Acórdão nº 01675/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A…………, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] recurso contencioso de anulação contra o «DIRETOR MUNICIPAL DE FINANÇAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA» [doravante «DMF»], igualmente identificado nos autos, peticionando, pelos fundamentos aduzidos no articulado inicial de fls. 02/11 dos autos, a anulação do despacho daquele de 02.05.2000, notificado através do ofício n.º 375/DR/DCCR/2000, que lhe ordenou «o pagamento da quantia de 28.266.190$00, alegadamente correspondente ao custo da obra coerciva realizada pela Câmara Municipal de Lisboa no imóvel sito na Rua ………, 28/36».

  1. No prosseguimento dos autos foi proferido despacho saneador, sem qualquer impugnação, no qual se julgou improcedente a exceção de irrecorribilidade do ato que havia sido suscitado pelo ente recorrido [cfr. fls. 181 e segs.

    ], e uma vez produzidas alegações nos termos do art. 848.º do Código Administrativo [cfr. fls. 193 e segs.

    ], foi proferida sentença, datada de 24.04.2015, a julgar o presente recurso contencioso de anulação totalmente improcedente [cfr. fls. 261/282].

  2. A recorrente contenciosa, inconformada com aquela sentença, interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal [cfr. fls. 291 e fls. 299/320], concluindo nos termos da síntese conclusiva que se reproduz: «...

  3. O presente recurso jurisdicional tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24 de abril de 2015, que julgou totalmente improcedente o recurso contencioso de anulação do ato do Diretor Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, datado de 2 de maio de 2000, que ordenou à ora Recorrente o pagamento da quantia de 28.266.190$00 (€ 140.991,00), alegadamente correspondente ao custo da obra coerciva realizada pela Câmara Municipal de Lisboa no imóvel sito na Rua ………, 28/36.

  4. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir pela inexistência, no caso concreto, do vício de forma por preterição da audiência dos interessados, tendo feito uma incorreta interpretação do disposto no artigo 100.º do CPA, assim como uma errada qualificação do ato impugnado. Nenhuma das razões apresentadas na Sentença recorrida - i) “obrigação legal” imposta ao Município; ii) ilegitimidade para a fiscalização da execução do contrato de empreitada das obras coercivas; iii) inexistência de atos de instrução; iv) qualificação do ato em crise como ato de liquidação; ou v) improbabilidade de intervenção ou colaboração útil por parte da Recorrente - valida o julgamento feito quanto a esta matéria.

  5. A Sentença recorrida errou ao decidir que não se verifica, no caso concreto, falta de fundamentação do ato em crise. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das normas que dispõem sobre os deveres de notificação e de fundamentação de atos administrativos (artigos 68.º e 123.º a 125.º do CPA), tendo, inclusivamente, aceitado a fundamentação a posteriori do ato recorrido, o que é inadmissível.

  6. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que ao caso concreto não é aplicável o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, à data da emissão do ato recorrido, a dívida alegadamente imputável à Recorrente já havia prescrito, sendo, por isso, inexistente, razão pela qual o ato padece de vício de violação de lei por erro nos seus pressupostos de direito.

  7. A Sentença recorrida é nula, uma vez que os fundamentos (fundamentação de facto) estão em oposição com a decisão, na parte em que decide que a Câmara Municipal de Lisboa não violou o disposto no artigo 1405.º do Código Civil porque desconhecia a situação de compropriedade do prédio intervencionado. O fundamento plasmado no 4.º § da pág. 21 da Sentença recorrida está em contradição com os factos dados como provados constantes das alíneas k) e l), pág. 6 da mesma Sentença.

  8. A Sentença recorrida errou ao decidir que o ato recorrido não viola o disposto no artigo 1405.º do Código Civil nem os princípios da proporcionalidade e da igualdade, muito embora, apesar da situação de compropriedade do prédio intervencionado, de que a Autoridade Recorrida tinha conhecimento, o ato recorrido assaque à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade da alegada dívida.

  9. A Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que anule o ato recorrido, na medida em que o mesmo padece dos vícios de forma por preterição da audiência dos interessados e por falta de fundamentação, e, bem assim, dos vícios de violação de lei por erro nos seus pressupostos de direito, por prescrição da dívida e por falta de limitação da responsabilidade pelo pagamento da dívida …».

  10. Devidamente notificado o «DMF», aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações nas quais pugnou pela total improcedência do objeto do recurso e manutenção do julgado [cfr. fls. 327/338], formulando o seguinte quadro conclusivo: «… 1. O Mmº Juiz a quo na douta sentença sindicada refere expressamente que “(…) Em bom rigor, entendemos poder concluir que o ato em análise é irrecorrível na medida em que é destituído de lesividade própria nos termos exigidos pelo artigo 25.º da LPTA em conjugação com o n.º 4 do artigo 268.º da CRP”.

  11. Não obstante tal entendimento, ainda assim, o douto Tribunal a quo analisou os vícios imputados ao ato em crise.

  12. Em sede de contestação ao recurso contencioso de anulação foi defendida a irrecorribilidade do ato impugnado argumentando-se que o mesmo consubstanciava um mero ato material, executório de um outro anterior.

  13. O ato recorrido era um mero ato material de execução de outro no caso em concreto do ato que deferiu a ocupação do imóvel para realização das obras coercivas preconizadas, não sendo por isso em nada inovatório.

  14. O ato impugnado não se reconduz a um ato definitivo e executório e, nessa medida, recorrível.

  15. A recorribilidade do ato administrativo é de conhecimento oficioso.

  16. A constatação da irrecorribilidade do ato impugnado, importa a manifesta ilegalidade do recurso obstando, desse modo, ao conhecimento do mérito da causa.

  17. Nessa conformidade, implica a prévia apreciação por parte do Tribunal ad quem da legalidade do presente recurso.

  18. No entanto, e no que se refere aos vícios imputados ao ato em crise, a sentença ora sindicada não padece de qualquer violação, por erro de interpretação e/ou de aplicação de lei, sendo perfeitamente válida e legal, impondo-se, por essa razão, a sua manutenção, na nossa ordem jurídica …».

  19. A Digna Magistrada do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal teve vista dos autos e emitiu parecer a fls. 359/366, onde concluiu pelo parcial provimento do recurso, pronúncia essa que, objeto de contraditório, não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 368 e segs.

    ].

  20. A aqui recorrente, notificada para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo recorrido nas suas contra-alegações, veio sustentar a sua total improcedência devendo proceder-se à apreciação do recurso e da sua pretensão [cfr. fls. 384 e segs.

    ].

  21. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.

    DAS QUESTÕES A DECIDIR 8. Presentes os termos do objeto do recurso jurisdicional resultam suscitadas no mesmo as seguintes questões: i) irrecorribilidade do ato objeto do presente recurso contencioso de anulação [arts. 25.º, da LPTA, e 268.º, n.º 4, da CRP], invocada pelo recorrido em sede de contra-alegações [conclusões 01.ª) a 08.ª)]; ii) nulidade da sentença [cfr. art. 668.º, n.º 1, al. c), do CPC (na redação decorrente do DL n.º 329-A/95 aqui aplicável - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário)] dada a existência de contradição entre os fundamentos de facto e a decisão [conclusão 05.ª) das alegações]; iii) erros de julgamento da mesma sentença, por incorreta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 68.º, 100.º, 123.º a 125.º, todos do CPA [na redação anterior à alteração produzida pelo DL n.º 4/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], 498.º, n.º 1, e 1405.º do CC [cfr. conclusões 01.ª) a 04.ª), 06.ª) e 07.ª) das alegações] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 8. Resulta como assente na sentença recorrida o seguinte quadro factual: I) Em 13.01.1989, a recorrente, na qualidade de coproprietária do prédio sito na Rua ………, 28/36, em Lisboa, foi notificada do despacho de 28.11.1988 do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa que, ao abrigo do artigo 166.º do «RGEU», decidiu ocupar o referido prédio para efeito de execução de obras anteriormente intimadas pela contrafé n.º 1800, de 15.07.1987.

    II) Por ofício n.º 375/DR/DCCR/2000 - Processo DCEOD n.º 383/4OR/88, datado de 02.05.2000, do Diretor da Divisão de Cobrança e Controlo de Receitas do Departamento de Receitas da Direção Municipal de Finanças, Planeamento e Controlo de Gestão da Câmara Municipal de Lisboa, era notificada a aqui recorrente, e Outros, entre o mais, de que se encontrava a pagamento, no prazo de 30 dias, «a quantia de 28.266.190$00, correspondente ao custo da obra coerciva realizada pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 46/85, de 20 de setembro, no imóvel sito na Rua ………, 28/36», e de que «Não o fazendo e decorrido o prazo acima fixado, para o ressarcimento integral da dívida, será intentada a competente ação judicial com vista à sua cobrança coerciva» - cfr. doc. n.º 01 a fls. 12.

    III) Com esse ofício era remetida a fatura/recibo n.º 02.000000541, da qual, entre o mais, consta descrito: «Valor dos trabalhos: 23.808.813$00; Despesas de Administração: 4.457.377$00», e referindo que se tratava de «obras coercivas (…)» - mesmo doc. a fls. 13 destes autos.

    IV) Com data de...

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