Acórdão nº 060/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução18 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………….. – ………….., LDA, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 09.11.17, que decidiu “negar provimento ao recurso jurisdicional e [em) confirmar a sentença recorrida”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Sintra, de 03.02.17, que, entre outros aspectos, e para o que mais interessa, decidiu no sentido de “julgar totalmente improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual, por não provada, e, consequentemente, absolver a Entidade Demandada, e a Contra-Interessada dos pedidos”.

  1. A recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 453v. a 459v.): “- Sobre a admissibilidade da revista -

    1. O douto Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso, estribado em três graves erros de direito que se afiguram ser indubitáveis.

    2. Por um lado, considera que o ónus probatório previsto no artigo 91.º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos recai apenas e só sobre a Autora e ora Recorrente, quando assim não sucede.

    3. Por outro lado, faz tábua rasa do princípio inquisitório previsto no artigo 58.º e 115.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que ao contrário do princípio dispositivo, faz impender sobre a administração, na condução do procedimento administrativo, o poder-dever de praticar todos os atos instrutórios necessários à conveniente tomada de decisão e busca da verdade material.

    4. Por fim, o douto tribunal recorrido, ressalvado o muito e devido respeito, considerou que a Recorrente não provou o seu justo impedimento – e por isso julgou o recurso improcedente – quando não está em causa esse instituto, mas sim a existência e fundamentação da imputabilidade, ou não, do atraso na prestação de caução à ora Recorrente.

    5. O douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente, ao que se julga de forma muito clara, o direito.

    6. Confundiu a repartição do ónus da prova na aplicação do artigo 91.º n.º 1 do CCP, pois que se a caducidade da adjudicação depende da demonstração da imputabilidade do facto ao adjudicatário – primeiro é necessário concluir, sem dúvidas, por essa imputabilidade para que possa seguidamente operar a caducidade da adjudicação.

    7. Também o tribunal recorrido interpretou erradamente o princípio do dever de fundamentação dos atos administrativos ablativos ou extintivos de direitos constituídos, exposto no artigo 153.º n.º 1 do CPA, tal como aplicou e interpretou erradamente o normativo do artigo 121.º n.º 1 do CPA, bastando-se para julgar cumprido o direito de audição prévia com a efetiva apresentação dessa audição, sem cuidar de verificar na decisão impugnada se o que a esse propósito alegado foi sequer ponderado ou ouvido.

    8. Destarte, afigura-se manifesto que a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

      Acresce que, I) A questão do ónus probatório necessário para o acionamento do artigo 91.º n.º 1 do CCP e a intensidade da invocação e da fundamentação da imputabilidade do facto, concatenada com as diversas refrações legais do princípio inquisitório que rege o procedimento administrativo, são questões de grande relevância jurídica no quadro no exercício do poder administrativo, mormente no âmbito da contratação pública, cada vez mais crescente e complexa.

    9. Podendo esta apreciação agora pedida a este Venerando Tribunal servir de escopo uniformizador para orientação dos tribunais na decisão de outros casos em que as mesmas normas devam ser aplicadas e interpretadas, tanto mais que a aplicação do artigo 91.º n.º 1 do CCP, implicando um ato ablativo de ato constitutivo anterior, não tem sido objeto de abundante jurisprudência, nem sobre tal temática a doutrina se tem pronunciado em termos profusos.

    10. É evidente a capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação vertente, certo como é que proliferam as ações emergentes de contencioso dos contratos públicos.

    11. É, pois, uma questão de importância fundamental ou qualificada, não só pela sua importância para os interesses da Recorrente, mas pela possibilidade de satisfazer um múltiplo conjunto de casos em que a mesma questão se poderá colocar.

      - Sobre o mérito do recurso - M) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do tribunal recorrido, de 9 de novembro de 2017, que negou provimento ao recurso e manteve a sentença de 1.ª instância.

    12. O douto tribunal recorrido julgou improcedente o recurso e manteve a sentença de primeira instância apenas com base em questões de direito, na aplicação e desaplicação errada de normas jurídicas.

    13. O tribunal recorrido começa por afirmar que a factualidade constante em 78.º a 88.º da petição é conclusiva e que não foi invocada no requerimento da Recorrente, de 23/08/2016, perante a Ré, sem contudo aportar qualquer razão para que tal matéria possa ser considerada conclusiva, que não é, como não explicita um único facto aí invocado que não tenha sido também invocado junto da Ré – ainda que de modo menos desenvolvido –, no requerimento de 23/08/2016, cujo teor se encontra provado em O) da matéria assente fixada em 1 .a instância.

      Acresce que, P) O douto Tribunal recorrido não devia ter aceitado como boa a decisão do tribunal de 1.ª instância que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida nos presentes autos.

    14. Estando em causa a demonstração da imputabilidade, ou não, à Recorrente, do atraso na prestação da caução e perante a vacuidade da fundamentação da decisão impugnada (que não afirma que o facto é imputável à Recorrente, mas tão somente que não existe uma não imputabilidade inequívoca e sem explicar porquê), a produção de prova testemunhal, para corroborar e clarificar qualquer dúvida sobre o teor da declaração bancária e os factos dela constantes, não se afigura ser impertinente para a decisão de direito da causa, nas suas diversas soluções plausíveis.

    15. O douto Tribunal recorrido pura e simplesmente aceitou como boa a completa omissão de instrução da causa, com o argumento de que a Recorrente devia ter indicado a prova testemunhal logo junto da administração em 23/08/2016, esquecendo-se que a Recorrente apresentou nessa data prova documental e que estava, de boa-fé, convicta de que a Ré concluiria pela não imputabilidade do atraso ou, ao menos, exerceria os seus poderes-deveres de instrução inquisitória perante as dúvidas que porventura tivesse, se as tivesse, e que não eram possíveis de antecipar.

    16. Com esta decisão, o tribunal recorrido negou à Recorrente a possibilidade de demonstrar, mediante a prova testemunhal indicada na petição, a veracidade de tais factos relevantes para o exame e decisão da causa, nas diversas soluções plausíveis da questão de direito e assim violou o disposto no artigo 90.º n.º 1 do CPTA.

    17. A douta decisão do tribunal a quo, que mantém a sentença de 1.ª instância e indefere a produção de toda a prova requerida, a pretexto de uma alegada desnecessidade apenas verificada por erro de julgamento, cria uma restrição ilegal aos meios de prova produzidos nos autos, suscetível de influir – como influiu – na decisão da causa e ofende o direito da Recorrente a uma tutela jurisdicional plena e efetiva, de assento Constitucional, bem como o princípio da promoção do acesso à justiça, vertido no artigo 7.º do CPTA.

    18. A prova testemunhal constitui um meio probatório admissível na ação administrativa emergente de contencioso pré-contratual, como se alcança, entre outros, do disposto nos artigos 78.º n.º 4, 90.º n.º 2, todos do CPTA e 413.º e 498.º e seguintes do CPC.

    19. A prova testemunhal destina-se, em função da parte que a apresente, à demonstração, em juízo, dos fundamentos da ação ou da defesa, como decorre dos normativos dos artigos 341.º e 342.º n.º 1, ambos do Código Civil.

    20. A produção de prova testemunhal foi requerida não só pela Recorrente, como pela Contrainteressada, que no artigo 94.º da sua contestação impugnou a veracidade do documento junto pela Autora como o n.º 8 fls. 4 e 5, que constitui precisamente a declaração do Novo Banco, de 23 de agosto de 2016 e requereu a realização de diligências probatórias junto de tal instituição bancária, bem como a inquirição de funcionário bancário.

    21. Perante tal impugnação e nos termos do artigo 455.º do CPC, também a ora Recorrente requereu a inquirição de testemunhas, designadamente o referido funcionário bancário.

    22. Tais diligências probatórias, por documentos em poder de terceiro e por inquirição de testemunhas, foram, desatendidas pelo tribunal de 1.ª instância e também pelo tribunal ora recorrido, sem qualquer justificação legal ou factual.

      Bem assim, Z) O douto tribunal recorrido incorre em flagrante erro de direito ao afirmar que a Recorrente devia apresentar prova testemunhal aquando do seu requerimento junto da Ré, de 23/08/2016.

      AA) É certo que a Recorrente podia tê-lo feito e se o tivesse feito, como é do conhecimento e...

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