Acórdão nº 01331/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 16 de Junho de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, com os sinais dos autos, contra a liquidação de IRS n.º 2013 4000070787 e respectivos juros compensatórios relativos ao ano de 2011, no valor total de € 3.625,28, apresentando para tal as seguintes conclusões: 1) A disposição da al. c) do nº 8 do art. 2 CIRS não é idónea para dar a solução jurisdicional do caso em litígio.

2) Pois, para qualificar juridicamente a realidade em causa importa rectificar o sentido verbal da expressão “bolsa de formação” na conformidade e na medida do sentido lógico do artigo 12-A aditado ao DL nº 203/2004.

3) Ora, a circunstância que promoveu o surgir da norma foi obviar às carências de médicos em determinados serviços ou estabelecimentos, fixando-se as regras necessárias para que as vagas preferenciais cumprissem a sua função.

4) O que significa que são um meio para conseguir aquele fim, sem nexo directo com a formação médica ou relacionadas exclusivamente com ela.

5) Na verdade, constituem uma forma de retribuição do trabalho prestado numa vaga preferencial ao abrigo do contrato de trabalho em funções públicas.

6) Facto tributário na enumeração casuística adoptada pelo art. 2 CIRS.

Assim, de harmonia com o exposto, e max. ex. supl., deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, para se fazer JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos: A) As bolsas de formação recebidas pelo Recorrido durante o ano de 2011, e liquidadas pela Administração Regional de Saúde do Algarve, IP não se reconduzem a rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a IRS nos termos do artigo 2º CIRS.

B) As bolsas de formação não constituem remuneração pela prestação de trabalho, nem tão pouco constituem remuneração acessória daquela, nos termos do artigo 2.º n.º 3 al. b) do CIRS.

C) Não sendo subsumíveis à previsão do artigo 2º CIRS nem se alegando qualquer outra norma que preveja a sua sujeição a imposto, as bolsas de formação não devem ser sujeitas a IRS, pelo que a sua consideração para apuramento da matéria coletável em sede de IRS é ilegal.

D) As bolsas de formação encontram-se previstas no artigo 12ºA do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto (Define o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em Medicina, com vista à especialização, e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respectivo processo), aditado pelo Decreto-Lei nº 45/2009.

E) Neste diploma prevê-se a atribuição de uma bolsa de formação aos médicos internos que preencham uma vaga preferencial, bem como a obrigatoriedade daqueles, após o internato, ficarem a realizar trabalho para o estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período não inferior ao do respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições. Em caso de incumprimento desta obrigação, o interno terá de devolver a totalidade ou parte do montante da bolsa recebida.

F) De acordo com o regime estabelecido no referido artigo 12ºA, as vagas preferenciais são destinadas a suprir as necessidades de serviços e estabelecimentos de saúde carenciados de médicos em determinadas especialidades.

G) O médico interno tanto poderá receber formação no serviço ou estabelecimento de saúde onde será colocado em vaga preferencial como em outro serviço ou estabelecimento de saúde, que tenha capacidade formativa.

H) Nesta última situação, a mais comum, o médico interno recebe formação e presta trabalho num determinado serviço ou estabelecimento de saúde com capacidade formativa. Este serviço ou estabelecimento de saúde suporta a remuneração devida pelo trabalho prestado.

I) Após a conclusão com sucesso do internato, o médico será colocado no serviço ou estabelecimento com vaga preferencial, onde passará a prestar trabalho durante um período equivalente ao internato.

J) Durante o período de formação, mas não após a conclusão do internato, o serviço ou estabelecimento de saúde com a vaga preferencial suportará o pagamento da bolsa de formação.

K) Assim, na economia do artigo 12ºA, a bolsa de formação pode caracterizar-se do seguinte modo: i. Corresponde a um incentivo (como o apelida o diploma) para que os médicos internos concorram a vagas em estabelecimentos ou serviços carenciados de determinadas especialidades.

ii. Tal incentivo tem como contraprestação a obrigação de permanência e a pressuposta conclusão do internato.

iii. O sinalagma estabelece-se entre a prestação pecuniária (a bolsa de formação) e a permanência num determinado estabelecimento ou serviço de saúde por um certo período de tempo.

iv. A bolsa de formação, como o seu nome indica, é percebida durante o período de formação profissional obrigatória, a que corresponde o internato médico.

v. A bolsa de formação não tem correlação com a prestação de trabalho.

vi. O pagamento da bolsa de formação durante o internato e não após a conclusão deste, compreende-se na lógica de incentivo, motivando e vinculando os médicos internos a um benefício presente, sem que se instale a dúvida sobre a manutenção desse mesmo incentivo no futuro.

L) Deve assim ser prevenida qualquer confusão entre a prestação de trabalho e a bolsa de formação.

M) O interno, ao prestar trabalho, é remunerado pela entidade ou entidades para a qual presta trabalho e nos termos do contrato que tenha para o efeito celebrado.

N) Já a bolsa de formação é paga, durante o internato, pela entidade onde o interno irá ocupar a vaga preferencial após a conclusão com aproveitamento do internato.

O) É entendimento do Recorrido que a bolsa de formação não é sujeita a imposto, atenta a sua natureza compensatória pela obrigação de permanência, não tendo natureza remuneratória.

P) Esta dicotomia tem extrema importância em sede de IRS, porquanto o IRS incide sobre a retribuição do...

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