapasse as 35 horas semanais deve ou não ser remunerado como trabalho suplementar remunerado nos termos dos artigos 163º e 212º da Lei 59/2008.

    O TCA Norte entendeu que “o facto dos trabalhadores representados pelo sindicato recorrente prestarem o horário de...

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