Acórdão nº 0368/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ARAG |
Data da Resolução | 18 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo A Representante da Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido no processo nº 1284/04.0BEBRG, de impugnação contra a liquidação adicional de IVA respeitante ao ano de 1999 e as liquidações referentes a juros compensatórios dos períodos 05/1999 e 07/1999, proferido em 9 de Junho de 2016, em que é impugnante A……… Automóveis, L.dª, veio deduzir recurso com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2 e 3 e 284.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, invocando oposição do ali decidido com o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Março de 2016, proferido no proc. n.º 400/15, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões: 1. O acórdão em recurso entendeu que a AT não tinha feito prova do acordo simulatório entre a impugnante e a emitente B………..
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E, por essa razão, julgou procedente a presente impugnação.
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O STA tem-se pronunciado diversas vezes sobre a questão do ónus da prova em matéria de facturas falsas.
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E tem constante repetido que à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação e que, efetuada essa prova, cumpre ao contribuinte provar a veracidade das operações subjacentes às faturas (CF., entre outros, acórdão do STA de 17 /04/2002, proferido no processo n.º 0026635).
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Recentemente o STA tem ainda decidido que cabe à AT recolher indícios fundados de falsidade mas não provar um conluio entre os intervenientes na emissão/utilização das faturas (Cf Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 17 de fevereiro de 2016, processo n.º 0591/15 e ainda acórdão fundamento).
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A decisão recorrida, ao exigir a prova do acordo simulatório, distanciou-se, pois, da jurisprudência dominante do TCA.
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Por essa razão, não pode manter-se na ordem jurídica.
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De facto, a jurisprudência do STA é a mais conforme à natureza da problemática das faturas falsas, que envolve não apenas casos de simulação subsumível ao art. 240.ª do C.C. mas também situações de efetiva falsidade material.
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A AT recolheu indícios suficientes de que a B…… não teve atividade de venda de veículos, nem qualquer interferência nas transações em causa nos autos.
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Ela cumpriu, pois, o seu ónus probatório pelo que a vertente impugnação tem que improceder.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências.
Admitido liminarmente o recurso não foram presentes as alegações do recorrido, mas foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que indicou que: «Afigura-se-nos, assim, que se verifica a identidade da questão jurídica, tendo por base situações de facto similares, e em que foram proferidas decisões expressas, nas quais se perfilharam soluções diversas, e tendo por base o mesmo quadro legal.
Mostram-se, assim, reunidos os pressupostos do recurso de oposição de acórdãos previsto no artigo 284.º do CPPT.
Colhidos os vistos legais, impõe-se o conhecimento do recurso.
Nas instâncias deu-se como provada a seguinte matéria de facto: 1. A Impugnante adquiriu em estado de novo em Maio de 1999, à «K…, Unipessoal, Lda» um veículo ligeiro da marca «Audi», modelo «A4 – 1.9», ao qual foi atribuída a matrícula «NS»; 2. O valor de compra do referido veículo foi de Esc.: 7.386.208$00, tendo sido pago através de cheque emitido sobre a «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Felgueiras» em 27/07/1999; 3. A Impugnante vendeu o referido veículo à sociedade «P… - Indústria de Calçado, Lda.», emitindo a respectiva factura nº 143 em 29/05/1999, no valor de Esc.: 7.600.000$00; 4. A sociedade «P… - Indústria de Calçado, Lda.» liquidou o mencionado veículo através de um cheque no valor de Esc.: 2.400.000$00 e da entrega para retoma de um veículo da marca «Jeep», modelo «Grand Cheroquee», ao qual foi atribuído o valor de Esc.: 5.200.000$00; 5. O veículo «Audi» encontra-se registado desde 29/07/1999, na Conservatória do Registo Automóvel em nome da sociedade «P… - Indústria de Calçado, Lda.»; 6. A Impugnante adquiriu em estado de novo em Julho 1999, à «K…,Lda.» um veículo ligeiro da marca «Mercedes», modelo «CLK 230», ao qual foi atribuída a matrícula «NS»; 7. O valor de compra do referido veículo foi de Esc.: 12.500.000$00, tendo sido pago através de cheque emitido sobre a «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Felgueiras» em 27/07/1999; 8. A Impugnante vendeu o referido veículo à sociedade «E…, Lda», através do sistema de locação financeira, emitindo a respectiva factura nº 149 em 12/07/1999, em nome do banco financiador «BPN - Banco Português de Negócios», no valor de Esc.: 13.000.000$00, que creditou na sua conta este valor.
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Na sequência de uma acção inspectiva (análise interna), foram efectuadas, à impugnante, liquidações adicionais em sede de IVA e juros compensatórios, relativas ao ano de 1999, no valor de total de 18.028,67€ - cfr. fls. 194, 195 e 196 do processo administrativo apenso aos autos.
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Tais liquidações adicionais resultaram do facto de a Administração Fiscal ter efectuado correcções técnicas à matéria colectável da impugnante, do ano 1999, em sede de IVA.
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Em 27/03/2003, a impugnante foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção, do teor das correcções e da fundamentação constante do relatório resultante da referida acção inspectiva.
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Todos os factos, constantes do relatório supra referido, são relativos exclusivamente à actuação da K…, nomeadamente: “A - Caracterização do sujeito passivo - Trata-se de uma sociedade unipessoal sendo o Sr. ………… seu único sócio (…) - A sua sede social está situada na Rua ………, …., sala ….. – Porto. (…) B- Conclusão: Resumidamente, e em face do que foi exposto ao longo deste relatório, podemos tirar as seguintes conclusões: a). Após diligências efectuadas, conforme foi por nós descrito no capítulo B deste relatório, nunca foi possível o contacto com o único sócio, Sr. ……..
b). Deslocamo-nos várias vezes à sede social da K…, nomeadamente: dias (…) e nunca encontramos ninguém.
c). Foram enviados ofícios e notificações (registadas com datas de 25/10/1999; 02/11/1999 e 20/12/1999) que não foram devolvidas, o quer dizer, que tiveram conhecimento; (…) Da análise das facturas que tivemos acesso, facilmente se chega à conclusão de que as mesmas foram emitidas por várias pessoas; f) Uma grande parte das viaturas “vendidas” pela “K…”, segundo informações fornecidas pela administração fiscal belga, alemã e francesa, foram adquiridas a fornecedores e a intermediários sobre os quais recaem indícios de estarem envolvidos numa fraude fiscal do tipo carrossel; g) Não encontramos documentos que nos indicassem inequivocamente que as viaturas tinham sido encomendadas pela K…; h). A quase totalidade das viaturas foram pagas por intermediários em numerário ou cheque por eles emitidos. Quanto aos cheques emitidos pelo BCP, desconhecemos quem solicitou a sua emissão; i) Conforme já foi referido no ponto 2) e 3) do capítulo C, a recepção das viaturas e o pagamento dos serviços foram efectuadas por pessoas que aparentemente não estão ligadas à K…; (…) Das situações descritas podemos tirar as seguintes ilações: - Que a “K…” é um empresa “ecran”, isto é (…) - Aparentou inicialmente ser uma empresa cumpridora, em termos fiscais, com vista a criar a tal ilusão de ser uma empresa normal; - Introduzir no mercado nacional, na sua maioria das vezes, viaturas a preços inferiores ao do mercado; - Liquidar o IVA em facturas sabendo que não o iria entregar nos cofres do Estado; - Possibilitar em termos formais, aos adquirentes enquadrados num dos regimes previsto no CIVA, a dedução do IVA mencionado nessas facturas; - Que as facturas emitidas em nome da “K…” correspondem a operações simuladas.” - cfr. fls. 147 a 193 do processo administrativo apenso aos autos, remetendo-se para o seu teor integral.
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Resulta das conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, como intróito, ser decorrente da análise interna que se procedeu, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, à correcção do IVA deduzido pelo sujeito passivo relativamente às aquisições efectuadas à empresa “K…, Lda.”, durante o exercício de 1999, no montante de 2.889.449$ (14.412,51€), em virtude de se ter chegado à conclusão e em resultado da inspecção efectuada àquela empresa, que as facturas por ela emitidas correspondem a operações simuladas.
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No ponto E do Relatório de Inspecção Tributária identificam-se as correcções meramente aritméticas à matéria tributável em sede de IVA: “Não será por nós considerado o direito à dedução do IVA deduzido pelo sujeito passivo constante das facturas a seguir descriminadas, por períodos de imposto, tendo por base o fundamento de que o IVA deduzido resulta de operações simuladas, como foi amplamente demonstrado ao longo deste relatório (…) [factura n.º 466 e factura n.º 500]”.
Nada mais se levou ao probatório.
O despacho de admissão liminar do recurso, com efeitos meramente ordenadores do rito processual não impede, nem dispensa a análise da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como impõe o artº 692º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), definidos pela necessidade de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, no domínio da mesma legislação, e, desde que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Nas decisões jurídicas em confronto decidiu-se: -no acórdão recorrido: As liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que foram objecto de impugnação judicial por parte da ora Recorrida resultaram de uma acção de inspecção interna, em que a administração...
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