Acórdão nº 0353/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1. A…………., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP” [doravante «CGA»], igualmente identificada nos autos, na qual, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 04/12 dos autos], peticiona que seja «declarada nula e sem qualquer efeito a decisão de 2014.07.04 da Direção da CGA que ordena o reembolso das pensões que o Autor recebeu nos anos de 2011 e 2012 no montante de Euros 53.907,10 (cinquenta e três mil novecentos sete euros e dez cêntimos), comunicada pela carta registada e que constitui o documento n.º 1, porquanto os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não são aplicáveis ao Autor enquanto gestor e liquidatário judicial» e «reconhecido que o exercício de funções de um gestor, liquidatário judicial e de administrador de insolvências (administrador judicial) nomeado em processo judicial não correspondendo ao exercício de funções públicas e que, em consequência, as remunerações fixadas em cada processo a pagar pelo IGFEJ não são remunerações devidas pelo exercício de funções públicas» e, se assim não for entendido, «anulada a decisão proferida por violação de obrigatoriedade pela CGA, I.P., da não audição prévia do aqui Autor, e, também, … por tal deliberação aplicar essa interpretação extensiva e violadora da Lei ao caso “sub judice” os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação …».

  1. O «TAF/P», por sentença de 27.01.2016 [cfr. fls. 97/113 v.

    - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.

  2. O A., inconformado, recorreu para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual, por acórdão de 30.11.2016, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 177/189 v.

    ].

  3. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o mesmo A., de novo inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso de revista [cfr. fls. 197/211 v.

    ], formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «...

  4. Não se conforma o A. com a decisão do douto acórdão em recurso, quanto à violação do princípio constitucional e do procedimento administrativo do direito de participação, pois, efetivamente e com referência à decisão impugnada da Caixa Geral de Aposentações de 22.07.2014, não houve audição prévia; 2. A audiência prévia do Autor, da decisão da Caixa Geral de Aposentações na aplicação ao caso concreto dos autos das alterações ao artigo 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, com a alteração da sua redação de 2010 a entrar em vigor em 1 de janeiro de 2011, é um direito fundamental do Autor por imperativo constitucional e legal (artigo 267.º da Constituição da República, 100.º a 104.º do CPA então em vigor, bem como o artigo 8.º); 3. Mais a mais que essa alteração resulta para o Autor na restrição de seus direitos já anteriormente adquiridos, desde 1998; 4. Acresce que a própria Caixa Geral de Aposentações tinha e terá dúvidas sobre a sua aplicação ao Autor; 5. A comunicação feita ao Autor em 13.03.2014 pela Caixa Geral de Aposentações é sobre situação diferente, considerando-o funcionário do IGFEJ, à qual o Autor respondeu e não foi analisada a resposta e nem esclarecida a sua incompatibilidade de funções como Administrador Judicial; 6. O processo administrativo não tem qualquer despacho ou análise sobre a resposta do Autor; 7. Sempre o ato em recurso deve ser considerado nulo pela não observância da Lei, normativos citados, ou anulado, para que a CGA proceda em conformidade com a Lei, realizando a audição prévia e considerando o direito de participação do Autor na decisão; Isto posto, 8. As alterações introduzidas aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-lei n.º 478/72, de 9 de dezembro, pelo artigo 6.º do Decreto-lei n.º 137/2010, de 29 de dezembro, sofrem de inconstitucionalidade orgânica e material; 9. Sendo esses normativos restritivos de direitos, nomeadamente os consagrados nos artigos 58.º e 59.º da CRP (direito ao trabalho e à retribuição), não foi procedida de qualquer autorização legislativa e, assim, violado o artigo 165.º da CRP, matérias da exclusiva competência da AR, concretamente a alínea b); 10. Este Decreto-lei, 137/2010, não foi sequer procedido de consultas, constitucionalmente definidas, nomeadamente aos sindicatos, violando o artigo 54.º e 56.º da CRP; 11. Esta alteração viola o princípio da igualdade, artigo 13.º da CRP, pois não tem em consideração o estipulado no artigo 63.º da CRP, quanto ao regime da Segurança Social, tendo a pensão dos aposentados a mesma natureza jurídica da pensão dos reformados e a alteração em causa tão só restringe direitos aos aposentados; 12. De igual sorte, sendo uma lei restritiva, teria de ser geral e abstrata, isto é, atingindo igualmente todos os reformados, independentemente da Instituição que lhes paga a reforma e não só dos recebedores da Caixa Geral de Aposentações (artigo 18.º n.º 3 da CRP); 13. A douta sentença em recurso não tem em consideração essa característica restritiva da referida alteração legal, que não pode ter efeitos retroativos e que terá, na sua aplicação de respeitar os comandos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.

  5. Essa lei afeta o direito do Autor ao trabalho e consequente remuneração, direitos constitucionalmente afirmados e afeta o principio da boa fé e confiança, desde logo consignado no artigo 2.º da CRP, porquanto o Autor havia decidido e colaborando na sua reforma antecipada, pois, com os seus conhecimentos técnicos - economista auditor - poderia inscrever-se como liquidatário judicial e complementar a sua pensão de reforma com remunerações derivadas dessa atividade; 15. O direito ao trabalho (artigo 58.º da CRP) e o direito à remuneração (artigo 59.º da CRP), situações adquiridas pelo Autor desde aquela sua inscrição (1998) como liquidatário judicial, não podem ser restringidas pelas alterações posteriores, doze anos mais tarde, do Estatuto de Aposentação, “devendo essas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”; 16. Na doutrina exarada e com uniformidade de Jurisprudência do Tribunal Constitucional, acórdão n.º 3/2016 (subvenções dos Deputados da Assembleia da República) ocorre, aqui, no caso “sub judice” clara e inequívoca violação de situação de confiança, constitucionalmente tutelada; 17. O Autor já muitos anos antes da alteração restritiva do artigo 78.º e 79.º do EA (2011), exercia funções de administrador judicial, observando todos os procedimentos regulamentares, decidiu a sua reforma num plano de reestruturação dos CTT e estimulado pelos seus dirigentes, em processo de preparação da sua cisão e consequente privatização, ainda em condições de poder trabalhar e no exercício desse direito inscrever-se como liquidatário (administrador) judicial, optando por esta atividade com base no regime do quadro jurídico existente e, até, publicamente estimulado; 18. Nem o invocado argumento de redução de despesa pública, interesse coletivo relevante, poderá aqui ser invocado em desfavor dos interesses justos e legais do Autor, porquanto sempre a sua função de administrador judicial seria desempenhada por qualquer outro seu Colega constante na Lista, eventualmente reformado com pensão paga pela Caixa Nacional de Pensões, com remuneração em conformidade com o Regulamento das Custas Judiciais e do CIRE e com procedimento do IGFEJ; 19. O Autor viu concedida a sua reforma dos CTT, Correios de Portugal, S.A. em 1998, sendo, então, essa empresa uma sociedade anónima de direito privado, tendo consolidado no seu Fundo de Pensões, próprio, todos os descontos e tempo de trabalho prestado a outras entidades privadas, como trabalhador dependente e com contrato individual de trabalho; 20. O Fundo de Pensões dos CTT, Correios de Portugal, S.A. só foi extinto em 2003, cinco anos após a reforma do Autor e já então este estava inscrito e a exercer funções de liquidatário judicial; 21. O Autor obteve a sua reforma antecipada num quadro de reestruturação dos CTT, Correios de Portugal, S.A. e incentivado pela própria estrutura dirigente, num ambiente de preparação da sua futura privatização com cedência do seu capital a privados; 22. As funções de liquidatário ou administrador judicial, com interesse público, não são funções públicas, não são desempenhadas por funcionários públicos nem são remuneradas com vencimento do Estado, são desempenhadas por meros colaboradores da justiça, e remuneradas pelas partes e excecionalmente dada a lei do acesso ao direito (apoio judiciário) através do IGEFJ, mas sem qualquer dependência do Orçamento do Estado; Tanto assim, 23. O Estatuto dos Administradores Judiciais (artigo 12.º) permite-lhes continuarem, após os 70 anos, a exercerem a sua atividade e a própria inscrição não os investe na qualidade de agente e garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado (artigo 6.º, n.º 5 do Estatuto); 24. Considerando o direito do Autor e o princípio da confiança já afirmado, com tutela constitucional, o carácter restritivo da alteração do EA, sub judice, as próprias dúvidas da CGA, só com a definição judicial deste caso concreto é que poderá ser aplicada ao Autor o comando do artigo 79.º do EA, isto é, só após decisão judicial transitada é que o Autor poderá ser convencido de estar abrangido por essa disposição limitativa de seus direitos; Por outro lado, 25. Tendo o Autor na sua petição articulado factos essenciais para uma boa decisão da causa, que as instâncias não consideraram e omitiram pronunciamento sobre esses factos, houve uma clara violação do disposto nos artigos 607.º, n.º 4 do CPC e artigo 608.º do mesmo Código; 26. Há...

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